Por Gabriele Roza e Vitória Régia da Silva, para Genêro e Número.
Pré-candidatas mulheres trans estão mais articuladas para as eleições de 2022 do que outros quadros que buscam vencer o pleito de outubro. Elas representam 30% das pré-candidaturas de mulheres LGBT+ e são as que mais formaram equipes de campanha (78% das mulheres trans já começaram) e mais negociaram recursos com partidos (72%). Os dados são do mapeamento de Pré-Candidaturas LGBT+, realizado pela organização #Vote LGBT, em parceria com a ABGLT e Victory Institute. O estudo, que encontrou 210 pré-candidaturas LGBT+ de diferentes espectros políticos e regiões do Brasil, entre abril e junho de 2022, foi disponibilizado com exclusividade para a Gênero e Número.
Thabatta Pimenta (PSB), 30, primeira vereadora trans eleita do Rio Grande do Norte, na cidade de Carnaúba dos Dantas, e agora pré-candidata a Deputada Estadual, avalia que desde a última eleição mulheres trans estão mais organizadas. Apesar de ser de um município pequeno, de 8 mil habitantes, Thabatta se sente cada vez mais conectada com outras parlamentares trans e travestis. ”Temos uma Frente Nacional Transpolítica. Estamos engajadas, articuladas, todas juntas para que a gente ocupe cada vez mais esse lugar que é nosso por direito”, diz.
Os dados do mapeamento, analisados pela Gênero e Número, mostram que o entre homens trans a movimentação ainda é menos intensa. Eles são 10% dos pré-candidatos homens LGBT+. somente 37% deles já negociaram recursos com os partidos e são 13% os que já negociaram algum recurso financeiro. Além disso, são os que menos conseguiram apoio político (38%) e menos formaram equipes de campanha (50%).
Uma das primeiras dificuldades que o profissional da saúde e professor universitário Jhonatan Calel de Moura (PMB), 32, enfrentou para sua primeira candidatura para deputado estadual em Bela Vista, Roraima foi com o partido político. “Primeiro, eu não fiz a minha retificação de nome e nem fiz a minha retificação de gênero, eu só uso o nome social. Então, eu acabei entrando pelo partido com a classificação feminina, isso já machucou um pouco”.
O pré-candidato explica que o partido começou a respeitar seu nome social, mas por ser um partido pequeno no estado é difícil negociar outros recursos, “uma dificuldade muito grande, mas eles estão buscando entender de fato a transexualidade e as questões LGBT+”. Para ele, o processo no partido está sendo uma ”desenrolada lenta”, mas aos poucos consegue mais espaço, “‘é um partido que apesar de eu nunca imaginar que iria me acolher, me acolheu bem”, enfatiza.
Jhonatan Calel reflete um dos achados da pesquisa. Pré-candidaturas LGBT+ na região Norte são as que mais relatam estar com dificuldades em conseguir recursos financeiros e outros recursos (como rede de apoio e equipe) entre todas regiões do país. Dentre os entrevistados que moram na região Norte, 94% informaram falta de recurso financeiro e 71% falta de outros recursos. Pré-candidatos do Nordeste estão em segundo lugar entre os que mais se queixam da falta desses recursos: 89% apontam falta de recursos financeiros e 70% afirmam falta de outros recursos. ”Aqui no estado de Roraima tudo é muito monopolizado, sempre são os mesmos, então quando entra novo é muito difícil ter uma visibilidade”, lamenta Jhonatan.
Quando foi candidata pela primeira vez, em 2016, Thabatta Pimenta se sentiu rejeitada e atacada pelos partidos políticos do seu município. Ela conta que em Carnaúba dos Dantas (RN) os espectros políticos não são tão definidos, ”no interior do Rio Grande do Norte é mais nessa questão, os partidos se unem e é verde e vermelho”. Ela conseguiu a candidatura pelo PSDB e, apesar de não ter sido eleita no ano, foi bem votada com 320 votos. Em 2020, seguiu para a disputa pela vereança, quando foi eleita filiada ao PROS.
A vereadora está otimista para o pleito eleitoral de 2022 e acredita que eleitores e eleitoras buscam renovação política. ”As pessoas querem renovar esses espaços com novas representações. Se a gente não tiver a juventude e as pessoas que representem essas minorias nesses lugares, vai ser sempre o mais do mesmo”.
