Por Rita Freire.
As primeiras palavras da presidenta hondurenha Xiomara Castro ao assumir, nesta quarta-feira 927) o governo do país, foram de compromisso com a agenda das mulheres, especialmente o combate à violência. E poucas sobre relações internacionais.
Falar àss mulheres era uma expectativa dos movimentos feministas especialmente pelos índices alarmantes de feminicídios no país. As taxas mais altas desse crime na América Latina são registradas em Honduras, com 4,7 a cada 100 mil mulheres em 2020.Problema continental, o feminicídio também é alto na vizinhança hondurenha, com a média de 2,1 mulheres assassinadas em razão de gênero em El Salvador, por exemplo. A impunidade em cada país da América Latina torna o continente perigoso para as mulheres, com 4 mil mulheres vítimas de feminicídio na América Latina e no Caribe em 2020. Xiomara prometeu usar todas as suas forças “para que nossas meninas possam viver em um país livre de violência”.
Eleita em 2021, Xiomara chega para tentar restaurar uma situação de desmonte e espoliação de recursos naturais promovida a partir golpe de 2009 contra o então presidente Manuel Zelaya e que perdurou durante os anos seguintes, incluindo fraudes eleitorais. Xiomara é mulher de Manuel e não deixou de fazer promessas esperadas por todas as forças progressistas da América Latina, que viveram um período de golpes e demonização de governos considerados de esquerda.
Prometeu cumprir os compromissos assumidos com a aliança opositora que a elegeu de promulgar uma lei de condenações ao golpe de Estado e outras para reversão de situações anteriores de criminalização de movimentos sociais.
Em seu discurso inicial, prometeu uma lei de anistia para os presos políticos. São oito lideranças da região de Guapinol perseguidos e encarcerados por lutarem contra a contaminação do rio de mesmo nome, desde a concessão ilegal, sem licença ambiental, da àrea à exploração da mineradora Los Pinares – que processou os ativistas.
Além disso, cobrou justiça para Berta Cáceres, líder indígena lenca e ativista ambiental hondurenha, militante que ajudou a criar o Conselho de Populares e Organizações Indígenas de Honduras e que foi assassinada em 2016.
As questões ambientais devem constituir um enfrentamento imediato para a nova presidenta. Em um gesto determinado, ela assegurou que restituirá a nacionalidade hondurenha retirada em 2009 do padre Andrés Tamayo. Lider ambientalista que conseguiu barrar a derrubada das florestas hondurenhas. Ele se refugiou junto com Manuel Zelaya na embaixada brasileira, em Tegucigalpa, quando o presidente foi deposto e precisou proteger-se da caçada golpista. Como punição, o padre perdeu a nacionalidade hondurenha e foi expulso do país..
Xiomara Castro assegurou que acionará as Forças Armadas para garantir a proteção do meio ambiente. Ela declarou que não permitirá mais concessões de mineração ou exploração de rios, bacias hidrográficas, parques nacionais e florestas húmidas.
En las afueras del estadio nacional, donde tomará posesión del cargo la presidenta @XiomaraCastroZ, el pueblo pide no olvidar que sigue el juicio contra 8 defensores del agua y la vida de #Guapinol injustamente y arbitrariamente encarcelados#LibertadParaGuapinol #GuapinolResiste pic.twitter.com/Ql7Sr1X5Mz
— Giorgio Trucchi (@nicaraguaymas) January 27, 2022
Manifestações por justiça para Berta Cáceres, durante a posse de Xiomara Castro [Twitter]
Quebrando correntes
Logo nos cumprimentos iniciais que “a presidência nunca foi ocupada por uma mulher em Honduras… 200 anos se passaram desde que a independência foi proclamada, estamos quebrando correntes, estamos quebrando tradições”.
Durante seu discurso, falou diretamente às eleitoras reunidas no Estádio Nacional de Honduras: “Mulheres hondurenhas, não vou falhar com vocês, vou defender seus direitos, todos os seus direitos”.
