Fadi Kassem: “Por um verdadeiro Partido Comunista na França”

Por Carmen Susana Tornquist [1]

Entrevista com Fadi Kassemi [2] – do Polo para o Renascimento Comunista na França (PRCF)

Carmen Susana Tornquist (CST) – Em primeiro lugar, gostaríamos de saber como foi criado o Polo para o Renascimento do Comunismo na França.

Fadi Kassem (FK) – O Polo para o Renascimento Comunista na França (Pôle de Renaissance Communiste en France (PRCF) nasceu em 2004, ou seja, há 18 anos. Inicialmente, foram os antigos membros do Partido Comunista Francês (PCF) que o criaram. Mas, a partir da década de 1970, o PCF abandonou progressivamente tudo: a ditadura do proletariado, em 1976, a referência ao marxismo-leninismo em 1979, depois, em 1994, o centralismo democrático. Todos os camaradas que fundaram o PRCF primeiramente tentaram resistir e combater o que nós chamamos de euro-mutação, a mutação nociva do que oficialmente se chama eurocomunismo – com o objetivo de salvar o marxismo-leninismo, no interior do Partido e no seio da coordenação comunista. Como isto não foi possível, os camaradas concluíram que o PCF estava globalmente perdido e decidiram reconstruí-lo desde o exterior; então, um significativo núcleo decidiu fundar o Polo para o Renascimento do Comunismo na França (PRCF), com dois objetivos importantes: reconstruir um verdadeiro partido comunista, pois o PCF atual não tem tem grande coisa de comunista, e liderar a luta pelo que chamamos de Frexit Progressista [3]. Como comunistas, queremos acabar com o capitalismo de uma vez por todas, mas queremos fazer isso metodicamente, combatendo todas as estruturas de poder a fim de destruí-las, particularmente a União Europeia que impede, por definição, que exista o comunismo, obviamente, mas que impede até mesmo políticas sociais um pouco mais ambiciosas. É por isto que nós estamos convocando a saída do euro, da União Europeia (UE) e da OTAN que é uma máquina de guerra contra o povo – e a América Latina sabe algo sobre isso! – com certeza, lutando contra o capitalismo. Então esses são os objetivos e isso explica porque o PRCF existe há 18 anos, com a esperança dia a dia, mês a mês de reconstruir um partido comunista verdadeiramente marxista-leninista.

CST – E como é a relação entre as pessoas que fazem parte do PCF e também os outros apoiadores do PRCF?

FK – Nós distinguimos a estrutura do PCF – que está bloqueada – dos dirigentes nacionais que, globalmente, preferem se dar bem com o Partido Socialista durante as eleiçõesmunicipais, legisltativas(e isto se observa ainda hoje com a Nova União Popular Ecologista e Social, etc.) dos militantes: alguns tem um duplo perntecimento PCF/PRCF, porque não somos um partido, somos um Polo. Nós queremos animar a reconstrução de um partido. Eu diria que, no momento atual, desde fora do PCF, somos a principal força que tem esse objetivo, mas, não somos os únicos, e depois, nós, sozinhos, não podemos fazê-lo. A ideia é encontrar todos os comunistas, inclusive os de dentro do PCF, que compartilham desta constatação. Os que permanecem no PCF acreditam que ainda podemos mudar a partir de dentro… Nós acreditamos que isto não é possível e que temos que passar a outra coisa. Existem às vezes divergências e tensões, mas nós mantemos ligações com militantes, militantes do PCF, porque não estamos fechados: pelo contrário e militamos por um verdadeiro encontro, uma verdadeira união.

CST – E na CGT (Confédération Générale du Travail), a grandiosa central sindical francesa [iv]? Qual é a posição do Polo, as relações com a Confederação?

FK – A questão é complexa, porque a CGT a direção da confederação, seguiu o mesmo caminho que a direção nacional do PCF, ou seja, aceitando a União Européia etc. Mas ainda é, paradoxalmente, mais fácil para nós [nos relacionarmos] com a CGT. Claro, há pessoas que, por isto, claramente nos odeiam – porque dizem que somos “muito críticos”, “muito comunistas”, «muito divisionistas» etc. E há outros, ao contrário, que concordam com o discurso que temos, que é o de desenvolver um sindicalismo verdadeiramente revolucionário, de luta. Para melhor compreender isto, é preciso saber que a CGT é composta de federações nacionais, como a dos ferroviários, de Uniões Regionais(URs), Uniões departamentais(UDs) e Uniões Locais(ULs). Recentemente, na primavera passada, tivemos uma reunião com o secretário do sindicato local da CGT de Tourcoing (cidade do norte da França), e juntou-se ao PRCF e poucos dias depois o sindicato local de Tourcoing, juntou-se à Federação Mundial de Sindicatos (FSM), entrando em ruptura com a Confederação Europeia de Sindicatos (CES), porque a CES é um instrumento de colaboração de classes no âmbito da União Europeia que destrói todas as conquistas sociais, todos os direitos dos trabalhadores, todas as liberdades públicas. É por isto que nós estamos dizendo que é necessário acabar com a União Europeia e, portanto, com a CES, a fim de que um verdadeiro sindicalismo de classes e de massas se reconstrua: isto significa aderir à FSM e, nacionalmente, desenvolver uma verdadeira CGT de combate, e não uma CGT que colabora com os empregadores, como faz o secretário confederal nacional Philippe Martinez. [v]

CST – E quais são os sindicatos do setor público mais próximos do Polo neste momento, na França? Ou, se você preferir, quais são os mais radicalizados atualmente, na França?

