Desmatamento explica o novembro mais quente desde a década de 1980

Novembro de 2020 registrou 0,77ºC a mais do que média mundial do mês registrada entre 1981 e 2010

Foto: Bruno Kelly/Amazônia Real

Por Caroline Oliveira.

Novembro de 2020 foi o novembro mais quente desde 1981, quando se iniciou a série histórica do Serviço de Mudanças Climáticas Copernicus da União Europeia, cujo último relatório foi publicado na segunda-feira (7). Foram 0,77ºC a mais do que a média do mês registrada entre 1981 e 2010: 0,13ºC a mais do que o recorde de novembro de 2019.

Entre dezembro de 2019 e novembro de 2020, a média de temperatura é em 1,28ºC maior do que a temperatura registrada na era pré-industrial, chegando próximo ao teto estabelecido em 2015 pelo Acordo de Paris sobre o clima, cujo objetivo é manter esse aumento em no máximo 1,5ºC.

Ainda de acordo com o relatório, no entanto, os seis anos, entre 2015 e 2020, já são os mais quentes da história, e a cada década, a temperatura média global aumenta 0,2ºC, desde a década de 1970.

Na explicação de Pedro Luiz Côrtes, professor do Instituto de Energia e Ambiente da Universidade de São Paulo (IEE-USP) e coordenador da Rede Internacional de Estudos Sobre Meio Ambiente e Sustentabilidade (Rimas), as taxas crescentes se dão basicamente pela concentração de gases de efeito estufa na atmosfera devido ao uso expressivo de combustíveis fósseis e ao desmatamento.

Segundo o relatório Sociedade Americana de Meteorologia de 2018, a emissão de gases de efeito estufa, como dióxido de carbono, metano e óxido nitroso aumentou significativamente, atingindo um efeito de aquecimento de 43%, maior do que na década de 1990.

Desmatamento no Brasil

No município de São Paulo, de acordo com o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), a média da temperatura registrada foi de 27,6°C: 0,7°C acima da média para o mês. No Brasil, no entanto, ainda não há dados fechados sobre a temperatura média para novembro em todo o país.

Ainda assim, Côrtes explica que há uma situação específica de desmatamento da floresta amazônica que atinge o padrão climático de parte significativa do país. “A região central do país vem sendo muito afetada justamente por causa do desmatamento”, pontua.

Isso porque, segundo o professor, por meio dos ventos equatoriais, que sopram do leste para o oeste, a região amazônica recebe umidade do Oceano Atlântico, que precipita e irriga o subsolo. Por sua vez, as árvores com raízes profundas, características da floresta, drenam a água do subsolo e devolvem essa umidade para a atmosfera na forma de vapor.

Com o desmatamento, esse ciclo é quebrado e as chuvas que se formariam na região amazônica e irrigariam todo o país, deixam de existir. Além disso, sem as árvores, que absorvem o dióxido de carbono da atmosfera, a concentração desse gás aumenta.

“Essa capacidade de drenar a água do solo e repor essa umidade na atmosfera deixa de existir, porque a pastagem e cultivos têm raízes muito curtas, sem a mesma capacidade de drenar a água do subsolo”, afirma Côrtes. Com a diminuição da umidade, a temperatura, por sua vez, se eleva.

Dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), divulgados no dia 30 de novembro deste ano, mostram que entre agosto de 2019 e julho de 2020, a área desmatada na Amazônia chegou ao nível mais alto desde 2008, cerca de 11.088 quilômetros quadrados.

Tarifas energéticas mais caras

Os impactos do desmatamento influenciam desde a alta da temperatura e mudanças hídricas importantes até a produção de energia elétrica.

A chuva que chegaria aos reservatórios de hidrelétricas não chega, e as tarifas energéticas aumentam. “Se a gente pegar o sistema de bandeira tarifária, em cinco anos, 47% das vezes nós estivemos sob a bandeira vermelha de patamar 2, que é a mais cara. Sempre que isso ocorre, a Agência Nacional de Energia Elétrica indica risco hidrológico, falta de chuva para manter esses reservatórios com nível adequado”, afirma o docente.

O Sistema Cantareira, ligado à Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp) e responsável pelo abastecimento de nove milhões de habitantes, é abastecido principalmente pelas precipitações que se formam na Amazônia.

Desde a crise hídrica do estado de São Paulo, iniciada em 2014, porém, o sistema não voltou a acumular sequer 80% de seu volume. “Hoje, mal passa de 60%, porque houve uma redução nas chuvas que caem sobre as represas que formam o sistema”, aponta Côrtes.

No fim de novembro, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) decidiu mudar a bandeira de verde, a mais barata, para vermelha, de patamar 2, devido ao nível baixo dos reservatórios. Em dezembro, a conta ficará mais cara.

Mortandade de espécies

Conforme explica Côrtes, existem relatos sobre a mudança do comportamento de espécies marinhas no litoral brasileiro, que, devido ao aquecimento do oceano, buscam águas mais profundas, afetando o equilíbrio ambiental local.

Uma pesquisa da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) deste ano mostra que a migração de peixes pode afetar até mesmo os recifes de corais. Isso porque a quantidade de espécies que se alimentam das algas desses recifes pode diminuir devido à migração. O estudo prevê que haja uma predominância de algas nesses recifes já em 2050, em parte do litoral brasileiro.

Em relação às florestas, há o mesmo tipo de relato: migração de espécies para áreas menos quentes. No entanto, nem sempre a mobilidade é possível “porque a espécie não encontra uma outra área para qual ela possa migrar por conta do desmatamento que ocorreu ao longo de várias décadas”.

“Realmente, a gente pode ter mortandade de espécies terrestres”, ressalta Côrtes.

Adaptação às mudanças climáticas não ocorre

Os gases de efeito estufa na atmosfera demoram anos para serem eliminados. Hoje, os pesquisadores falam em adaptação às mudanças climáticas que envolvem políticas de reflorestamento e de redução da emissão desses gases.

As práticas de líderes mundiais, no entanto, têm caminhado no sentido contrário. No começo de novembro, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, derrotado nas eleições presidenciais, formalizou a saída dos EUA do Acordo Climático de Paris, por considerá-lo “muito injusto”, afirmou durante reunião da cúpula do G20.

“O Acordo de Paris não foi projetado para salvar o meio ambiente. Foi projetado para matar a economia americana”, defendeu Trump, que termina seu mandato este ano, sendo sucedido pelo democrata Joe Biden em 2021.

No Brasil, seguindo religiosamente a receita trumpista de fazer política, o governo do presidente Jair Bolsonaro suspendeu, em agosto deste ano, todas as operações de combate ao desmatamento ilegal na Amazônia, devido ao bloqueio financeiro de R$ 60 milhões destinados ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e ao Instituto Chico Mendes (ICMBio), responsáveis pelo trabalho de preservação ambiental no país.

“Nós temos uma contrapropaganda muito grande” em relação ao aquecimento global, alerta Côrtes.

 “O que os negacionistas menos utilizam é ciência. Eles não são adeptos de visão científica em qualquer área. São extremamente fundamentalistas em suas ideias, sem uma base científica, metodológica. Isso causa um retrocesso no desenvolvimento de políticas públicas que poderiam ter resultados muito importantes”, conclui.

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