No que se refere ao mercado de trabalho o objetivo declarado do governo Bolsonaro, definido ainda antes de assumir, é colocar todo o mercado de trabalho brasileiro em pé de igualdade com o setor informal, ou seja, não ter direitos trabalhistas. Diminuir ao máximo os direitos e substituir, na melhor das hipóteses, por uma política assistencialista, que mantenha os trabalhadores em situação de pobreza crônica. Isto é verbalizado frequentemente pelos membros do governo. Não por acaso, mesmo com a pandemia as medidas do governo continuaram aprofundando a vulnerabilidade, insegurança e precariedade no mercado de trabalho.
Em função das mais de 40 milhões de pessoas em situação de desemprego aberto ou oculto no Brasil, está em debate no interior do governo a proposta de Renda Brasil ou Renda Cidadã, como medida assistencial substitutiva do Bolsa Família. O governo está dividido em relação à medida, dentre outras razões porque, aparentemente, o segmento mais poderoso da coalização golpista (o grande capital), vetou a proposta. Aprovada ou não dentro do governo, a proposta indica a intenção no referente à questão social: concessão de um benefício mínimo para os mais pobres, combinada com a extinção sistemática de direitos históricos dos trabalhadores (como abono salarial, 13º salário e outros).
Há cerca de um mês o governo apresentou a proposta de custeio do Renda Brasil/Renda Cidadã, que envolveria recursos do FUNDEB e de precatórios, com evidentes reflexos sobre o financiamento da educação no Brasil. O governo parece ter recuado da ideia, em função de divergências internas. Mas, desde 2016, era relativamente fácil prever que os golpistas iriam atacar a educação pública como um todo, inclusive no nível fundamental. Recentemente membros do governo falaram em congelamento de aposentadorias, desta vez incluindo também pensões. A ideia inicial era congelar todos os níveis de aposentadorias, porém, em função da reação mesmo dentro do governo, a proposta passou a ser de congelamento nos benefícios superiores a um salário mínimo.
Os tempos não estão para brincadeiras. Surgiu recentemente (ou ganhou visibilidade) um movimento intitulado Convergência Brasil, formado por grandes empresários, defendendo um Projeto de Lei que prevê a destinação de 30% dos recursos arrecadados com privatizações e com a economia advinda de uma Reforma Administrativa para o programa de renda básica que está sendo proposto pelo governo. Empresários sem nenhum compromisso com o desenvolvimento do país, lutando para privatizar empresas estratégicas para o Brasil, fundamentais sobre todos os pontos de vista, com a desculpa de destinar uma esmola para as multidões de desesperados que brotam no país. São figuras completamente sem escrúpulos, que defendem a privatização da Caixa, Banco do Brasil, Petrobras, Correios, a serviço de uma articulação internacional, que conspira contra o Brasil. É mistura de crueldade, oportunismo e picaretagem do empresariado brasileiro, que apoiou em massa o golpe de 2016, seguindo uma orientação “vinda de cima” e visando melhorar suas condições de assalto ao Estado.
A estratégia do governo e desses empresários, para a questão social, portanto, é ampliar a assistência aos crescentes excluídos do mercado de trabalho, cortando direitos trabalhistas e políticas sociais duramente conquistadas. Ao mesmo tempo, vai implementando as políticas de guerra contra o povo, cujo um dos eixos centrais é liquidar direitos históricos. Compõem esse cenário a continuidade das medidas relacionadas à Reforma Trabalhista, proposta ainda não apresentada formalmente, mas reiteradamente mencionada por Paulo Guedes em seus pronunciamentos. É o caso da renovação da Carteira de Trabalho Verde e Amarela (que havia sido prevista por meio da MP 905/2019, mas que foi revogada pela MP 955/2020, ante sua não conversão em lei pelo Congresso Nacional), com características ainda mais negativas aos trabalhadores que a proposta original.
O objetivo de Paulo Guedes, que funciona como um seguro dos banqueiros para iniciativas de Bolsonaro que possam contrariar seus interesses, é a de redução de custos. Guedes fala em remuneração por hora, com pagamento proporcional de direitos trabalhistas, bem como de ampliar a margem de utilização do referido contrato. As empresas começariam com 10% dos empregados contratados pelo regime de pagamento por hora trabalhada no primeiro ano, até ter todo o conjunto dos empregados pagos por hora.
O governo é obcecado em reduzir custos do trabalho. Mas o salário mínimo necessário calculado pelo DIEESE está em R$ 4.892,75, quase cinco vezes o salário mínimo oficial. Quase 58% dos rendimentos domiciliares per capita observados em 2019 eram iguais ou inferiores ao valor do salário mínimo vigente nesse mesmo ano. Isso significa que quase 60% das pessoas no Brasil possuíam rendimento domiciliar per capita de até R$ 1.045,00 (um salário mínimo). Ou seja, contavam com menos que um salário mínimo para pagar luz, água, transporte, comida, remédio, etc.
O conjunto das ações do governo Bolsonaro aponta para a destruição de uma sociedade calcada nos direitos trabalhistas. Por um lado, destrói direitos em escala industrial. Por outro vai tapeando a sobrevivência dos mais pobres, numa perspectiva exclusivamente assistencialista, o que dissolve a ideia de Direitos do Trabalho e submete cada vez mais os assalariados à concorrência, e às incertezas do mercado capitalista, sem praticamente nenhum anteparo do Estado.
Todo esse “mercado de trabalho dos sonhos” dos capitalistas no Brasil, implica em retirar o movimento sindical do caminho. A Reforma Trabalhista e as medidas provisórias que a seguiram, objetivaram inviabilizar a existência de sindicatos autênticos, verdadeiros. Não por acaso, a asfixia das organizações de trabalhadores começou logo após o golpe, com a Contra Reforma Trabalhista de 2017. O enfraquecimento dos sindicatos é um pressuposto do projeto governamental, de erigir um mercado de trabalho completamente precário, mercantilizado e vulnerável, totalmente à mercê dos desígnios do Capital.
A extinção de direitos nos moldes em que está pretendendo Guedes e Bolsonaro não combina com democracia, mesmo sendo essa muito limitada no Brasil. É impossível colocar o país no século XIX em termos de direitos sociais e trabalhistas e manter um sistema democrático ao mesmo tempo. Democracia tem que se concretizar em direitos nas várias dimensões da vida humana. Liberdade no abstrato, têm pouco valor se as pessoas não têm o que comer. O risco inclusive é de uma ditadura militar aberta. Que pode não vir no curto prazo, mas que é uma espada que paira sobre a cabeça de todos nós.
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José Álvaro Cardoso é economista e supervisor técnico do DIEESE em Santa Catarina.
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