FK – Como nós somos uma formação política, não determinamos as posições dos sindicatos. E, de fato, o que queremos é reunir o sindicalismo de classe e de combate. Militamos para uma reunião dos sindicalistas de classe e de combate e, para nós, a organização prioritária – mas não a única – é a CGT. Temos contatos muito bons, por exemplo, com um setor da Federação dos Motoristas, sobretudo com a seção de Versalhes, nos Yvelines ) e com a CGT – Energia Paris. E temos boas relações com a União Departamental de Vendée. Então temos contatos com alguns camaradas da CGT que a deixaram ou que ainda são seus membros, e acabamos de realizar, no Primeiro de maio deste ano, um dossiê sobre os sindicalistas da CGT na nossa revista Iniciativa Comunista. A CGT é, então, o sindicato que consideramos prioritário, mas não exclusivo: temos camaradas na PRCF que, por exemplo, são sindicalizados no sindicato SUD [vi], um sindicato radical não-comunista no qual seus membros às vezes tem posições que nós consideramos desvios esquerdistas. Mas há lá muito bons militantes que lutam lutam, globalmente, pelos interesses dos trabalhadores: temos camaradas sindicalistas no SUD para a proteção das florestas no âmbito do Gabinete Nacional das Florestas (Office nationale des Forêts); também temos um camarada sindicalizado na Força Operária (Force ouvrière) – (FO): este é um caso interessante, porque Force Ouvrière é historicamente anticomunista, na verdade. Mas desde alguns anos, notamos que os panfletos distribuídos pela PRCF nas manifestações foram levados pelos sindicalistas da Force Ouvrière, porque há uma radicalização, em uma pequena parte dos sindicalistas da FO e que são cada vez menos hostis a nós. Digamos que a CGT é o nosso parceiro prioritário, mas não estamos fechados a conversas e trocas com sindicalistas do Sud e da FO. Por outro lado, com a CFTD, que é o outro grande sindicato francês completamente alinhado com a CES, não temos muito que esperar, infelizmente.

CST – E nos serviços públicos, por exemplo, funcionários de saúde, pessoas que trabalhamem hospitais e escolas, professores como você, etc., como funcionam as coisas?

FK – No campo dos serviços públicos, também existem sindicatos muito específicos… Por exemplo, na Educação Nacional, o principal sindicato da França se chama SNES (Syndicat Nationale d’ einsegnement secondaire), formado pelas escolas e liceus (ensino médio), que envolvem os estudantes que frequentam a escola dos 11 aos 18 anos. Eu, particularmente, estou no SNES porque é o mais importante, mas não é necessariamente o mais combativo. O que deve ser visto, por exemplo, na Educação Nacional, é que há uma grande desarticulação, muitos professores estão resignados com o desmonte do serviço público e que perderam a combatividade. Mas é possível mobilizar localmente: por exemplo, no colégio onde trabalho, há 3 ou 4 colegas sindicalizados bastante dinâmicos, e conseguimos mobilizar a sala de professores (e sempre com apoio dos pais dos estudantes) e muitas vezes têm taxas de greve de pelo menos 40 ou 50 % quando há greve, ainda conseguimos liderar uma luta local. No contexto da Educação Nacional, muitas vezes é o SNES, mas também é a CGT, SUD, e pronto. Na saúde é um pouco parecido. A CGT, no entanto, está suficientemente presente, Solidaires também… E, de fato, tudo depende de qual setor de serviços públicos. No caso da polícia, infelizmente, muitas vezes são sindicatos de direita, ou até mais, que não são realmente sindicatos, mas, sim, «retransmissores» de influência política … Nós temos alguns contatos com a polícia, por exemplo, o sindicato Vigie, que é um sindicato específico da polícia, e também tentamos estabelecer contato com a CGT. O certo é que a CGT e o CFTD são os mais presentes em todos os serviços públicos, mas não são necessariamente maioria ou principais sindicatos, como na Educação Nacional.

CST – E o fenômeno dos Gilets Jaunes (GJ) [7], que tanto tem chamado atenção nos últimos anos? O Polo frequentemente se refere a eles… Gostaria muito que você falasse um pouco sobre esse assunto.

FK – Claro! Em 9 de novembro, fui convidado pelo Mouvement Constituant Populaire (Movimento constituinte popular), que é um grupo dos Gilets Jaunes (GJ), para falar da campanha política que estamos liderando pelo Frexit Progressista. Isto expressa claramente os laços que temos com os GJ desde seu início. Quando o movimento começou, no dia 17 de novembro de 2018, o PRCF imediatamente tomou uma posição em favor dos GJs, dissemos claramente: “apoio absoluto aos GJ, agora mesmo”. Tínhamos feito um panfleto para isso, e muito rapidamente… (a gente estava no movimento com os GJ, com o nosso discurso também, mas… a gente não queria disputar o movimento: nós não queríamos e isto estava fora de questão… Era claramente uma revolta de trabalhadores e de cidadãos indignados frente ao aumento do preço da gasolina. Então – e não se falau muito sobre isso, mas é um dado central – o fato de que a velocidade nas estradas secundárias foi reduzida de 10 km/hora. No entanto, como há muitos radares de velocidade, e as pessoas tinham que ir trabalhar de manhã, bem, elas foram flagradas de uma hora para outra com a mudança, e receberam multas, e, bem, eram multas de alto valor. E tudo isso acumulado ao alto custo de vida, dado de «presente» para os mais ricos, capitalistas etc., e, bem, depois de quase 40 anos de política ultra capitalista, houve uma revolta popular, e nós, imediatamente, apoiamos. O importante a destacar é que os Gilets Jaunes são bem hostis aos partidos políticos. Então, nós, como formação política, poderíamos ter tido uma recepção bastante negativa: mas não foi o caso. Em primeiro lugar, porque, como eu disse, nunca tivemos o objetivo de dirigí-los; nós íamos para discutir, trocar e disseminamos certas ideias, mas não estávamos lá para disputar o movimento e nem fazer filiações a qualquer preço; desde então, são os diversos grupos de GJ que estão nos buscando e nós estamos reiteradamente constatando que somos um dos raros grupos políticos na França que foram sinceros na abordagem com eles. Então, três anos e meio depois, temos tido boas relações com vários grupos de GJ que nos contactam para transmissões, para manifestações e que até desejam que os ajudemos na organização do movimento, na estruturação, na reflexão coletiva e cidadã. Nós apoiamos de imediato os GJ, e, em contrapartida, certos grupos mantém, relações conosco e numerosos grupos não nos são desfavoráveis.

