Eleições municipais 2020: TSE contratou sem licitação o ‘supercomputador’ que atrasou apuração no domingo

Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil

Por André Shalders, BBC.

O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) não realizou licitação para contratar o “supercomputador” cujo desempenho causou atraso na apuração das eleições municipais deste domingo (15/11).

O contrato do TSE com a Oracle do Brasil Sistemas, responsável pelo serviço, foi realizado com dispensa de licitação. Foi publicado no Diário Oficial da União no dia 25 de março deste ano, com o valor total de R$ 26,2 milhões.

Até agora, a Justiça Eleitoral brasileira empenhou R$ 19.564.473,36 em favor da filial brasileira da Oracle em 2020, segundo dados levantados pela BBC News Brasil usando a ferramenta Siga Brasil, do Senado Federal.

Não é possível dizer, porém, se todos os pagamentos se referem ao mesmo contrato, e nem qual a duração do contrato de R$ 26,2 milhões. O valor de R$ 19,5 milhões inclui empenhos feitos por tribunais regionais eleitorais de alguns Estados, embora a maior parte dos gastos seja do TSE.

No extrato publicado no Diário Oficial, o TSE cita um artigo da Lei de Licitações (de 1993) para justificar a dispensa da licitação. Segundo a norma, a compra ou contrato pode ser feito diretamente, sem licitação, quando só houver uma empresa apta a prestar aquele serviço. Outra hipótese é quando o governo precisa de serviços “de natureza singular, com profissionais ou empresas de notória especialização”.

Os “supercomputadores” fornecidos pela Oracle ao TSE são do modelo Exadata X8 — são aparelhos com capacidade de processamento muito superior a um computador pessoal, e cujo tamanho é um pouco maior que o de uma geladeira ou freezer domésticos.

O peso de cada aparelho varia de 915 a 400 quilos, conforme o manual do produto.

Segundo um profissional da área de tecnologia da informação consultado pela BBC News Brasil, o termo “supercomputador” não é mais usado — hoje, os especialistas da área se referem a este tipo de dispositivo como um serviço dedicado de datacenter.

Falar em “supercomputador” deve ter sido uma forma didática encontrada pela equipe de tecnologia do Tribunal para diferenciar o aparelho de um computador doméstico, diz o profissional, sob condição de anonimato.

Questionado sobre o assunto pela reportagem da BBC News Brasil na noite de domingo (15/11), o secretário de Tecnologia da Informação do TSE, Giuseppe Dutra Janino, disse que o funcionamento do “supercomputador” era de responsabilidade da Oracle.

Ele disse ainda que não se tratava de uma terceirização, e sim de um contrato de prestação de serviço.

“Esse computador é instalado por meio de um serviço. Ele faz justamente esse papel da nuvem computacional. Ou seja, é um supercomputador, que ele é contratado (por meio de) uma empresa, essa empresa é a Oracle; ela instala esse computador e mantém ele em funcionamento. É um serviço justamente, não é uma aquisição. Portanto, a manutenção, a conservação, o suporte, o bom funcionamento do equipamento é de responsabilidade da empresa”, disse ele.

A reportagem da BBC News Brasil procurou tanto a Oracle quanto o Tribunal Superior Eleitoral para comentários na tarde desta segunda-feira (16/11). A empresa disse que não iria comentar o assunto; o tribunal não respondeu ao pedido de informações.

A princípio, não há qualquer irregularidade ou ilegalidade no contrato entre a Oracle e o tribunal.

Desde que a lentidão na apuração dos votos foi constatada, na noite de domingo, o TSE forneceu explicações divergentes para o problema.

De início, o ministro Luís Roberto Barroso disse que a lentidão tinha sido causada por uma falha em um dos núcleos de processadores da máquina. Também aventou a hipótese do atraso estar ligado a um “aumento das medidas de segurança” adotados pelo tribunal, que chegou a ser alvo de uma tentativa de ataque hacker na manhã de domingo (15/11).

“Houve um atraso na totalização dos resultados por força de um problema técnico que foi exatamente o seguinte: um dos núcleos de processadores do supercomputador que processa a totalização falhou e foi preciso repará-lo”, disse ele na noite de domingo (15/11).

