Por Jotabê Medeiros, para Amazônia Real.
A 50ª edição do Festival de Cinema de Gramado premiou na noite deste sábado (20), o longa-metragem acreano Noites Alienígenas com cinco prêmios Kikitos, além de uma menção honrosa. Foi a primeira vez em 50 anos que uma produção do Acre ganhou o principal prêmio em Gramado, o de Melhor Filme – além desse, levou os de Melhor Ator (Gabriel Knoxx), Melhor Atriz Coadjuvante (Joana Gatis), Melhor Ator Coadjuvante (o veterano Chico Diaz) e o prêmio do júri. A menção honrosa foi para o ator manauara Adanilo, “pela excelência da construção da linha do personagem e interpretação”.
Ao receber a premiação de melhor longa do Festival de Gramado, a produtora Karla Martins fez um discurso histórico:
“Nunca mais este festival será igual, porque hoje ele abriu uma porta e reconheceu algo que não tem volta nesse País. A gente é fruto de dinheiro descentralizado, é fruto de política que chega lá na ponta, na borda, nas beiras desse País que achou, durante muito tempo, que só uma parte dele produzia conteúdo. Isso não é verdade”.
O filme mostra a chegada do crime organizado vindo do Sudeste do país para Rio Branco, capital do Acre, seu estabelecimento na região entre Rio Branco e a floresta, e o impacto disso na vida dos jovens, com o crescimento do tráfico e das facções. Essa história, que mostra os problemas de uma Amazônia mais urbana, com foco também na cultura da ayahuasca, é baseado em um livro do diretor de Noites Alienígenas, o carioca Sérgio de Carvalho, que ressaltou o papel do veterano ator Chico Diaz na solidificação do trabalho dos estreantes, como o rapper Gabriel Knoxx e a novata Joana Gatis, estreantes no cinema. Afirmou que [Diaz] é um profissional muito generoso, tem uma ampla experiência no cinema, mais de 100 filmes, mas consegue estabelecer uma relação que é de aprendizado contínuo com todo o elenco.
Sérgio de Carvalho se formou em cinema e audiovisual no Rio de Janeiro, em 2002 . Em 2010, ele criou no Acre o Festival Internacional Pachamama – Cinema de Fronteira, estado que está radicado até hoje. O festival impulsiona a produção cinematográfica entre Brasil, Bolívia e Peru e expande para toda a produção brasileira e latino-americana autoral.
No discurso de premiação, Sérgio de Carvalho agradeceu, especialmente, as mulheres que participaram da produção do longa e celebrou: “como disse a crítica de cinema Maria do Rosário Caetano, realmente foi um filme ovni, um alienígena que aterrissou em Gramado e foi uma grande surpresa”, disse o diretor.
A vitória do Noites Alienígenas foi comemorada pelo País todo. O candidato à presidência da República que lidera as pesquisas, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), enviou mensagem cumprimentando a atriz Gleici Damasceno, que interpreta a personagem Sandra no filme, pela vitória. “Viva a cultura e os artistas do Acre”, disse Lula. Foi a estreia nacional de Noites Alienígenas, que não tinha distribuidora quando chegou a Gramado mas, durante as projeções, foi procurada pela Vitrine Filmes, que comprou o filme e agora vai distribuir a produção.
O crítico de cinema Luiz Zanin Oricchio, que cobre o Festival de Gramado há 30 anos, afirmou: “Eu te confesso também que não me lembro de ter visto um longa-metragem do Acre. Esse foi o primeiro. E, com essa premiação, eles colocaram o Estado do Acre no mapa cinematográfico brasileiro, é a pura verdade”.
A conquista de Noites Alienígenas consolida um crescimento forte e consistente do cinema da Amazônia no cenário nacional e internacional. Também estava em competição no mesmo festival o documentário Socorro, dirigido por Susanna Lira, que conta a história da líder quilombola Socorro do Burajuba, de Barcarena (nordeste do Pará). A direção de fotografia é de Cezar Moraes e de Cícero Pedrosa Neto, da Amazônia Real.
Socorro do Burajuba, que estava presente à premiação, é a única denunciante da Hydro Alunorte, uma mineradora norueguesa que tem cometido crimes ambientais na região onde vive e sofre retaliações por isso. “Nunca foi tão importante fazer cinema, nunca foi tão importante fazer documentário no Brasil”, afirmou Susanna Lira.
O avanço do cinema em 2020, o curta-metragem O Barco e o Rio, de Bernardo Ale Abinader, já tinha levado de Gramado 5 prêmios Kikitos (Melhor Curta Nacional, Melhor Diretor e Melhor Curta do Júri Popular, Melhor Fotografia e Melhor Direção de Arte). Mais recentemente, o documentário de longa-metragem O Território, uma coprodução com o povo indígena Uru-Eu-Wau-Wau, de Rondônia, dirigida por Alex Pritz (com produção executiva da ativista Txai Suruí) e tendo como personagens Bitaté Uru-Eu-Wau-Wau e a indigenista e ativista Neidinha Suruí, foi premiado em Sundance e Seattle, nos Estados Unidos, e em uma dúzia de outros festivais pelo mundo.