CST – E sobre a Lei do Trabalho(«Loi Travail»), que foi promulgada, votada e discutida em 2016, já no governo de Macron?

FK – É isso! Ela foi publicada em 2016, e, em seguida, nos tivemos o que chamamos de «ordenanças», ou seja, decisões que o governo aprova pela força (mesmo quando é o presidente que deu a «ordem») sem passar sequer pelo debate na Assembleia Nacional. Ou seja, «zero» debate!

CST – Então, podemos dizer que a Lei do Trabalho flexibiliza enormemente os contratos de trabalho ?

FK – Sim, muito claramente, e por isso nós a chamamos de Loi Chômage (Lei do Desemprego). Na França, o Código do Trabalho é uma conquista dos sindicatos de luta, de classista, sobretudo, e foi verdadeiramente bem estruturado desde 1910…. Uma das medidas emblemáticas do Código do Trabalho foi que, anteriormente, quando havia um acordo entre empregadores e trabalhadores, este era um acordo setorial, ou seja, de abrangência nacional: por exemplo, o setor ferroviário da CGT, de que falei, que negocia em nível nacional com a direção nacional da SNCF (Société Nationale des Chemins de Fer) [8]. Com a Lei do Desemprego, em 2016, passamos para um acordo de empresa. Ou seja, a partir de agora, o acordo passou a ser feito em uma única empresa. Assim, um chefe de uma empresa pode decidir aumentar as horas de trabalho, diminuir os salários etc. e necessariamente, nesta escala, o sindicalismo é menos forte, quanto menor a escala, menos forte ele será, mesmo que seja combativo. Foi uma das medidas importantes, além do fato de que era possível demitir com muito mais facilidade e além de receber menos dinheiro no tribunal de justiça – que se chama Le Conseil des Prud’homme – quando somos demitidos. Entretanto, foi um governo dito socialista que fez isto! Uma nova traição – os socialistas na França traem desde 1914, já estamos acostumados – não era uma novidade. Mas foi a maior de todas as traições! E depois, esta Lei «Desemprego» era uma exigência da União Europeia., pois o próprio Presidente da Comissão Européia, na época, Jean Paul Dunker disse: “A Lei do Trabalho, o poder, somos nós! Nós a queremos”. Assim como destruir pensões, aumentar gradualmente o tempo de trabalho para ir até 48 horas, como , também, o fim da Seguridade social. Tudo isto expressa a aplicação das decisões tomadas ao nível da União Europeia… E Macron é o candidato de tudo isso: em 2017, ganhou, e só reforçou o que foi votado em 2016. Ora, uma boa parte da esquerda – entre elas o PCF e a France Insoumise [9] de Jean-Luc Mélenchon, pensam que ainda podemos fazer uma Europa social. Isto não é possível! Desde suas origens, o que a UE tem feito é destruir tudo em termos de conquistas sociais e democráticas. As pessoas, os cidadãos, os trabalhadores percebem isso. As Ordenanças da Lei do Trabalho foram aprovadas apesar da forte oposição nas ruas, houve uma violência terrível naquele momento que foi desencadeada contra os trabalhadorese sindicalistas, e depois, contra os GJ, por parte das forças da «ordem’, ou, melhor seria dizer, «forças da desordem», e consequentemente, os trabalhadores e os cidadãos estão realmente resignados e confiam cada vez menos no capitalismo, isso é óbvio, e mesmo nos partidos que se dizem de esquerda, que deveriam representá-los como o PCF e la France Insoumise (e mesmo que a Nouvelle Union Populaire écologique et sociale» crie uma ilusão quanto à isto – cada vez mais os trabalhadores não confiam mais, então não votam mais.

CST – E, na tua avaliação, quais são os desafios para os comunistas diante da fascistização da Europa, na França? [10]

