Nas últimas semanas, houve uma forte mobilização da sociedade civil em defesa do Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae). Organizações, redes e movimentos que historicamente exigem o direito humano à alimentação adequada e à educação de qualidade se uniram para pressionar deputados federais a dizer “não” aos projetos de lei (PLs) 3.292/2020 e 4.195/2012, que abrem espaço para que setores da indústria alimentícia possam ter cotas garantidas de fornecimento dentro do orçamento do programa.
Além disso, os projetos de lei também determinam a retirada, na aquisição de alimentos, da prioridade dada a comunidades tradicionais indígenas e de remanescentes de quilombos.
Entidades da sociedade civil lançaram uma nota pública contra esses projetos e, até agora, coletaram 23 mil assinaturas, em uma petição que segue aberta a adesões.
O deputado Major Vitor Hugo (GO), líder do PSL e um dos parlamentares mais próximos de Bolsonaro, está protagonizando uma ação que pode resultar no esfacelamento de um dos poucos programas de segurança alimentar e nutricional que ainda segue de pé, com o objetivo de atender a demandas corporativas de indústrias de laticínios e frigoríficos. Trata-se de um programa de mais de 40 anos – cuja origem remete à Campanha da Merenda Escolar, no governo Getúlio Vargas, há 66 anos.
Já o projeto que desobriga a aquisição de alimentos de comunidades tradicionais, mesmo para escolas que atendem essas próprias comunidades, é encampado pelo deputado federal Afonso Hamm (PP-RS), um dos maiores aliados do presidente da República no Rio Grande do Sul.
A votação do requerimento de urgência para a votação do PL 3.292/2020, em 18 de março, aconteceu de surpresa, sem que estivesse na pauta e de forma desrespeitosa ao regimento interno da Câmara dos Deputados, atropelando uma sessão dedicada exclusivamente às pautas prioritárias da bancada feminista.
A tentativa de “passar a boiada” sobre o cardápio dos estudantes, em desrespeito às diretrizes do programa e até mesmo ao posicionamento oficial do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE/MEC) e do Ministério da Agricultura e da Pecuária (Mapa), é apenas mais um sinal da forma como este governo atende a interesses corporativos e de suas lideranças no Legislativo.
Nesta semana, os PLs em questão não entraram na pauta de votação, mas a expectativa em Brasília é que sejam apreciados ainda neste mês.
“Seguimos de olho no Congresso, dialogando com a sociedade, pressionando deputados/as e coletando assinaturas para a nossa petição, pois a qualquer hora essa ameaça pode voltar para a mesa”, informa comunicado das entidades da sociedade civil que se organizam em torno da defesa do direito humano à alimentação e à nutrição adequadas.
Para Vanessa Manfre, coordenadora do projeto Crescer e Aprender com Comida de Verdade – pelo Direito à Alimentação e à Nutrição Adequadas na Escola, da FIAN Brasil, nutricionista e mestre em Nutrição em Saúde Pública, a alteração arbitrária dos cardápios que são servidos nas escolas por meio do Pnae fere o cerne das diretrizes do programa de alimentação.
“O cardápio da alimentação escolar deve ser planejado por nutricionista, responsável técnico do programa, que conhece a realidade local. O estado não pode adotar qualquer medida que possa resultar na privação do fornecimento da alimentação adequada e saudável, e deve agir para impedir que pessoas, grupos ou empresas atuem para violar este direito”, resume a especialista.