A sentença inédita de “estupro culposo” para o caso que envolve a blogueira Mariana Ferrer e o empresário André de Camargo Aranha provocou a maior onda de protestos em torno de uma petição na internet em 2020, no Brasil. É o que apontam dados da plataforma de abaixo-assinados online Change.org. O site contabilizou uma média de 54 mil engajamentos por hora, entre terça e quinta-feira 5, na campanha que cobra justiça pela influencer.
O abaixo-assinado, aberto ainda em junho por uma usuária da plataforma que mora em Manaus (AM), passou de 1,6 milhão de apoiadores antes da divulgação da decisão judicial para mais de 4,2 milhões depois que o resultado veio à tona. A campanha pressiona o Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJ-SC) pela condenação do agressor, que foi absolvido pelo juiz Rudson Marcos, da 3ª Vara Criminal de Florianópolis, responsável pela condução do caso.
“Assine e compartilhe essa petição para ajudar o caso a ganhar mais visibilidade, que ele não seja esquecido e nem abafado”, destaca um trecho do abaixo-assinado que segue aberto. “Só queremos justiça por Mariana Ferrer, uma jovem de 21 anos que teve sua virgindade e seus sonhos roubados enquanto exercia sua profissão”, completa o texto.
O aumento de mais de 160% na quantidade de pessoas engajadas fez com que a mobilização, além de quebrar o recorde de maior abaixo-assinado lançado neste ano, no Brasil, também alcançasse a terceira colocação entre as maiores petições abertas em toda a história da plataforma no País, ou seja, nos últimos oito anos. Em primeiro e segundo lugar estão campanhas em defesa da Amazônia, com 6 e 5 milhões de apoiadores, respectivamente.
A diretora-executiva da Change.org Brasil, Monica Souza, conta que, à exceção de dois manifestos que protestam contra o desmatamento e as queimadas na Amazônia, a organização nunca havia presenciado tamanho boom de engajamento num curto intervalo de tempo. “Por se tratar de um caso de violência contra a mulher, acredito que esse alcance é ainda mais significativo, já que vivemos em um país marcado pela ‘cultura’ do machismo”, diz.
Além do fato inédito de uma sentença por um crime não previsto em lei – estupro culposo -, o julgamento do caso Mari Ferrer provocou ainda mais revolta pela maneira como a vítima foi tratada em uma das audiências. Também na terça-feira 3, veio a público um vídeo que mostra parte de uma das sessões, na qual a vítima chora implorando por respeito enquanto é atacada pela defesa do empresário, o advogado Cláudio Gastão da Rosa Filho.
“As pessoas estão indignadas com o resultado da sentença e com o vídeo no qual Mariana é desrespeitada e tratada da forma mais cruel. Ali vemos que a nossa estrutura processual penal é permeada pelo machismo institucional. Testemunhamos a vítima sofrer violência pela segunda vez e vimos o silêncio de quem deveria intervir naquele momento”, aponta Monica sobre a postura do promotor e do juiz, que pouco interferiram nas declarações.
O juiz terá sua conduta investigada pela Corregedoria do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). O pedido de apuração disciplinar por “omissão” foi feito pelo conselheiro Henrique Ávila. Além disso, a defesa da blogueira entrou com recurso contra a sentença judicial.
O caso
A violência contra a blogueira Mari Ferrer aconteceu em dezembro de 2018, enquanto ela trabalhava em uma casa de eventos em Florianópolis, Santa Catarina. O caso foi revelado pela influencer em maio do ano seguinte, em um desabafo no Instagram no qual contou ter sido dopada e estuprada. A jovem, que tinha 21 anos na época, afirmou que era virgem.
O acusado André de Camargo Aranha, de 43 anos, é um empresário paulistano de alto poder aquisitivo e influência. Segundo divulgado ao longo das investigações, exames constataram a conjunção carnal, além da existência de sêmen do agressor nas roupas de Mariana. O processo se arrastou por dois anos até chegar ao controverso desfecho.
Pressão popular continua
Com quase meio milhão de assinaturas somadas nas últimas 24 horas, a campanha em defesa de Mariana continua. O abaixo-assinado se apoia na “comoção popular” para mostrar que os apoiadores da mobilização não aceitarão “nada menos que justiça na íntegra”, conforme diz o texto. Na página da petição, os assinantes deixam inúmeras mensagens de solidariedade à blogueira e de protesto, clamando por justiça à vítima e contra a impunidade do agressor.
Antes da viralização do caso Mari Ferrer, a mobilização deste ano que mais havia comovido e unido os brasileiros em torno de um abaixo-assinado na internet era a que pede “Justiça por Miguel”, o menino de 5 anos que caiu do 9º andar do prédio onde sua mãe trabalhava, em Recife (PE). O número de pessoas mobilizadas está em 2,7 milhões.
Já no mundo, segundo dados da plataforma Change.org, o recorde de assinaturas é de uma campanha que pede justiça por George Floyd, o ex-segurança negro asfixiado durante abordagem policial em maio, em Minneapolis, nos Estados Unidos. Criado por uma adolescente norte-americana, o abaixo-assinado reúne quase 20 milhões de apoiadores.