FK – Essa é uma questão central. Nós temos dois principais objetivos enquanto comunistas. Para começar, a paz (e ainda mais agora, com o que se passa na Ucrânia). O que requer acabar com o imperialismo e o fascismo. E o que está acontecendo na França é que o PRCF desde o início não parou de denunciar, é o que você dizia: a fascitização. Quer dizer que, pouco a pouco, a cada dia, uma conquista social, uma liberdade pública está ruindo. A extrema direita é desinibida… pode se expressar como quiser. Éric Zemmour [11] é produto desta fascistização. Marine Le Pen é produto dessa fascistização. E durante anos fomos os únicos, e repito: os únicos – no PRCF – a denunciar a fascistização. A consequência é que agora, as formações de esquerda percebem o perigo cada vez mais… Mas, quando eu digo os únicos, é preciso nuançar: sempre existiram movimentos antifascistas na França e que além disso acusam o PRCF de ser «confusionista», ou seja, que de fato não éramos realmente de esquerda, mas de parecermos ser de extrema direita. Por que eles estavam dizendo isso? Porque associamos a bandeira vermelha, a bandeira do internacionalismo proletário à bandeira tricolor, à bandeira da Revolução Francesa. E esses movimentos antifascistas, mesmo anarquistas, maoístas, avaliam que o tricolor é o fascismo. Isto é falso. É exatamente o oposto. Exatamente o contrário porque o tricolor é uma invenção da Revolução Francesa contra os monarquistas, contra os aristocratas, contra todos aqueles que queriam destruir a soberania nacional. E nós, precisamente, dizemos que a soberania nacional e popular se realiza no quadro da nação, porque a Nação é uma invenção revolucionária e é nesse quadro que obtemos, atualmente, mais direitos sociais, direitos democráticos… E quanto mais destruímos a nação, mais entramos no jogo de forças fascistas que historicamente – e sempre – traíram a França. Sempre! Como em 1940, quando colaboraram com Hitler. Os combatentes da Resistência, em nome da bandeira vermelha e da tricolor, foram os comunistas. Eis porque a fascistização avança: no aparato policial e militar do Estado, temos cada vez mais – não a maioria, mas uma boa parte de pessoas – que têm ideias de extrema-direita. Em 2021, houve uma coluna publicada em que os generais pediram claramente que a ordem fosse restaurada na França, notadamente estigmatizando os muçulmanos. Então, de fato, estamos em uma situação em que a extrema direita, ainda presente nas eleições presidenciais do segundo turno, se aproveitou das demissões, dos abandonos da esquerda, em particular da chamada esquerda revolucionária – incluindo o PCF – e, do fato de que a situação econômica e social se deteriorou de uma forma inimaginável por quarenta anos e, nesta passagem, estigmatizando bodes expiatórios e « responsáveis»: os muçulmanos, estes aqui, aqueles ali…Estamos denunciando isto há anos, estamos finalmente satisfeitos ao ver que este tema da fascistização é cada vez mais levado à sério pela esquerda. Um outro elemento importante para compreender a diferença entre o PRCF e outras forças políticas é que nos dizemos claramente que a fascistização é aceita voluntariamente e promovida pela União Européia. A UE em 19 de setembro de 2019 aprovou uma resolução – da extrema direita aos socialistas e ambientalistas (menos o PCF, nem a France Insoumise) – votaram uma resolução que afirma que o comunismo é como o nazismo. Quando dizemos isso, abrimos caminho para a fascistização porque nos subentendemos que o comunismo equivale ao nazismo (que, este também, é banalizado). É abrir caminho em toda a Europa para a ascensão do fascismo e da extrema direita e nós somos os únicos, verdadeiramente, a lutar contra esta resolução odiosa. Eu sequer ouvi o PCF manifestar-se sobre este assunto. Isso mostra a gravidade da situação!

CST – Vocês formularam uma proposta tendo por tema a Bandeira (Alternativa tricolor) no contexto das eleições… poderia falar um pouco sobre esta campanha?

FK – Sejamos bem claros: a campanha que estamos fazendo não é uma campanha eleitoral, porque sabemos que não temos chance de ser eleitos. Nós sabemos muito bem que os capitalistas, a burguesia, fazem tudo para controlar as eleições. O projeto que carregamos, portanto, de reconquistar a soberania nacional popular é a Alternativa Tricolor Vermelha, é a associação entre essas duas bandeiras. Para nós, o tricolor por si só é o abandono do tricolor à extrema direita, o que não é, de fato, patriótico. Essas pessoas não se sentem imcomodadas de estar sob o domínio dos capitalistas, de colaborar com a Alemanha Nazista entre 1940 e 1944, de obedecer Washington e Bruxelas, elas ridicularizam a soberania da França e o povo francês. Mas, ao mesmo tempo, a bandeira vermelha sozinha não tem nenhuma base material na França muito concretamente sem se apoiar sobre a nação, etc. Porque a educação, por exemplo, é nacional; o Sistema de Previdência social está dentro da estrutura da nação. Não se trata de dizer – ao contrário do que muitos dizem – que seríamos contra o internacionalismo, muito pelo contrário. Jean Jaurès disse perfeitamente, que um pouco de internacionalismo se afasta da pátria. E muito internacionalismo a traz de volta para lá. E acrescentou que, inversamente, um pouco de patriotismo afasta o internacionalismo e muito patriotismo o mantém. Marx-Engels, depois Lênin e Stálin, tinham entendido perfeitamente que era preciso articular a questão nacional com a questão da luta pelo socialismo. É o que estamos fazendo e por isso associamos a bandeira vermelha da Revolução proletária e a bandeira tricolor da Revolução francesa. Pela soberania do povo. Somos os únicos a propor este projeto que consiste em romper com todas as forças que impedem a soberania nacional e popular (o euro, a União Europeia, a OTAN) e a globalização capitalista, queremos acabar com o capitalismo, porque somos comunistas para construir uma sociedade socialista.

CST – Gostaria que você abordasse um pouco sobre um tema sobre o qual Georges Gastaud [12] tem falado bastante: a defesa da língua francesa.