Xiomara fez questão de ser empossada por uma juiza, Karla Lizeth Romero, e pelo presidente de uma mesa paralela do Congresso Nacional, Luis Redondo. Porque não queria ser empossada por “traidores”. Dez dias antes da posse, um grupo de deputados dissidentes do seu partido reuniu-se com colegas do Partido Nacional do presidente Juan Orlando Hernández em fim de mandato, para tentar tirar da presidente a governabilidade no Congresso. Contra Hernández pesa a possibilidade de extradição aos Estados Unidos para responder por crimes de narcotráfico em um tribunal de New York. E ele procura blindar-se inclusive entre as fileiras do Libre e empresas atuantes também em Guatemala e El Salvador, acusadas de pertencer a uma máfia que controla e explora recursos da região.
Ao listar seus compromissos com a priorização de demandas nacionais e políticas sociais nos setores de como educação, saúde, segurança e emprego, Xiomara alertou para o país “quebrado!”, totalmente endividado, que praticamente ficou sem meios de como arcar com prazos e compromissos vencidos. “O único caminho é um processo de reestruturação com o acordo dos atores integrados e públicos”.
“O país deve saber o que fizeram com o dinheiro”, disse ela, afirmando que “seu governo não vai continuar com os saques que condenaram os jovens a pagar a dívida contraídas pelas suas costas… Temos o dever de restaurar o sistema econômico com base na transparência e na justiça social”, disse ela. Além disso, pretende auditar e interromper a sangria que obrigou milhares de hondurenhos a tentar escapar da crise marchando para os Estados Unidos.
Silêncio sobre a embaixada de Israel em Jerusalém
Com um partido de esquerda nascido após o golpe contra Manuel Zelaya, o “Libre!”, incluindo indígenas e componeses em luta anticolonial, Xiomara não tocou em alguns assuntos igualmente aguardados por apoiadores de esquerda no Exterior. Com alianças pontuais com políticos de centro, evitou mexer em temas delicados internacionalmente. Prometeu manter as boas relações com Estados Unidos mas também com a China, e não fez menção a respeito de Palestina e Israel.
Um motivo de polêmica serão as cobranças pela reversão da mudança da embaixada hondurenha de Telaviv para Jersusalém. A transferência aconteceu em meados do ano passado, em plena pandemia e perto das eleições e foi duramente condenada pelo Conselho Nacional Palestino.
O presidente do conselho, Salim al-Zanoun,disse que o fato coincidia com “a escalada da agressão israelense contra o povo palestino e sua terra, especialmente na cidade de Jerusalém, onde eles deslocam à força os habitantes de suas casas em favor de seu projeto de assentamento em Sheikh Jarrah e Barrios Silwan e outros.” Para ele, a decisão de Honduras em 2021 foi “um reconhecimento explícito da anexação, deslocamento e limpeza étnica que são puníveis e criminalizados pelo direito internacional e pelo Estatuto do Tribunal Penal Internacional”.
O assunto recairá sobre o novo chanceler Eduardo Enrique Reina, ex-juiz do Tribunal de Justiça Eleitoral e ex-secretário de governo de Manuel Zelaya, e os vice-ministros de Relações Exteriores, Antonio “Tony” García, e Gerardo Torres.
Honduras é considerada um país conservador e foi um dos primeiros casos de golpes com uso de mídia e parlamento na América Latina, mas reúne uma importante comunidade palestina, com cerca de cem mil pessoas.
Na expectativa do que significará a volta da família ao poder em Honduras, que ainda pisa em ovos nas relações externas, a simpatia do país é acalentada no continente. Sua posse foi prestigiada pela vice-presidenta dos Estados Unidos, Kamala Harris, a vice-presidenta argentina Cristina Fernández, ex-presidente boliviano Evo Morales, e o atual presidente eleito chileno Gabriel Boric.
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