Por Camila Almeida/Girassol Cultural
Como quebrar o silêncio onde ele não pode existir? Ou sensibilizar e mostrar ferramentas de apoio, até mesmo para adultos conseguirem ser refúgio? Em “Silêncio é biblioteca – narrativas visuais em papel machê “, a artista Manon Alves, com a curadoria de Janaína Corá, traz de forma metafórica, sutil e ao mesmo tempo visceral, o debate sobre enfrentamento ao abuso sexual e violência contra crianças e adolescentes.
Premiado pelo Edital Elisabete Anderle de estímulo à cultura, através da Fundação Catarinense de Cultura, a exposição iniciou esta semana em Xaxim, na Escola Rural Luiz Lunardi, e até setembro irá passar ainda pelos municípios de Calmon e Abelardo Luz. A circulação é totalmente gratuita e aberta à comunidade.
“Em todas as cidades escolhemos escolas rurais para receberem a exposição, com o objetivo de descentralizar essas ações e fazer com que chegue onde geralmente a ação cultural não consegue chegar e, principalmente, para levar esse debate, tão importante, para dentro do ambiente escolar”, explica a artista Manon Alves.
Compõe a exposição nove esculturas construídas com papel machê, em processo moroso e paciente, que levou cerca de seis meses para finalizar. Uma trilha sonora original, criada pelo músico Fernando Perrí, muda a atmosfera da sala de aula que se transforma em galeria. O trabalho traz ainda um QRcode que direciona alunos, visitantes e professores ao vídeo documentário da exposição, onde é possível entender o processo criativo das obras, e a uma conversa entre a artista e psicóloga, onde são passadas dicas para os professores, em como perceber se a criança está sendo vítima de algum tipo de violência e como dar esse suporte.
Mesmo estando fixa na escola em Xaxim, até 14/07, a mostra está aberta para visitação de outras escolas e da comunidade, mediante agendamento, pelo telefone 49.3353.1544. De acordo com o gestor da instituição, Marcos Adriano Ribeiro, a exposição recebeu até esta sexta-feira, 08/07, cerca de 500 crianças. “Essa ação é algo de extrema importância pela temática que aborda, algo que precisa ser debatido e visualizado. As obras da artista trazem de maneira muito sutil esse tema e possibilitam que as crianças e os adolescentes tenham uma visão diferenciada sobre um tema difícil e delicado de ser trabalhado. A forma com que as esculturas foram organizadas nos dá uma ideia e uma mensagem suave do que precisa ser visto”, conta.
Mergulho no tema
Para desenvolver o projeto, Manon mergulhou em um repertório de pesquisa, entrevistas e conversas com psicólogas que ancoraram o projeto. Uma dessas profissionais foi a Psicóloga da Polícia Civil Caroline Kraid Pereira. Para ela as esculturas simbolizam sentimentos que dificilmente conseguiriam ser expressos em palavras, vista a grande complexidade que os envolvem. “A arte é uma das formas mais interessantes de fazer com que essas informações cheguem a crianças e adultos, e uma maneira de iniciar essa conversa, tanto em casa como na escola. As famílias e as escolas precisam criar um ambiente propício para que haja uma comunicação aberta e que possibilite às crianças e adolescentes contarem situações que possam estar gerando incômodos e dúvidas. Para isso, é preciso falarmos claramente sobre os mais diversos assuntos e, quando formos chamados por elas, as ouvir, sem julgamentos ou preconceitos. Assim, se houver alguma situação que ela identifique que possa estar sofrendo algum tipo de violência ou ameaça, conseguirá pedir ajuda para os adultos de confiança”, enfatiza.
“Esse projeto já seria importante pelo pretexto de falarmos sobre violência e abuso sexual contra crianças, dentro da escola. Mas além da exposição, da conversa que acontece, do trabalho posterior que está sendo desenvolvido nas escolas a partir desse contato, nós tentamos sensibilizar as crianças para que confiem e falem, se uma criança sabe de outra criança que está sendo vítima, confie em alguém e conte, para que o professor esteja preparado para perceber algo diferente, algo que saiu da rotina, para que ele tenha sensibilidade de chamar essa criança para conversar. As crianças de agora serão os próximos adultos, então também estamos sensibilizando para que não existam novos agressores. Uma das ações mais importantes desse trabalho é a formação, estimular a olhar o outro, desenvolver a empatia, entender que o corpo do outro não é a propriedade de um adulto, que você não faz qualquer coisa por impulso, que a criança tem direito a dizer não, a querer ou não querer alguma coisa, então a prevenção à violência também está no projeto”, finaliza a artista.
Dados
De acordo com a Unicef, nos últimos 5 anos, 35 mil crianças e adolescentes foram mortos de forma violenta no Brasil e nos últimos 4 anos, 180 mil meninas e meninos sofreram violência sexual no País. Esses números foram levantados pelo panorama da violência letal e sexual contra crianças e adolescentes no Brasil, em uma pesquisa inédita. O estudo ainda aponta que, nos casos de violência sexual, o crime tem um autor conhecido: as situações acontecem dentro de casa, 86% por pessoas conhecidas da vítima.
Mesmo esses registros sendo amplos geograficamente e abrangendo todo o território nacional, eles também acontecem aqui, todos os dias, na nossa comunidade. Segundo dados divulgados em março deste ano, Santa Catarina tem a quarta maior taxa de casos de abuso infantil notificados no País, conforme o Anuário Brasileiro de Segurança Pública.
Acompanhe o projeto pela página do Instagram Poesia de Papel .
Se você tem interesse em levar a Exposição “Silêncio é Biblioteca” para a sua cidade ou escola envie mensagem para o whatsapp (49)99808-0283.
