Por Claudia Weinman, para Desacato. info.
André Vaiculão Priprá, jovem indígena de 21 anos, morreu na manhã de terça-feira, dia 12 de janeiro, ao pular da Ponte dos Arcos na cidade de Blumenau, em Santa Catarina. Uma nota foi divulgada no grupo público do Facebook, da Terra Indígena Laklãnõ/Xokleng/SC, em que o povo Xokleng denuncia o descaso com a saúde mental indígena e também pontua uma reclamação ao Corpo de Bombeiros de Blumenau nas buscas ao corpo de André.
André sofreu com duas perdas recentes, de sua mãe há pouco mais de um ano e de uma tia muito próxima da família, no mês de setembro do ano passado. Em postagem no Instagram, a juventude Xokleng desabafa sobre a falta de políticas para os povos indígenas, especialmente no que se refere a saúde mental.
Em contato com o Portal Desacato, a liderança indígena Xokleng da TI Laklãnõ, Brasílio Priprá, disse que o Corpo de Bombeiros tinha conhecimento do local onde André se jogou e esteve durante a terça-feira fazendo as primeiras buscas. “Procuraram na terça-feira e um pouco na quarta-feira. Desceu um pessoal da comunidade para procurar, pediram um bote aos bombeiros e eles não quiseram arrumar. Então foram até o município de Dr. Pedrinho e buscaram a canoa. Em uma hora e meia de buscas a comunidade achou ele”.
Brasílio destaca que embora o Corpo de Bombeiros tenha feito buscas, foi a comunidade indígena quem localizou o corpo. “Isso é uma falta de responsabilidade. A comunidade fez o trabalho que é de responsabilidade do governo. A ponte faz a travessia em cima do rio Itajaí, do lado da prefeitura, bem no centro da cidade. É uma área que o Corpo de Bombeiros conhece bem, eles são profissionais, deveriam ter intensificado as buscas e feito seu trabalho profissional”, defendeu.
Uma manifestação foi realizada na quarta-feira, pelos indígenas, para pressionar as autoridades na localização do corpo do jovem indígena.
Nota divulgada na quarta-feira, dia 13, pela comunidade indígena:
“No dia de ontem, 12/01, pela manhã, André atentou contra sua própria vida, ao pular da Ponte dos Arcos na cidade de Blumenau. Todo povo Xokleng está tomado por tristeza, angústia e revolta. André, escancara a realidade de nosso povo, não só pelo descaso do órgão responsável pela nossa saúde, a Sesai, mas também de toda a estrutura do Estado de Santa Catarina, nossa vida não significa nada para eles, tão pouco nossa morte. Desde seu atentado na manhã de ontem seu corpo não foi localizado, foi preciso denúncias no Ministério Público e manifestação por parte dos parentes para que fosse esclarecido os motivos de não encontrar o corpo de André, ainda. No Brasil, os casos de suicídio no meio indígena, são três vezes superiores à média do país, sendo a maioria entre jovens. A taxa também é maior em relação a países que enfrentam conflitos e guerras. Os motivos que seguem dizimando nosso povo são diversos, mas podemos afirmar que o Estado tem a maior culpa. Por hora, uma parte de sua família cansados de esperar, tomaram botes e canoas à procura de seu corpo, seguem sós, aos demais na aldeia aguardam transtornados por notícias de André, se este fosse branco talvez já estaria entre os seus”.
Corpo de Bombeiros
O Portal Desacato fez contato com o Corpo de Bombeiros de Blumenau para saber mais informações sobre o procedimento utilizado nas buscas. Quem respondeu os questionamentos foi o 1º Tenente Fillipi Pamplona, Chefe da Seção de Comunicação Social do 3º Batalhão de Bombeiros Militar.
1 – Como receberam a notícia dessa ocorrência?