Já na tarde desta segunda-feira (16/11), o TSE passou a culpar a pandemia do novo coronavírus pela lentidão. Segundo o secretário Giuseppe Janino, o avanço da doença atrasou a entrega do equipamento de março para agosto, impedindo que o equipamento fosse preparado corretamente.

De acordo com Janino, apenas dois dos cinco testes previstos foram feitos no equipamento, já com as configurações de software para uso na eleição. Os outros três testes foram realizados antes, em outros equipamentos.

O efeito prático disso é que o supercomputador demorou para “aprender” como contabilizar um grande volume de votos em um prazo curto, o que fez com que a contagem ficasse lenta e, até mesmo, travasse em alguns momentos.

Em entrevista a jornalistas na tarde desta segunda-feira (16/11), Barroso disse ainda o tribunal cometeu um erro de diagnóstico ao atribuir a falha a um problema em um dos núcleos do supercomputador.

Barroso voltou a minimizar os problemas enfrentados pelo TSE na noite de domingo. Ele frisou o fato de que os resultados das eleições estão corretos e são confiáveis — apesar da demora para serem liberados.

“O único impacto desse problema foi o atraso de pouco menos de três horas na divulgação dos resultados que foi feita ainda na noite do próprio dia da eleição. Poucos países do mundo conseguem realizar essa façanha”, disse o ministro.

Apuração centralizada em Brasília

Estas eleições foram as primeiras em que a totalização (isto é, a contagem) dos votos foi centralizada em Brasília — até então, a tarefa cabia aos Tribunais Regionais Eleitorais (TREs) dos Estados, inclusive em eleições gerais. A única disputa cuja totalização era feita em Brasília era a de Presidente da República. Todas as outras ocorriam nos Estados.

Inicialmente, Barroso disse “não ter simpatia” pela mudança. Depois, voltou atrás e defendeu a centralização em Brasília — que seria uma recomendação da própria Polícia Federal, para aumentar a segurança do pleito.

“A centralização no TSE, que, na entrevista coletiva anterior eu observei que não tinha simpatia (…) foi uma recomendação da perícia da Polícia Federal, em nome de se prover maior segurança à totalização (…). Foi uma decisão técnica, decorrente de uma recomendação da PF. E embora eu tenha dito anteriormente que não tinha simpatia pela medida, eu também a teria tomado se tivesse sido sob a minha gestão, porque era a recomendação técnica de um relatório minucioso da Polícia Federal”, disse o presidente do TSE.

Instabilidade e ataque hacker

Além da lentidão na apuração, a Justiça Eleitoral também enfrentou outros problemas relacionados à tecnologia da informação durante as eleições municipais deste ano.

O aplicativo de celular e-Título ficou instável durante o dia, e esteve indisponível para pessoas que tentaram usar a ferramenta para justificar o voto, por exemplo.

“Desculpe! Algo saiu errado com sua solicitação. Pedimos a gentileza de tentar acessar este serviço dentro de alguns minutos. Caso o problema persista, verifique sua conexão com a Internet”, dizia a mensagem de erro do aplicativo.

Finalmente, o atraso na apuração se refletiu na liberação dos dados no Repositório do TSE, onde são disponibilizados os dados completos das eleições. Neste caso, as informações só começaram a ser liberadas por volta das 14h desta segunda-feira (16/11).

Durante o domingo, o tribunal também foi alvo de um ataque hacker do tipo DDoS, no qual um grande número de tentativas de acesso são feitas simultaneamente, com o objetivo de derrubar um determinado site ou serviço. O ataque, no entanto, foi debelado pelo TSE com a ajuda de empresas de telefonia.

Segundo a área de tecnologia do TSE, chegaram a ocorrer 436 mil tentativas de conexões por segundo ao sistema da Corte, disparadas de Brasil, Estados Unidos e Nova Zelândia.

Em outra ação, um grupo vazou na manhã de domingo (15/11) dados antigos que tinham sido roubados do tribunal, de modo a fazer parecer que os sistemas da Justiça Eleitoral tinham sido corrompidos no dia da eleição — o que não aconteceu.

“Ao mesmo tempo em que esses dados foram vazados, milícias digitais entraram imediatamente em ação tentando desacreditar o sistema. Há suspeitas de articulação de grupos extremistas que se empenham em desacreditar as instituições”, disse Barroso nesta segunda-feira.

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