Por Tomás Hirsch.
O dia 7 de agosto foi duplamente histórico para a Colômbia porque tomou posse o primeiro governo de esquerda, com Gustavo Petro à frente, e na vice-presidência, a primeira mulher feminista afro-colombiana, esquerdista, ativista, advogada e defensora dos direitos ambientais, Francia Márquez.
Mas, quem é Francia Márquez? Por que essa mulher agora está no centro da política internacional? Que agenda política é exibida por uma mulher racializada de origem humilde que nos faz pensar na urgência de construir uma democracia que combine justiça social, feminismo e meio ambiente? O que uma mulher como Francia Márquez representa para os setores esquecidos pelo Estado colombiano e, em particular, para as mulheres indígenas, afrodescendentes, palenqueras, raizais e camponesas?
Francia Márquez nasceu em Cauca, um lugar devastado e controlado por hierarquias raciais. Sua trajetória de vida como ativista, acadêmica e mulher afrodescendente representa os sentimentos dos setores marginalizados e precários da Colômbia e, ao mesmo tempo, a alegria e a esperança de um futuro diferente condensadas em sua famosa frase “viver gostoso”, que reivindica o direito que cada pessoa tem de desfrutar e gozar a vida.
Francia representa uma luta histórica: a dos povos afrodescendentes e indígenas da Colômbia, constantemente indignados com um sistema extrativista e patriarcal e contra os quais foi declarada guerra porque suas vidas nunca foram investidas de futuro pela nação. Hoje, esses sujeitos feridos pela arrogância da história colonial e racial da Colômbia aparecem sob a figura dos Ninguém, vidas que importam e trazem consigo as chaves para uma transformação profunda e necessária baseada no cuidado da vida e dos territórios. resgatando dessa memória viva dos povos os vínculos existentes entre a ancestralidade e o futuro.
Os Ninguém é um manifesto político e um reconhecimento daqueles que foram despossuídos, violados e apagados por um Estado paramilitar, classista e racista. Ninguém dá nome a quem não tem e nunca existiu no imaginário político da Colômbia. O Ninguém encarna poeticamente uma poderosa resistência que abala os alicerces de uma política conservadora e tradicional e, ao mesmo tempo, permite reimaginar uma forma de fazer política a favor da vida.
Francia se inspira nas lutas do povo afro e na filosofia do Ubuntu, onde as diferentes formas de existência se inter-relacionam de forma solidária, recíproca e interdependente e propõem um caminho para repensar nossas sociedades e caminhar para uma vida plena, livre de violência e discriminação. Sua proposta política desafia os fundamentos de um modelo racista, extrativista e patriarcal que teve consequências desastrosas para a sociedade colombiana e propõe trabalhar em conjunto para transformar a Colômbia em uma potência mundial da vida. Seu trabalho corajoso e comprometido constrói uma rede subterrânea que entrelaça milhões de Ninguém em diferentes países da América Latina que aos poucos estão acordando e se reconhecendo como aconteceu há alguns anos no Chile naquela sexta-feira de outubro, quando os Ninguém se olharam com espanto e esperança de um futuro possível.
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