A ocorrência foi informada ao Corpo de Bombeiros Militar de Santa Catarina via telefone 193 às 07h44 do dia 12 de janeiro. Para realizar o atendimento, as guarnições dividiram-se em três grupos: a) equipe de abordagem ao tentante de suicídio; b) equipe de socorro à vítima; c) equipe de resgate aquático com embarcação. No momento em que a primeira equipe iniciou a Abordagem Técnica a Tentativa de Suicídio – que visa a dissuadir o tentante da ação suicida de forma humanizada, por intermédio da conversa, sem gerar traumas físicos – o jovem, que estava sentado no parapeito da ponte de frente para pista, precipitou-se de costas, deixando seu corpo cair no rio, em frente aos bombeiros militares que iniciavam a abordagem.
2 – Os indígenas relatam negligência por parte do Corpo de Bombeiros nas buscas – que não teriam feito buscas suficientes, sendo necessária a atuação das próprias lideranças. Qual o posicionamento do Corpo de Bombeiros com relação a isso?
No momento em que o jovem caiu na água, dois bombeiros militares da equipe de socorro, que estavam na margem direita, adentraram o Rio Itajaí-Açu a nado, munidos de nadadeira e flutuador, para tentar o resgate, mas o corpo submergiu logo após a queda e eles não conseguiram recuperá-lo.
No mesmo instante, a equipe de resgate com embarcação estava preparando uma moto aquática para apoio no porto mais próximo da ocorrência, cerca de 800 metros rio acima. Menos de cinco minutos após a queda, as buscas com a embarcação se iniciaram.
Não havia qualquer condição de segurança para que os bombeiros militares que estavam sobre a ponte se atirassem no rio para resgatar o jovem, em razão dos riscos envolvendo a altura da queda, do volume d’água acima da média e da forte correnteza na canaleta principal do curso fluvial.
Desde o momento em que o jovem afundou até o final da tarde de terça-feira e desde as 09h00 de quarta-feira até o momento em que o jovem foi encontrado pela ação de populares, as equipes fizeram buscas pelo Rio Itajaí-Açu utilizando um bote e uma motoaquática, percorrendo cerca de 10 km por ambas as margens a fim de encontrar o jovem desaparecido.
Não houve operação de mergulho porque o rio não ofereceu condições técnicas de segurança para os mergulhadores. O nível da água estava acima do normal, bem como a correnteza apresentava muita força. Considerando que a canaleta principal do rio pode ter até 15 metros de profundidade naquele ponto, não houve viabilidade para a realização de uma operação segura, conforme previsto pelo manual de mergulho autônomo da corporação. Além disso, como o corpo foi arrastado pela correnteza logo após a queda, era impossível determinar a área de busca: o corpo poderia estar localizado a alguns metros ou a muitos quilômetros após o local da ocorrência.
De fato, no final da tarde de quarta-feira, o jovem foi encontrado pela ação de populares, que utilizaram uma espécie de anzol para varrer o fundo do rio e ‘pescar’ o corpo. Esta não é uma técnica prevista nos manuais de busca, resgate e salvamento do Corpo de Bombeiros Militar de Santa Catarina, que preconiza as buscas com embarcação nas margens do rio e o mergulho quando há condições de segurança para os bombeiros militares atuarem.
3- Por qual motivo o Corpo de Bombeiros não emprestou um bote, conforme relatado pelos indígenas, para os mesmos realizarem a busca?
O empréstimo de um bem público para uso particular – mesmo que nesta situação de desespero – pode configurar crime de improbidade administrativa ao militar estadual que disponibilizou o patrimônio do estado para o uso de uma pessoa física. A responsabilidade e o zelo pelo equipamento público são do Estado por intermédio dos seus servidores, portanto não havia a possibilidade de realizar o empréstimo solicitado. Mesmo que o condutor fosse um bombeiro militar, a responsabilidade pelas vidas embarcadas no bote passaria a ser do Estado, e considerando os riscos já citados presentes no Rio Itajaí-Açu naquele momento, embarcar uma equipe de civis num bote para realizar um procedimento de busca não adotado pelo CBMSC seria um ato irresponsável da corporação.
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