O mundo está imerso na pandemia da covid-19 há quase dois anos, e há cerca de um ano, o consenso em muitos lugares costumava ser este: quanto maior a incidência de casos, mais rígidas deveriam ser as restrições aplicadas.
Mas isso parece ter mudado, o mais tardar desde o surgimento da contagiosa variante ômicron do coronavírus. E há uma diferença crucial em relação ao início de 2021: agora milhões de pessoas estão vacinadas contra a covid-19. Em meio a esse cenário, taxas de incidência altíssimas não têm mais levado à imposição de lockdowns.
No entanto, notícias como as vindas da Dinamarca ainda causam surpresa: a partir desta terça-feira (01/02), o país aboliu quase todas as restrições anticovid, apesar de uma incidência de novos casos altíssima.
“Dizemos ‘adeus’ às restrições e ‘olá’ à vida que conhecíamos antes do coronavírus”, celebrou a primeira-ministra da Dinamarca, Mette Frederiksen.
Como é a situação atual da covid-19 na Dinamarca?
O país está atualmente registrando um número recorde de infecções. Nesta terça, a taxa de novos casos por 100 mil habitantes em sete dias estava em 5.236. Este número é significativamente maior do que o da vizinha Alemanha, por exemplo, onde a incidência de sete dias nesta terça estava em 1.206.
É importante ressaltar que a comparação internacional é um pouco falha, porque cada país possui estratégias de testagem diferentes. A Alemanha, por exemplo, recentemente reduziu o acesso aos testes de PCR porque os laboratórios responsáveis por emitir os resultados estavam sobrecarregados. Na Dinamarca, por outro lado, qualquer pessoa pode se registrar online para um teste de PCR gratuito.
Mas a taxa de incidência não é mais o único parâmetro relevante. Com as campanhas de vacinação avançadas, muitas pessoas infectadas pelo coronavírus acabam por apresentar apenas sintomas leves ou a doença transcorre de forma assintomática.
De acordo com o portal alemão “Corona in Zahlen” (“Coronavírus em números, na tradução literal), que se baseia nos dados das compilações diárias publicadas pela Universidade Johns Hopkins, a Dinamarca tem pouco mais de 81% de sua população completamente imunizada, enquanto mais de 61% já recebeu a dose de reforço.
Quais as restrições removidas?
A partir de 1º de fevereiro, deixou de ser obrigatório o uso de máscaras. As pessoas na Dinamarca não precisam mais apresentar comprovante de vacinação ou de recuperação e não precisam mais realizar testes. Não há mais limitação de público em grandes eventos. Nos estádios de futebol, todos os assentos podem ser ocupados, e o funcionamento de discotecas e bares também voltou a ser permitido.
Qual é a justificativa do governo?
De acordo com Frederiksen, agora é analisado quantas pessoas ficaram gravemente doentes após uma infecção e precisaram, por exemplo, ser internadas em unidades de terapia intensiva. E esse número está em queda.
A taxa de letalidade, ou seja, o número de pessoas infectadas com o coronavírus que morrem, também se mostra relativamente baixa, em 0,22%. Na Alemanha, por exemplo, onde a taxa de vacinação é menor que a da Dinamarca, a taxa está em 1,18%, enquanto na Espanha, onde a taxa de vacinação é similar à da Dinamarca, está em 0,94%.
“Praticamente todas as infecções na Dinamarca são agora casos da ômicron”, escreveu no Twitter o cientista político Michael Bang Petersen, que lidera o maior projeto sobre o comportamento da população na pandemia e assessora o governo dinamarquês em questões sobre o coronavírus. “A combinação entre a ômicron e a alta proporção de doses de reforço dissocia infecção de gravidade.”
“Embora as contagens de casos sejam altas, a pressão sobre hospitais é menor que em ondas anteriores”, afirmou, destacando que o cenário se deve à alta taxa de vacinação na Dinamarca, onde os imunizantes estão disponíveis a partir dos cinco anos de idade.
Furthermore, virtually all infections in Denmark are now omicron. The combination of omicron and high booster coverage decouples infection and severity (https://t.co/OAtwdeDdN0). While there are high case counts, the pressure on hospitals is lower than in previous waves. (7/19) pic.twitter.com/w71pAhvExj
— Michael Bang Petersen (@M_B_Petersen) February 1, 2022
O ministro da Saúde da Dinamarca, Magnus Heunicke, adotou o mesmo tom. Em duas semanas, a taxa de incidência aumentou de cerca de 3 mil para pouco mais de 5 mil casos a cada 100 mil habitantes em sete dias. Mas, ao mesmo tempo, o número de pacientes em unidades de terapia intensiva caiu pela metade desde o início de janeiro, segundo Heunicke.
Prosseguir com as restrições também tem um custo para “economia, bem-estar e direitos democráticos”, escreveu Peterson no Twitter. E isso levaria à “exaustão pandêmica”, segundo ele.
“Lockdowns criam desconfiança. Por isso, é aconselhável relaxar as medidas sempre que possível. Se ainda não tiver acabado – se os confinamentos tiverem que ser reintroduzidos –, a sociedade precisará de toda a confiança e solidariedade que puder reunir.”
Should your country also turn the responsibility to people themselves? It depends on the epidemic & public preferences. But this shows how trust & solidarity entails an acceptance of costs, allowing society to act in agreement. Both when closing down & when opening up. (18/19)
— Michael Bang Petersen (@M_B_Petersen) February 1, 2022
Quais regras se mantêm?
O uso de máscara ainda é obrigatório em hospitais e lares de idosos, e os visitantes devem apresentar um comprovante de vacinação ou recuperação da covid-19. A manutenção dessa diretriz visa proteger grupos populacionais particularmente vulneráveis.
As restrições de entrada de pessoas não vacinadas vindas do exterior deverão permanecer em vigor por mais quatro semanas. Após esse período, quem não estiver nem vacinado nem recuperado poderá entrar na Dinamarca contanto que apresente um teste negativo feito antes da viagem ou no máximo 24 horas após a chegada.