Perfil das pré-candidaturas
A pesquisa também analisa a distribuição de candidatos/as LGBTs por gênero, raça e orientação sexual por linha partidária. De acordo com o mapeamento, as pré-candidaturas, em sua maioria, se declaram como preta (86), como branca (76), como parda (44) e como indígena (4). Apesar da maioria das pré-candidaturas LGBT+ estarem presentes em partidos de esquerda (83%), entre as pré-candidaturas negras (pretos + pardos), 19% estão em partidos de centro e direita, em comparação com 14,5% das pré-candidaturas brancas e 0% das indígenas. Nas eleições de 2020, foi a primeira vez que candidaturas negras superaram a de brancos, mas isso não se reflete na eficácia eleitoral de pessoas negras, sejam LGBT+ ou não, que ainda não são a maior parte dos eleitos.
“Isso confirma nossa pesquisa de 2020, que candidaturas negras LGBTs estão mais em partidos de esquerda, o que acaba sendo bom para elas, porque são os partidos que distribuem mais dinheiro para essas candidaturas. Veremos se isso vai se manter nas eleições deste ano”, conta Evorah Cardoso, pesquisadora do #VoteLGBT.
Já o gênero com o qual as pré-candidaturas se identificam são: mulher cis (73), homem cis (69), mulher trans (32), travesti (17), homem trans (8), não binária/o/e (5), transvestigenere não binárie (1) e outros (5). Chama a atenção no mapeamento que pessoas trans sejam as que proporcionalmente estão mais presentes em partidos de centro e direita: 37% dos homens trans estão nesse espectro, seguidos por 34% das mulheres trans e 20% das pessoas não binárias. Já as mulheres cisgênero são 11%.
“Para candidaturas LGBT+, quanto menor é a cidade, menor a possibilidade de escolha de qual partido sair porque são poucos os partidos políticos e há pouca diversidade política. Por isso, fazem uma escolha estratégica de por qual partido sair”, analisa Cardoso.
Esse cenário não é novo. Em 2020, ano em que saltou o número de eleitos trans, mostramos em reportagem que quase 40% das 275 candidaturas trans nas eleições municipais de 2020 eram de partidos de direita, segundo levantamento da Antra (Associação Nacional de Travestis e Transexuais).
A análise dos dados da pesquisa evidencia também que pré-candidaturas de direita e centro negociaram mais com os partidos (72%) do que pré-candidaturas de esquerda (61%). Mas são os pré-candidates de esquerda que mais relataram ter iniciado rede de apoio como ação de campanha (51%) contra 33% que relatam terem iniciado do centro e da direita.
Também chama a atenção quando analisamos a orientação afetiva/sexual dos mapeados que os homens gays sejam a maioria (67), seguidos de bissexuais (50), lésbicas (42), heterossexuais (37), pansexuais (12), assexual (1) e outros (1). Entre as pessoas heterossexuais [pessoas trans podem ser heterossexuais], 27% estão em partidos de centro e direita.
Os cargos para os quais os mapeados LGBT+ estão se candidatando são, por ordem decrescente: Deputado Estadual (112), Deputado Federal (81), Deputado Distrital (11), Senador (4) e Governador (2). Além disso, os 5 principais partidos políticos das pré-candidaturas são PSOL (66), PT (54), PSB (23), PDT (18) e REDE (10).
Violência política: Indígenas, negros e pré-candidatos de esquerda são as principais vítimas
Proporcionalmente, entre os grupos raciais participantes da pesquisa (indígena, negro e branco), indígenas são os que menos negociaram com os partidos (75% dos indígenas), menos conseguiram recursos financeiros (75%) e apoio político junto às siglas (75%). Entre as principais dificuldades encontradas, pré-candidatas/os LGBT+ negros informaram falta de recursos financeiros (85%) e outros recursos (70%) proporcionalmente maior do que outros grupos raciais.
Em relação à violência política, metade das pré-candidaturas LGBT+ indígenas relatou ser uma das principais dificuldades, contra 32% entre as negras e 26% entre as brancas. Mulheres cis (32%) e travestis (41%) também declararam ter mais dificuldade com a violência política. A pesquisa revela ainda que apenas 43% de pré-candidatos/as LGBT+ iniciaram preparação emocional para a campanha.
