O ministério da Justiça informou à defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva que não encontrou registro de pedidos de cooperação internacional entre os procuradores da Lava Jato e autoridades dos EUA. Sem documento oficial que registre os termos da relação entre as autoridades dos dois países, a prática se tornaria ilegal, o que poderia levar à anulação de processos.
De acordo com a legislação atual, qualquer cooperação internacional desse tipo deve passar pelo crivo do Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional (DRCI).
“Como resultado das pesquisas, não foi identificado nas bases de dados deste DRCI qualquer pedido de cooperação que atenda aos critérios supracitados”, informou o órgão do Ministério da Justiça.
O departamento, no entanto, não descarta que esse pedido de cooperação pode ter sido feito durante os procedimentos de investigação. Seus sistemas, contudo, não estariam “parametrizados” para vincular pedidos nessa fase de investigação.
Em conferência realizada em 2017, em Nova York, o procurador norte-americano Kenneth Blanco, confessou publicamente a existência da parceria “fora da lei” entre os procuradores. Blanco classificou a relação como um “relacionamento íntimo”, que desprezava “procedimentos formais”.
1 – Esse é Kenneth Blanco, um procurador norte-americano, em uma conferência em Nova York, em 2017. Aqui ele explica a “teoria da conspiração” da colaboração entre Lava Jato e o Departamento de Justiça dos EUA. Um “relacionamento íntimo”, que desprezava “procedimentos formais”. pic.twitter.com/ycGcocEXtT
— Lula (@LulaOficial) July 15, 2020
Moro de malas prontas
Outra notícia que revela a proximidade da Lava Jato com os norte-americanos foi divulgada neste domingo (29). O ex-ministro e ex-juiz da Lava Jato, Sergio Moro, anunciou que será o novo diretor-geral da Alvarez&Marsal, escritório estadunidense especializado em recuperação judicial e gestão de ativos.
Dentre os clientes do escritório, estão as empreiteiras Odebrecht e OAS, que entraram em recuperação após virarem alvos principais da operação Lava Jato. Ou seja, Moro vai trabalhar recuperando ativos das empresas que ele próprio ajudou a destruir. Contudo, ele nega que exista qualquer tipo de “conflito de interesse”.
Íntimos
Tal relação, aparentemente ilegal, da Lava Jato com os norte-americanos foi revelada em julho pelo The Intercept Brasil. Em parceria com a Agência Pública, a reportagem da série Vaza Jato mostrou que 18 agentes do FBI, a polícia federal norte-americana, estiveram em Curitiba, em outubro de 2015. Eles se reuniram com procuradores da Lava Jato e advogados de delatores. Tudo isso, sem passar pelo Ministério da Justiça.
As conversas vazadas entre procuradores da Lava Jato também revelam intimidade com os americanos. A procuradora Thaméa Danelon, ex-coordenadora da Lava Jato em São Paulo, chegou a enviar uma foto em que agentes do FBI aparecem com um cartaz apoiando o projeto de lei das 10 Medidas Contra a Corrupção, bandeira de Deltan Dallagnol. Ele se entusiasma e diz que a imagem lembra o filme Missão Impossível, estrelado por Tom Cruise. “Legal a foto! A Leslie está em todas rs”.
A personagem em questão é Leslie R. Backschies, designada, em 2014, pelo FBI para ajudar nas investigações da Lava Jato. Ela se tornou especialista na legislação FCPA, Foreign Corrupt Practices Act. Trata-se de uma lei que permite que o Departamento de Justiça (DoJ) dos Estados Unidos investigue e puna atos de corrupção praticados por empresas estrangeiras mesmo que não tenham acontecido em solo americano.
Confirmação
Ainda antes, em agosto de 2019, um grupo de 13 membros do Partido Democrata dos EUA exigiu respostas para evidências sobre o papel do DoJ na cooperação com a Lava Jato. No entanto, quase um mês depois, em julho de 2020, o procurador-geral Willian Barr deu respostas evasivas. Ele alegou que não poderia tratar “sobre aspectos não públicos desses assuntos”. Mas citou quatro artigos publicados no próprio site do departamento que confirmam as relações antigas com os promotores de Curitiba. Além do DoJ, a Comissão de Valores Mobiliários dos Estados Unidos também teria participado do intercâmbio de informações.