FK – Sim, Georges Gastaud hoje é hoje o secretário adjunto do PRCF,após termos sido juntos co-secretários nacionais por dois anos. Em primeiro lugar, quero dizer que Georges Gastaud, além de ser um camarada, é meu amigo. Ou seja, nós entendemos perfeitamente, gostamos de nos ver. Ele inscreve um traço extremamente precioso na história do marxismo-leninismo através de uma reflexão notável e, em particular, é verdade, sobre a questão da língua, discurso que que subbscrevo totalmente. Hoje o que chamamos de globish – não a língua enquanto tal – é usada nos negócios, no direito, na gestão, em tudo, impõe de fato diretrizes capitalistas aos trabalhadores e está se espalhando por toda parte. Nós não somos hostis à cultura britânica, nem à cultura estado-unidense, quero dizer, a música, os filmes, tudo isso, sem problemas. Mas há uma diferença entre apreciar elementos em pé de igualdade entre todas culturas e linguas e aceitarmos uma verdadeira colonização hegemônica em nível mundial. Quando falamos de globalização não estamos tratando de cultura de verdade, mas de algo muito padronizado, muito “de massa” que está destruindo todas as línguas nacionais, não apenas o francês, e que está se tornando a única língua sem ser uma língua no sentido cultural, civilizacional ou mesmo político, é um elemento de controle econômico, particularmente – e legalmente – sobre os trabalhadores. E nós, o que dizemos é que a língua francesa é uma ferramenta de trabalho, de luta, de emancipação histórica. A França foi construída em torno da língua, em particular como uma ferramenta política, não como uma ferramenta cultural. Ela foi construída pelos reis, como François I que, em 1539, fez do francês a língua administrativa do país, a língua única. Depois, foram os revolucionários de 1794 que afirmaram com razão que o francês era a língua da liberdade (abade Gregório, em 1794), a língua da Revolução, a língua da nação unida e indivisível. Nós estamos bastante decididos a resgatar a língua francesa – assim como todas as línguas nacionais no mundo inteiro. E, de passagem, assinalo que não somos hostis, aliás, ao contrário do que se possa pensar, às línguas regionais. Não há problemas com o bretão, o basco, o catalão, o corso, o flamengo e outros, mas com a condição de que não sejam línguas oficiais reconhecidas. Uma língua oficial única deve ser reconhecida na França e esta é o francês. Que existam línguas como o bretão, que os estudantes o aprendam na escola, não há problema, desde que não se torne uma língua da República porque, se for assim, não há mais República, não há mais uma França unida, acabou, então essa é a nossa posição. Da mesma forma, a União Européia busca transformar o inglês em uma única língua, ou seja, nem francês, nem alemão, nem espanhol, nem português, nem eslovaco, nem finlandês. Ora, isso, para nós, é também a base da dominação, o regime do grande capital. O ex-chefe da MEDEF [13], Ernest Antoine Seillère, em 2004, explicou claramente que o inglês (no sentido de globish), é a língua dos negócios.

CST: E sobre o que hoje chamamos de identitarismo, de direita ou de esquerda? Você poderia comentar um pouco a respeito disto?

FK: Sim, com certeza. O primeiro identitarismo, historicamente, é o da extrema direita. São pessoas que acham que a França é quase algo que foi construído por algo da ordem do divino, pela vontade de Deus, necessariamente cristão … Ao revés, a extrema-direta essencializa: os franceses são cristãos e «ponto final»; sem considerar que o cristianismo se impôs na França durante séculos não porque as pessoas de repente quisessem se tornar cristãs, mas porque havia instrumentos de controle, políticos e sociais para isto. Não se trata do fato de ler a Bíblia, mas o fato de impor uma ordem social, uma ordem política e uma ordem política estabelecida que satisfez, na Idade Média, os senhores, os Reis; em conclusão: exploração: a exploração de trabalhadores, e isso não mudou, desde este ponto de vista. Mas a extrema direita construiu um identitarismo sobre esta ordem, historicamente, foi contra os judeus através do anti-semitismo e que, além disso, existe, ainda, e pior, hoje. Éric Zemmour, ele mesmo de confissão judia, historiquemente, tenta reabilitar a figura do Marechal Pétain, querendo fazer crer que este salvou os judeus franceses durante a Segunda Guerra Mundial, o que é totalmente falso. Quanto à xenofobia, ora, ela existia no final do século XIX e no início do século XX em relação aos italianos, poloneses e espanhóis. Hoje, são os muçulmanos que são visados e, além disso, o que é interessante é que essas pessoas esquecem que o Islã sendo uma religião, pode-se ser francês não imigrante e muçulmano ao mesmo tempo. Na realidade atrás, também é racismo principalmente em relação aos norte-africanos, principalmente argelinos, porque há também o trauma que persiste, da Guerra da Argélia, que em breve, aliás, completará o 60º ano da Independência. Trata-se de um episódio que marcou muito e estrutura, até hoje, a mentalidade da extrema direita. A consequência é que foi a extrema direita que criou essas categorias, como « muçulmanos ». O problema é que numa parte da esquerda radical – em geral, trotskista – foram se desenvolvendo as teorias nas quais a gente escuta falar de wokismo [14] – de não sei o quê, ou seja, que consiste em dizer que há racismo (sim, isto é verdade!), mas que isto é estrutural, quer dizer por definição: estruturalmente a França é racista. Bem, não, isto não é verdade! É verdade para uma boa parte da burguesia deste país, que encorajou a colonização. Mas esta «esquerda radical» interpreta a história criando identitarismos, que essencializa «os negros», «os árabes», «os muçulmanos». Ora, nós somos, primeiro, trabalhadores e cidadãos, qualquer que seja a nossa confissão, quaisquer que sejam as nossas religiões, as nossas origens étnicas… e infelizmente, em parte da esquerda francesa, pode-se ver gradualmente estas ideias se difundirem, desdobrando-se sobre atitudes xenófobas elas mesmas. Há alguns anos atrás aconteceu «universidades de verão» interditadas para brancos. Chegamos a esse tipo de situações desconcertantes, reproduzindo de fato os padrões da extrema direita, às vezes de cabeça para baixo, o que alimenta a extrema direita e que pode também desdenhar o racismo que existe por parte de alguns dos entre aspas “francês de gema” (« de souche ») – expressão típica da extrema direita e que nao quer dizer nada…. O PRCF, por definição, luta contra o racismo porque é o DNA dos marxistas-leninistas, mas recusamos o “comunitarismo”, porque isto significa colocar etiquetas, essencializar: é inviabilizar uma vida comum. Ora, nós somos comunistas. Tudo isto se faz em detrimento da luta de classes, que, para nós, é muito claramente o motor da história – sem negar o racismo que devemos destruir, juntamente com o capitalismo.

