1300 pessoas moram nas ruas de Florianópolis: Carta da Rede com a Rua

    Foto: Observatório do Terceiro Setor

    Reproduzimos a íntegra da carta que a Rede com a Rua dirigiu à PMF, ao jornalismo e a outras organizações civis de Florianópolis. – Redação

    Florianópolis, 28 de janeiro de 2022

    À/Aos

    PREFEITURA DE FLORIANÓPOLIS, ÓRGÃOS DA ADMINISTRAÇÃO, ENTIDADES REPRESENTATIVAS DO COMÉRCIO E DE MORADORES E IMPRENSA

    ASSUNTO: POR POLÍTICAS PÚBLICAS EFETIVAS E PELO FIM DA VIOLÊNCIA CONTRA A POPULAÇÃO EM SITUAÇÃO DE RUA

    Prezades,

    Segundo dados oficiais[1], 1.300 pessoas vivem em situação de rua em Florianópolis. Além disso, 10.509 famílias[2] são consideradas em extrema pobreza – que tem renda per capita de até R$100 mensais. Há, portanto, grande probabilidade de haver ainda mais gente morando na rua, sem casa, pessoas que de alguma forma não foram alcançadas pelos levantamentos.

    O acolhimento institucional, principal política pública da Prefeitura de Florianópolis voltada para quem não tem moradia, mal consegue atender 400 pessoas por mês, sendo que pelo menos 200 delas são alojadas de forma precária e improvisada sob as arquibancadas da Passarela Nego Quirido, local de onde são despejadas durante os eventos culturais que lá acontecem. Pela sua configuração atual, pode ser tomada como um depósito de pessoas.

    Além disso, o atendimento da Assistência Social é insuficiente e vem sofrendo com o desmonte e as terceirizações. O Centro de Referência Especializado para População em Situação de Rua (Centro POP), por exemplo, não funciona de acordo com a Tipificação Nacional de Serviços Socioassistenciais. Na prática, falta tudo: banheiros públicos, restaurante popular, acesso à água potável gratuita, programas de habitação, trabalho e renda, áreas para a prática esportiva, local para guarda de pertences – inclusive remédios e documentos –, espaço para lavar roupas; até a bica da praça está desligada. Não falta, por outro lado, arquitetura hostil – são incontáveis os obstáculos concebidos específica e intencionalmente para manter as pessoas afastadas. Faltam a mínima proteção e o ínfimo amparo; sobram barreiras e preconceito. Recentemente, Florianópolis ganhou visibilidade nacional, através de denúncias do Padre Júlio Lancellotti sobre práticas higienistas, inclusive, com relação à população em situação de rua.

    Essas centenas de pessoas, portanto, dependem ou encontram algum amparo apenas na solidariedade da sociedade civil organizada e naqueles que se sensibilizam com o seu sofrimento. Na contramão, a Prefeitura e algumas entidades de segurança, empresariais e de moradores criminalizam impiedosamente as pessoas em situação de rua. E o fazem sem qualquer argumentação comprovada, valendo-se de falácias, falas preconceituosas e até de sinalização física, em espaço público, contra a esmola. Chamam-nas de “vagabundas” e de “bandidas” sem ao menos identificá-las ou conhecê-las, apenas por intolerância, aporofobia e desconhecimento da realidade de quem dorme num papelão.

    A falta de moradia é um problema social perverso. Quem não tem a proteção de uma casa, por mais simples que seja, não possui intimidade, não goza de anteparo contra as adversidades externas e os tratamentos degradantes; ou seja, está em exposição às mais diversas formas de violência. No último dia 15 de janeiro, por exemplo, um homem negro que dormia póximo à Av. Beira Mar Norte sofreu um brutal atentado, tendo seu corpo incendiado por um grupo de rapazes que gargalhavam enquanto tentavam assassiná-lo. Trata-se, portanto, “da ruptura relacional, laboral, cultural e econômica com a sociedade; é a exclusão social”.[3]

    A Rede com a Rua, na busca incessante pela garantia de direitos e do respeito à dignidade das pessoas em situação de rua de Florianópolis, reitera e renova seu pleito veemente pela adoção de políticas públicas efetivas – com destaque para moradia popular –, de modo a ampliar as possibilidades de vida desses sujeitos de direitos, considerando sempre os aspectos individuais de gênero, idade, capacidade, saúde, entre outros. Por outro lado, a Rede condena, enfaticamente, atitudes e discursos preconceituosos, intolerantes e de ódio que se dirijam a essa população, principalmente, na esfera de influência e poder da Administração Pública, seja diretamente ou por entidades delegadas de qualquer espécie.

    Rede com a Rua

    Foto: Observatório do Terceiro Setor

    [1] https://cecad.cidadania.gov.br/, referente à novembro de 2021.

    [2] Idem.

    [3] CORTINA, Adela. Aporofobia, a aversão ao pobre: Um desafio para a democracia.

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