Renato Freitas diz que vai lutar contra perda de direitos políticos e pede: “Não se desmotivem”

Vereador foi acusado de quebra de decoro parlamentar após participar de ato antirracista em fevereiro

Brasil de Fato.- O vereador de Curitiba (PR) Renato Freitas (PT) concedeu entrevista ao vivo para o Brasil de Fato Paraná na manhã desta quinta-feira (23). Foi a primeira conversa com a imprensa após a cassação de seu mandato, consumada em sessão realizada na tarde desta quarta (22).

Freitas relatou o racismo diário sofrido por ele durante o trabalho legislativo e afirmou que vai lutar contra a suspensão por oito anos dos seus direitos políticos. “Eu estou com fé que o Judiciário vai reconhecer as nulidades desse processo, a forma açodada, apressda, retirando direitos, garantias, possibilidades de defesa, membros do Conselho de Ética antecipando votos, conspirando para que eu fosse cassado independentemente da minha defesa”, disse.

Um dos três parlamentares negros eleitos em 2020 para a Câmara de Curitiba, Renato Freitas foi acusado de quebra de decoro parlamentar após participar de ato antirracista, em fevereiro, que culminou na entrada dos manifestantes na Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos de São Benedito, na capital paranaense. O petista foi acusado de liderar o ato, perturbar o culto religioso e realizar ato político dentro da igreja.

Renato afirmou que a cassação é, na verdade, mais uma expressão de um clima “absolutamente hostil”, com demonstrações explícitas de racismo direcionadas a ele por colegas.

“Em sessões oficiais da Câmara de Vereadores, fui chamado de ‘moleque’, de ‘mano’ em tom pejorativo, de ‘maconheiro’. Foi dito que eu não tinha maturidade para estar naquele lugar. E o líder do governo na Câmara, vereador Pier Petruzziello (PP), me perguntou se eventualmente eu não levava cachaça para a Câmara, se eu não bebia antes de fazer as sessões”, relata Freitas.

O militante do movimento negro pediu ainda que seu caso não desmobilize a juventude e afaste ainda mais os jovens da política. “Não se desmotivem da política, pelo contrário. É hora de uma mudança radical, e esse é o momento. Se não nós, quem? E se não hoje, quando? Sejam protagonistas de suas próprias histórias”, conclamou.

Em sessões oficiais da Câmara de Vereadores, fui chamado de ‘moleque’, de ‘mano’ em tom pejorativo, de ‘maconheiro’.

Ironias e injustiças

Renato destaca que o primeiro a pedir sua cassação foi o ex-vereador Eder Borges (PP), que divulgou uma versão distorcida a respeito do ato realizado pelo movimento negro de Curitiba no dia 5 de fevereiro, em protesto contra a morte do imigrante Moïse Kabagambe. “Ele criou a fake news de que eu teria invadido uma igreja, interrompido uma missa e maltratado velhinhos. Isso tudo é mentira e já foi provado.”

A coincidência, ironiza Freitas, é que Borges teve seu mandato cassado antes dele justamente por disseminação de fake news e discurso de ódio. Em 2016, quando estava acontecendo o movimento de ocupação de escolas públicas por estudantes no Paraná, Borges compartilhou uma publicação com uma montagem que mostrava uma bandeira comunista em uma foto do Colégio Estadual do Paraná, com a frase: “Bandeira comunista é hasteada em colégio do Paraná. APP [Sindicato dos Trabalhadores em Educação Pública do Paraná ] faz isso com seu filho”.

Eder Borges perdeu o mandato na Câmara de Curitiba, após ser condenado pelo Tribunal de Justiça do Paraná (TJ-PR) pelo crime de difamação, em ação movida pelo APP Sindicato. “Mas isso não foi o bastante para abrir os olhos dos vereadores de Curitiba, que não queriam de fato abrir os olhos”, afirma Freitas.

Não se desmotivem da política, pelo contrário. É hora de uma mudança radical, e esse é o momento.

De volta para a base

Enquanto tenta reverter a decisão no Judiciário, por conta do processo de cassação que considera um verdadeiro “show de horrores”, Freitas pretende continuar seu trabalho junto aos movimentos de base, em projetos do Núcleo Periférico, organização de que é fundador.

Um deles se chama Narrativas Marginais, que oferece aulas de cinema, música e literatura para jovens de bairros da periferia, que recebem R$ 100 por mês como ajuda de custo. O objetivo é profissionalizar os jovens, mas também “dar voz”, para que, “a partir da música, da literatura e do cinema, eles contem as próprias histórias”, explica Renato.

Outro projeto trabalha com egressos do sistema carcerário. “Vai ter profissionalização, arte, cultura e educação, palestras de conscientização, e também de criminologia, para que eles compreendam como funcionam os mecanismos de punição, captura, vigilância que o Estado brasileiro impõe sobre a população marginalizada”.

“É um projeto realizador para minha vida. Eu não tive pai justamente porque meu pai caiu nas teias do sistema carcerário, morreu muito cedo, mais jovem do que eu sou hoje, muitos amigos também foram criminalizados na minha caminhada”, afirma. “Eu morei 15 anos do lado do complexo penitenciário de Piraquara e vi o quão destruidor pode ser uma prisão”, conta.

É pela luta institucional que eu estou me fazendo ouvir aqui por vocês, então não é uma luta menor.

Acendam fogueiras

Apesar da cassação e do ambiente hostil vivenciados por ele, Renato ressaltou a importância de lutar, também, na via institucional.

“Acredito como via de luta, à medida que as pessoas estejam de fato dispostas a sacrificar tudo pela Justiça e pela liberdade, inclusive o próprio mandato. Só quando chegar nesse nível de sacrifício é que a luta institucional terá algum sentido, porque ela será radicalmente transformada”, defendeu.

“É pela luta institucional que eu estou me fazendo ouvir aqui por vocês, então não é uma luta menor. Continuo apostando nesses movimentos como força real, e apostando na luta institucional como força representacional.”

Renato quer incentivar jovens, especialmente os negros e periféricos que se enxergam representados nele, a ousarem ocupar os espaços de poder no lugar da elite que historicamente domina a política institucional.

“São pessoas que atuam em prol do dinheiro e contra a vida, que atuam para desvalorizar a vida. Que, em última instancia, atuam para que pessoas morram, se não por uma ação, por uma omissão planejada. Os jovens sentem que a política é cada vez mais isso, é morte planejada.”

Citando o poeta paulistano Sergio Vaz, diz que “é preciso um coração em chamas para manter os sonhos aquecidos. Portanto, acendam fogueiras, as fogueiras da esperança”.

Edição: Nicolau Soares

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