CST – Gostaria de te perguntar, ainda, sobre a experiência da pandemia na França, uma breve avaliação do Polo sobre o que se passou e ainda se passa, na França.

FK: Como em muitas formações políticas e sindicais, a pandemia nos pegou de surpresa. Estávamos com a «cabeça no volante», lutando contra a destruição do direito à aposentadoria e por conseguinte não prestamos devidamente atenção no início ao que estava a acontecer ao nível da pandemia, e ninguém falava sobre isso, de qualquer maneira: Começando com Emmanuel Macron que, no dia 6 de março de 2020, explicou que « a vida tinha que continuar » indo ao teatro, e com isto, pensamos que não havia pandemia. E então, dias depois, quando Macron anunciou o confinamento, foi um choque para todo mundo. A partir desse momento, nosso discurso foi muito claro, e foi o seguinte: em primeiro lugar, é uma pandemia. Em seguida, uma grave pandemia, uma doença grave, que mata. Três: apesar disso, o poder instalado não só procurou negar a gravidade da situação de entrada, mas pior ainda, multiplicou as mentiras, as inconsistências e ao mesmo tempo aproveitou a situação para destruir progressivamente as liberdades públicas, os direitos sociais. A partir do final de março de 2020, bem, havia o que se chamava “Estado de emergência sanitária” na França… um conjunto de medidas anti-sociais e antipopulares. Por isso, sempre nos opusemos a todas essas medidas liberticidas que, na verdade, não tratavam, não apenas não tratavam, mas, pior ainda, agravavam a situação. Você deve saber que há 18 meses, enquanto estávamos em plena pandemia, os fechamentos de leitos hospitalares continuaram, aumentaram, pioraram. Eu me lembro muito bem que em 14 de fevereiro de 2020, quando houve uma manifestação das equipes de saúde dos hospitais, fomos um dos poucos grupos políticos presentes para apoiá-los. No dia 14 de novembro de 2019 também, porque faz anos, muitos anos que os Hospitais Públicos vem sendo massacrados. Nos encontrávamos em uma situação em que estávamos em uma pandemia grave, com muitas inconsistências e mentiras por parte do governo, por parte da macronie [15], que explicava, primeiramente, que « isto não é grave», para, logo a seguir, fechar tudo. Assim, Macron explicava que «as máscaras são inúteis», porque, na verdade não tínhamos suficinentemente, nenhuma, para logo depois dizer – uma vez que foram produzidas em massa – «é necessário colocá-las o tempo todo, mesmo quando você está sozinho na rua”! Então era tudo e seu contrário. Isto é importante porque, na França, cidadãos, trabalhadores de boa fé, começaram a desenvolver a idea de uma pandemia, como sendo uma grande reinicialização do mundo, ou, como foi chamado, um grande reset e tudo isto. Concordamos com essa ideia, pois é claro que foi uma ocasião para o capitalismo impor mais uma vez seu domínio. Mas até dizer que a pandemia é inventada, que tudo isso foi fabricado, que não se trata de grande coisa, ora, mesmo um país como Cuba socialista tomou medidas drásticas contra a pandemia. Com relação às vacinas, bem, há também o debate sobre isso na França, alguns disseram que a vacina é perigosa, ainda mais perigosa que a doença, etc. Nós, sempre tendo consciência de que se trata de um anti-macronismo primário, que, de sua maneira, alimentou este tipo de discurso: por isto e que nos demandamos que pudéssemos ter a produção de nossas próprias vacinas, como as de Cuba, China, Rússia … na medida em que estas eram proibidas e que foi necessário que tivéssemos que esperar as vacinas dos grandes grupos capitalistas, da Pfizer e da Moderna. Inevitavelmente, isso também reforçou a ideia de que há uma espécie de conspiração… Não há nenhuma conspiração, por outro lado, de que os grupos capitalistas, que Macron e toda a «macronie» gostaram muito disto, aproveitando ainda para destruir nossas conquistas sociais e democráticas, mais do que cuidar da saúde dos trabalhadores, isso é indiscutível. Mas, há uma pandemia, sim, matou cerca de 120.000 pessoas na França, os resultados são muito menos dramáticos do que no Brasil e Estados Unidos, isto é incontestável, pois justamente no Brasil e nos Estados Unidos, houve essa ideia de que o virus desapareceria porque «não era grave», ideia promovida pelos seus dirigentes. Na França, poderíamos ter chegado a este estágio, ao contrário do que acreditamos, porque Macron estava neste mesmo estado de espírito. E, Jean- Michel Blanquer, o Ministro da Educação Nacional, também esteve nesta mesma lógica. As mentiras e contradições deram a impressão de que o governo queria destruir conquistas sociais e democráticas explorando a pandemia. Mas, daí a dizer que o governo criou a pandemia, não.

CST – Neste sentido, como o PRCF vê a questão do Passe sanitário [16] na França?