A política partidária ainda é omissa nos casos de violência contra a população LGBT+, como apontam casos e dados. Alguns deles presentes na pesquisa “A Política LGBT+ Brasileira: entre potências e apagamentos“, do #VoteLGBT. Entre os representantes eleitos em 2020, 26% relataram ter sofrido violência por parte de pessoas da própria legenda. Além disso, 54% das candidaturas que sofreram violência buscaram ajuda do partido, mas em 56% dos casos os partidos não fizeram nada.
Pré-candidatos de esquerda relataram sofrer mais violência política (33%) do que pré-candidatos de centro e da direita (14%). Para a pesquisadora do #VoteLGBT Evorah Cardoso, é possível que candidaturas de esquerda estejam mais informadas sobre violência política. ”A percepção própria de violência passa por um processo de aprendizado e reconhecimento do que é ser vítima de violência”, explica. Mas a pesquisadora acredita que pode existir também um grau de violência política ideológica.
”Os dados do TretaAqui.org [iniciativa de denúncias de violência política] mostravam que a maioria dos ataques partia da centro-direita e quem era mais atacado eram os políticos de esquerda. Então, acho que esse novo dado da nossa pesquisa revela esse embate político ideológico, de perseguição mesmo da esquerda”, avalia.
Reforma eleitoral prejudica candidaturas LGBT+
É a primeira vez que é realizada no Brasil uma pesquisa com pré-candidaturas que se autodeclararam LGBT+. Evorah Cardoso explica que nas pesquisas anteriores a organização trabalhou com dados com classificação LGBT+ informada por terceiros. Para ela, a nova pesquisa consegue retratar de forma mais justa pré-candidaturas ao trazer a autodeclaração.
”É uma imensa vitória, sabemos que não estamos desrespeitando essas candidaturas no momento em que a gente fala sobre elas e as divulga. Isso foi fruto de um esforço, de uma ação coordenada, mas pra isso você precisa ter estrutura, financiamento e equipe’.
A nova reforma eleitoral instituída no ano passado trouxe mais uma urgência para a realização da pesquisa. ”Passamos por uma reforma eleitoral catastrófica em termos da nossa possibilidade de estar nas urnas e sermos eleitos. A reforma eleitoral reduziu drasticamente a quantidade de candidaturas que cada partido pode lançar”, explica Evorah.
As federações partidárias, novidade destas eleições, incentivam as fusões entre as siglas, já que há um número elevado de partidos políticos no país. As alianças, que devem durar no mínimo 4 anos, farão com que os partidos federados tenham ainda menos candidaturas para lançar, pois o novo número limite de candidaturas vale igualmente tanto para partidos não federados quanto para toda a Federação (o novo limite deverá ser dividido entre todos os partidos da Federação). Segundo levantamento do #VoteLGBT, os 8 partidos federados em 2022 foram responsáveis por 63% das 556 candidaturas LGBT+ de 2020 ( mapeadas pela sociedade civil).
Evorah explica que a mudança vai diminuir as chances dos LGBT+ concorrerem a um cargo político. Agora LGBT+ vão disputar vagas não apenas dentro de seu partido, mas também na federação, com outros partidos. ”Vimos um aumento das candidaturas LGBTs a cada pleito, mas não parece ser esse o caso nestas eleições”, aposta ela. ”As lideranças partidárias não só vão poder continuar não transferindo recursos pras candidaturas LGBTs, como elas agora vão poder dizer quem é que tem o direito de estar na urna”.
A pesquisa também busca, nesse contexto, divulgar as pré-campanhas e incentivar eleitores a apoiá-las. ”Os partidos precisam perceber que elas têm capital político, que elas têm condições de ganhar. Teremos que lutar para que essas candidaturas estejam nas urnas para que a gente possa votar nelas”.
Em levantamento recente do #VoteLGBT, 45% do público LGBT+ respondente afirmou não conhecer nenhuma pré-candidatura ainda, embora 88% tenham dito ter preferência por votar em LGBT+. A pesquisa foi feita durante eventos da 26º edição da Parada LGBT de São Paulo, que reuniu 4 milhões de pessoas no último domingo (19), na Avenida Paulista.