A novela “Nos tempos do Imperador” das 18h da TV Globo tem causado revolta entre ativistas negros que se dizem cansados de verem pessoas negras representadas de formas subalternizadas, além de trazer um D. Pedro II bonzinho. Nas redes sociais, a trama é classificada como “desserviço” e questionada por não trazer um olhar mais consciente sobre a história do Brasil.
A influenciadora digital Tia Ma fez uma postagem questionando a trama que, como lembra, é ficcional, mas retrata um período histórico e conta com personagens reais. “Dom Pedro II, na novela conta com o carisma e charme de @seltonmello, mas na “vida real” não era tão legal assim. Ele não era abolicionista! Não esqueçam que o Brasil foi o último país do mundo a abolir a escravidão e, por conta de pressões externas”, ressalta.
Maíra Azevedo lembra que durante o período escravagista, mesmo os negros alforriados, não podiam circular livremente pelas ruas. É um homem preto jamais poderia estar sentado sozinho com uma mulher branca no meio da rua. “Ele seria preso, decapitado”, reforça. Maíra lembra que a sociedade precisa avançar e mostrar a história com vários olhares. “Nossas lutas e colaborar para que as pessoas tenham um olhar mais consciente sobre a história do Brasil. Ainda hoje, pessoas pretas seguem ganhando menos, tem menos oportunidades, estão na base da pirâmide social, nos subempregos”, pontua.
“Só porque você é branca não pode morar na pequena África? Como que queremos ter os mesmos direitos se fazemos com os brancos as mesmas coisas que eles faz”, disparou Samuel, que é negro, após a personagem Pilar, que é branca, não ser aceita para morar entre na Pequena África. “São cenas como essa que viram verdades para pessoas desinformadas sobre o período da escravidão”, afirma o apresentador Ad Junior e continua “Aplicar o conceito de racismo reverso numa fala é muito perigoso e essa cena vai morar na cabeça de milhares de pessoas. Um desserviço total”.
A editora do site Mundo Negro, Silvia Nascimento, foi certeira em seu texto sobre a estreia do folhetim. “Novelas de época deveriam vir com um alerta de gatilho. A escravidão negra no Brasil, a mais longa da história, não é ficção. Não tem como ver cenas que envolvem abusos de donos contra negros escravizados, açoites, grilhões, assassinatos e não imaginar que um ancestral nosso, não tão distante, tinham esse cenário de terror como parte do seu cotidiano”. Silvia ressalta ainda que a novela tentará humanizar o Imperador que não aboliu os escravizados. “Inclusive pela fala da autora, a gente percebe que os avanços sócio educacionais serão mais relevantes na trama do que a desumanização e abuso dos africanos sequestrados e seus descendentes”, ressalta.
A pressão que começa a emergir das redes sociais é para que a TV Globo mude os capítulos já gravados e insira as lutas negras e o clamor pela abolição que era feita em regiões quilombolas e em revoltas que eclodiram no século 19. Retratar Dom Pedro II bonzinho e não questionar o período da escravização é reproduzir uma mentalidade do período que a novela retrata. A emissora já teve que se comprometer a ter mais diversidade e mudar tramas anteriores após questionamentos do movimento negro, como ocorreu com Segundo Sol, novela das 21h que tinha majoritariamente atores brancos apesar de se passar na Bahia. Na época, o Ministério Público do Trabalho (MPT) enviou documento à Rede Globo em que pede que a emissora faça adaptações em “Segundo Sol” para que a novela tenha mais atores negros. Foram feitas 14 recomendações para haver maior representação racial na produção e também em todos os produtos da casa.
Agora a expectativa é que a história de “Nos tempos do Imperador” seja retratada com o olhar de 2021 e faça o julgamento necessário daqueles que exploravam a mão de obra negra como se não fossem humanos. A abolição da população negra ainda é urgente nos dias atuais.