FK – Isto completa, efetivamente, a questão precedente. Entre as primeiras medidas que foram tomadas na França, por exemplo, houve a introdução de um passe sanitário, ao qual o PRCF se opôs fortemente. Para começar, porque não é um passe sanitário, ao contrário do que se diz. Se fosse mesmo um passe sanitário, com a ideia de controlar a circulação do vírus, não veríamos muitas pessoas se amontoando nos trens para ir trabalhar e ser exploradas; não veríamos a necessidade de pedir um passe sanitário em lugares onde não há muita gente. De fato, acima de tudo, esse passe sanitário seria supostamente temporário, mas o que o governo decidiu? Estendê-lo potencialmente até o próximo dia 31 de julho de 2022 – antes de ser suspenso um mês antes do primeiro turno das eleições presidenciais quando – mesmo que a epidemia esteja longe de terminar – tenhamos agora uma população majoritariamente vacinada, que pratiquemos gestos de barreira, que sejamos disciplinados (e, deste ponto de vista, devemos parabenizar os cidadãos e trabalhadores da França – e não apenas da França – que realmente mostraram responsabilidade em relação a esta epidemia). Eu acrescentaria que se o objetivo de Macron realmente fosse tratar o problema, mais uma vez, teria havido uma estratégia muito diferente, que seria isolar, testar, como por exemplo o que foi feito em Cuba ou na China. E mesmo, também não teriam proibido a chegada de vacinas russas, chinesas ou cubanas. Ora, este não foi o caso. Ou seja, fomos obrigados a vacinar-nos com vacinas que – o PRCF considera bastante utilizáveis – Pfizer e Moderna – mas que por um lado enriqueceram os grandes grupos capitalistas e depois, que, por outro lado, estão basicamente ligadas à submissão apenas a essas vacinas, ao passo que se poderia usar vacinas que teriam tranquilizado uma parte da população, exceto, bem, é claro, os «anti-vacinas» – primários, obscurantistas – quanto a este assunto, então a questão nem se coloca. O passe sanitário, portanto, tem sido utilizado – e cada vez mais é utilizado – como instrumento de controle social e político sobre a população. O mais assustador dessa história é que, infelizmente, parte da população está se acostumando cada vez mais a isto. Ora, se o objetivo do governo era de dividir mais uma vez os cidadãos e os trabalhadores. Por exemplo, os cuidadores e enfermeiros, entre os quais alguns preferiram não ser vacinados para exercer o seu ofício por razões que lhes eram próprias, foram obrigados a se vacinar para exercer a profissão, e culpabilizado; quando ficaram desamparados, no auge da pandemia, foram apresentados como heróis. Consequentemente, nós todos chegamos a nos dividir sobre este assunto, divisão instalada propositalmente para fragmentar a oposição à Macron, e isto funcionou. Isto sem negar que é uma luta importante, mas, existem tantas outras lutas centrais, a começar pela paz mundial ameaçada pelo risco de uma guerra nuclear, sem contar a fascistização e o desaparecimento da França no «Estado Federal Europeu », este tipo de coisas. Mas, sim, é um instrumento significativo de dominação e controle que deve ser eliminado, é isso que queremos, mas não vamos parar tudo por conta disto. É por isto que sim, o passe sanitário é um instrumento não negligenciável de contrôle que deveríamos eliminar (e ninguém sabe se não será reestabelecido). Mas não é necessário parar [nossas lutas], com tudo para travar este único combate. Na universidade popular que organizamos em novembro de 2021, a gestão do estabelecimento exigia o passe sanitário, então, nós chamamos camaradas a mostrar nossas responsabilidades, mesmo que lutemos e combatamos este «passe», pois o que queremos mais do que tudo neste momento é reconstruir um verdadeiro partido comunista, o que nos obriga, neste momento, aceitar os constrangimentos que são impostos pelo governo, senão não há mais vida política e social, e isso é exatamente o que o busca o governo.

CST – Finalmente, uma pergunta sobre a América Latina. Quais são os vínculos e avaliações do Polo com os companheiros das organizações que se estabelecem no contexto latino-americano, e também, as relações que se estabelecem com os partidos comunistas da região?

FK – Internacionalmente, e principalmente na América Latina, temos relações com muitos partidos comunistas: o PCB no Brasil, o PCV na Venezuela, mesmo que seja mais complicado por razões de estratégia. De um modo geral, nós, no plano internacional, atuamos em três frentes, internacionalistas, que se articulam entre si: a primeira frente é a do Iluminismo comum, ou seja, combatemos o obscurantismo que é carregado por Bolsonaro, por Donald Trump, por Boris Johnson no Reino Unido, por Narendra Modi na Índia, enfim, por todos os tipos de identitarismo de extrema-direita questionando o iluminismo, enquanto que este, para nós, favorecem o progresso e a emancipação, etc. A segunda frente, anti-imperialista, significa que nem sempre necessariamente estamos de acordo – às vezes, discordamos das políticas internas de um país – mas nós combatemos o imperialismo hegemônico estadunidense quando ele agride um país soberano. A Venezuela é o caso mais representativo: temos relações sérias e sólidas com o ex-embaixador que foi embora há alguns meses e sempre defendemos o regime bolivariano contra as agressões incessantemente repetidas dos Estados Unidos. Sublinho que visamos o imperialismo dos EUA e não os trabalhadores dos EUA, porque os trabalhadores dos EUA também são vítimas da exploração capitalista em seu país. Mas se neste contexto nós defendemos o regime bolivariano, não deixamos de discordar porque o governo de Nicolás Maduro, é cada vez mais repressivo em relação aos camaradas do Partido Comunista da Venezuela, e bem, nós apoiamos claramente o Partido Comunista da Venezuela desde este ponto de vista, não podemos aceitar medidas anticomunistas na Venezuela; porém, não vamos abandonar completamente o regime, pois, se a Venezuela bolivariana cair, existe o risco que caia também em outros países. É o que se passou no Brasil: não defendemos Lula ; ele permitiu que a burguesia brasileira se desenvolvesse bem, mas, ao mesmo tempo, face ao fascista, Lula seria a opção menos ruim. Mas, ao mesmo tempo, no Brasil não apoiamos Lula, mas apoiamos os camaradas do Partido Comunista Brasileiro e suas decisões. E, por fim, a última frente, que diz respeito precisamente à América Latina em particular, é precisamente a frente para reconstruir o verdadeiro internacionalismo comunista. Um verdadeiro movimento comunista internacional. E, deste ponto de vista, temos excelentes relações com Cuba socialista: foi assim que organizamos uma primeira universidade popular no final de 2021, nos subúrbios de Paris e membros da Embaixada Cubana estiveram na abertura dos trabalhos. Estamos entre as formações mais presentes na França ao lado dos camaradas de Cuba Socialista. Então aqui está como articulamos as três frentes. Para nós, a América Latina representa quase um tropismo, porque temos um interesse muito forte pelo que se passsa aí, sem falar das experiências históricas (Cuba, Guevara, o Chile). Estamos, assim, muito contentes que o movimento popular tenha se desenvolvido no Chile, desde 2019 e trinufado com a vitória de Boric. Então é verdade que temos muito interesse e buscamos contatos cada vez mais estreitos com os camaradas da América Latina. E, para nós isto é importante porque se a América Latina der uma virada à esquerda, após ter sofrido, nos últimos anos, com o neoliberalismo e o fascismo, etc, isto trará esperança para a Europa, ou seja, para os trabalhadores e os camaradas europeus, de ver crescer uma onda progressista mais forte.

