Por Paula Rosales.
O Congresso salvadorenho, em acordo com o presidente Nayib Bukele, aprovou nesta terça-feira (06/04) uma nova reforma do código penal do país que estabelece penas de até 15 anos para jornalistas que publicam conteúdo informativo sobre as gangues violentas Mara Salvatrucha (conhecida como MS-13) e seu rival Barrio 18.
Os legisladores pró-governo, que são maioria no Parlamento, aprovaram a medida que penaliza meios de comunicação que reproduzirem e transmitirem “qualquer manifestação escrita” das gangues sobre “controle territorial”, com o argumento de que elas poderiam gerar ansiedade e pânico na população em geral.
A lei acendeu o alerta em organizações que defendem a liberdade de imprensa. “As reformas legais violam o direito à informação, violando tanto o direito dos cidadãos de serem devidamente informados quanto o direito ao livre exercício do jornalismo, tão importante para expor publicamente a ligação entre o governo e as gangues por anos”, afirma Ruth López, advogado e chefe de Anticorrupção e Justiça da organização Cristosal.
Para a Associação de Jornalistas de El Salvador (APES), a reforma promovida por Bukele responde ao interesse de censurar a mídia e minar o direito à liberdade de imprensa e informação no país.
“É preocupante que essas reformas sejam aprovadas por uma Assembleia Legislativa que não tem capacidade de discernir o que a Casa Presidencial ordena, com um Estado sem garantias constitucionais e com desrespeito às leis e à Constituição como modo habitual de funcionamento”, disse a associação dos jornalistas em um comunicado.
Bukele justificou a criminalização de jornalistas no código penal alemão, que regulamenta o uso da simbologia nazista. No entanto, a legislação do país europeu não limita a liberdade de imprensa e informação e permite que notícias sobre grupos neonazistas, por exemplo, sejam publicadas.
“Quando os alemães quiseram erradicar o nazismo, eles proibiram por lei todos os símbolos nazistas, assim como mensagens, desculpas e tudo que visava promover o nazismo. Ninguém disse nada”, escreveu Bukele em sua conta no Twitter.
Sem surpresas
O movimento não é uma surpresa. Desde que chegou ao poder em junho de 2019, Bukele criou progressivamente uma barreira para silenciar investigações e publicações jornalísticas que denunciam e fornecem evidências de possíveis casos de corrupção, violações de direitos humanos, transações obscuras com bitcoin e negociações com as gangues que devastam ao país.
Bukele, de 40 anos, costuma projetar uma imagem casual e moderna, se autoproclama “ditador de El Salvador”, “o imperador” ou “o presidente mais legal do mundo” e conta com as redes sociais para promover sua agenda longe das acusações.
Com uma retórica incendiária, semelhante ao estilo do ex-presidente norte-americano Donald Trump (2017-2021), ele usa o Twitter para dar ordens a seus funcionários, exigir a demissão de juízes, atacar jornalistas e organizações de direitos humanos, a quem acusa de “ser associado a membros de gangues”.
No entanto, em 26 de março, 62 pessoas foram mortas – o maior número do século, segundo defensores dos direitos humanos. Em 72 horas, 87 pessoas perderam a vida devido a supostos ataques de gangues.
Depois do ataque, Bukele pediu aos seus deputados que aprovassem um regime de emergência que suspendia temporariamente direitos constitucionais como a livre associação, a inviolabilidade das comunicações e correspondências, a detenção policial ou militar e a anulação da defesa legal.
Por 11 dias, a polícia e os militares detiveram 6.894 pessoas acusadas de pertencer a gangues apenas com base em sua aparência. Nenhuma dessas prisões foi ordenada por um juiz.
Mais violento do mundo
Por outro lado, os números globais de mortos vêm caindo. Em 2015, El Salvador registrou 103 homicídios por 100.000 habitantes, uma das taxas mais altas do mundo, segundo as Nações Unidas. No governo Bukele, os números chegaram a baixas históricas.
Em 2021, a polícia registrou um total de 1.140 assassinatos, 15% a menos que no mesmo período de 2020, o que equivale a 18 mortes por 100 mil habitantes.
Em torno dessa narrativa, Bukele insiste que, durante seu governo, El Salvador deixou de ser o país mais violento do mundo, após uma redução histórica dos homicídios que teria sido causada pela implementação de seu Plano de Controle Territorial. Do plano, não se conhece nem detalhe, nem programa.
Porém, um relatório do International Crisis Group mostrou em setembro de 2020 que a queda na taxa de homicídios pode se dever não apenas às políticas de segurança, mas também à própria decisão das gangues, possivelmente devido a um frágil acordo de não agressão com as autoridades.
Em dezembro, o Departamento do Tesouro dos Estados Unidos acusou dois altos funcionários do governo, Osiris Luna, diretor-geral de Centros Penais, e Carlos Marroquin, diretor de ‘Reconstrução de Tecido Social’, de facilitarem uma negociação com as gangues em troca de apoio eleitoral para o partido de Bukele nas eleições de fevereiro de 2021.
“Em 2020, o governo do presidente salvadorenho Nayib Bukele forneceu incentivos econômicos às gangues salvadorenhas MS-13 e Barrio 18 para que garantissem baixos níveis de violência de gangues e homicídios confirmados”, disse o Departamento do Tesouro, em comunicado oficial.
Proíbe notícias, mas não extradita
Ao mesmo tempo, San Salvador se recusa a extraditar líderes solicitados pelos Estados Unidos para serem julgados por atos de terrorismo. Algumas dessas extradições já haviam sido determinadas pela Suprema Corte de Justiça salvadorenha antes de Bukele intervir no Poder Judiciário do país, exonerar juízes e nomear aliados no lugar.
Em janeiro de 2021, o Departamento de Justiça norte-americano solicitou que El Salvador extraditasse 14 líderes da Mara Salvatrucha por tráfico de drogas, terrorismo e conspiração, mas Bukele e seus aliados na Procuradoria-Geral e no Judiciário, agora, se recusam a extraditá-los.
O procurador-geral imposto por Bukele pediu ao Supremo Tribunal de Justiça que não aprovasse a extradição, alegando que não haveria garantias de que os Estados Unidos respeitam os direitos constitucionais dos acusados.
As gangues surgiram nas ruas de Los Angeles, nos EUA, e muitos dos membros são nacionais de países centro-americanos, como El Salvador. Alguns foram deportados, o que provocou o espalhamento desses grupos fora dos Estados Unidos. As “pandillas”, como são conhecidas, extorquem dinheiro, vendem drogas e lutam até a morte pelo controle de seus territórios. Estima-se oficialmente que cerca de 86.000 pessoas pertençam a essas estruturas.