Notas:

[1] Carmen Susana Tornquist – Cientista social e professora do Programa de pós graduação em planejamento e desenvolvimento sócio-ambiental (PPGPLAN)- UDESC. Coordenadora da Casa da América Latina -SC e militante da Célula Cultural Eglê Malheiros – CEM – PCB SC.

[2] Esta entrevista foi realizada foi realizada em 10 de novembro de 2021, em Paris. Em razão de um conjunto de fatores, que a impedir de vir à luz anteriormente, foi atualizada em maio de 2022, contendo, assim, algumas adaptações de pequena monta, sem prejuízo de seu contúdo original.

[3] Frexit Progressita é uma proposta de várias organizações, entre as quais, o PRCF, e alude ao Brexit, processo pelo qual a Inglaterra decidiu, via referendum, sair da UE, a partir de 2017, como forma de «manter sua autonomia». O Frexit progressista acentua a necessidade de incluir, em «rupturas desta natureza, a saída da OTAN.

[4] A CGT foi fundada em 1985, em plena efervecência do movimento de trabalhadores na Europa, tendo explicitado, em 1906(«Carta de Amiens») sua vocação autônoma, classista e revolucionária. Chegou a contar com 50% de adesão dos trabalhadores franceses, no início do século XX, protagonizando conquistas como a jornada de 40 horas, o pagamento de dias feriados e as convenções de trabalho coletivas.

[5] Philippe Martinez é secretário geral da CGT desde 2015, período que envolve a apresentação da «Loi Travail», sendo considerado – pelo status quo e mídia burguesa – o principal porta voz do sindialismo francês nos debates que ocorreram em torno do tema.

[6] As principais centrais sindicais francesas são: CGT,Força Operária, SUD, Solidaires, CFTD.

[7] Mantivemos o nome original, no texto, ao invés de nos referimos aos «coletes amarelos», uma vez que ficaram conhecidos, também no Brasil, como Gilets Jaunes.

[8] SNCF (Sociedade nacional das estradas de ferro) é uma empresa estatal, responsável pelas linhas férreas e elétricas que atendem todo o país. Foi criada em 1937, no governo do “Front Populaire” de Leon Blum, e emprega cerca de 250 mil trabalhadores e trabalhadoras(dados oficiais, referentes à 2013)

[9] França Insubmissa corresponde à organização partidária, oficializada em 2016, com vistas à candidatura nacional de Mélénchon, em 2016 e 2022, tendo obtido expressiva votação em ambos certames(quarto e terceiro lugar respectivamente, nos primeiros turnos). Nas eleições de 2022, foi a principal força política da Nova União Popular Social e eecológica, coalizão da qual participaram PCF, o PS e o Polo Ecologista.

[10] Pergunta sugerida pelo camarada Messias Manarim, de Santa Catarina.

[11] Jornalista e candidato às Eleições Presidenciais em 2022, autoidentificado de extrema-direita e situado fora das hostes da família Le Pen, que tradicionalmente tem obtido a segunda parte dos votos nas eleições nacionais.

[12] Filósofo e professor, fundador do PRCF e editor do periódico “Iniciative Communiste”, que escreveu, entre outras obras, “Marxisme et universalisme: classes, nations, humanité(s)”, publicado em 2015 pela editora Delga. É um dos criadores do “Manifesto progressista em defesa da língua francesa” (2007), sobre o qual se refere esta pergunta.

[13] Sigla da federação patronal das empresas, na França (Mouvement des entreprises de France), principal representação da burguesia no país, desde 1998.

[14] Referência à expressão «estar acordado» usada para designar movimentos e lutas contra o racismo e direitos de minorias – «identitários» – que se popularizou desde os Estados Unidos sobretudo a partir de 2013.

[15] Referência aos grupos e pessoas que atuam diretamente junto ao presidente Emanuel Macron.

[16] Este documento, oriundo da UE, passou a ser exigido na França em junho de 2021, e é exigido por estabelecimentos públicos e comerciais para que cada cidadão ateste a realização da vacinação e/ou testagem do vírus.

DEIXE UMA RESPOSTA

Please enter your comment!
Please enter your name here

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.