Há fumaça, onde está o fogo? Por Carlos Weinman.

Imagem: Pixabay.

Por Carlos Weinman, para Desacato. info.

Tudo começou com uma faísca na mata, foi o suficiente para começar um incêndio. O fogo consumiu tudo o que estava a sua volta.  Uma marca ficou:  o aniquilamento.  Era possível visualizar as cinzas, mas não mais os vegetais e os pobres animais. Esses sucumbiram ao poder das chamas. O ar ficou marcado com o odor da destruição.

Os seres que não foram dizimados com o fogo, não tinham alternativa, precisavam encher o pulmão com o ar contaminado pelas partículas da morte. A sensação era horrível, porém não havia alternativa, não tinha como deixar de respirar, mesmo o corpo reclamando, sentindo um peso mórbido, que diminuía a força vital. A tendência mais primitiva indicava a necessidade de correr para um lugar longe da fumaça tóxica. No entanto, a consciência mostrava que não tinha para onde ir, só havia uma alternativa:  ficar e engolir o que restava da grande quantidade de vida que deixou de existir.

A força da destruição costuma invadir vários espaços, mesmo que o seu ponto inicial seja longínquo. Por esse motivo, parece haver uma sintonia e um registro natural sobre tudo o que acontece no planeta, revelado em cada molécula, como se houvesse um espelho para o universo sobre a morte e a luta pela vida.

Quando há um equilíbrio entre as forças, entre a vida e a morte, os seres viventes sentem o ciclo da vida, como um percurso natural, mas o desajuste impetrado pela destruição revela com maior intensidade a força da morte, simbolizadas pela fumaça, pelas cinzas, pela devastação, que vai levando para todo planeta, para todos os cantos a informação da mãe natureza sobre a intervenção humana destrutiva. Por esse motivo, a faísca, consequente de um ato de escolha de um ser humano, que iniciou em um canto do país, mais especificamente no Norte, para investimentos na plantação de pastagens, surpreendeu os viajantes da ferrugem dos esperançosos, pois os alcançou em uma cidade do Sul do país, com a forma de fumaça, o motivo era que não havia vida suficiente para formar uma barreira, através de árvores para conter  os resíduos da destruição de outro lugar, com isso o vento trouxe as partículas da destruição, do peso da morte.

No dia em que a fumaça invadiu todos os cantos, as ruas e as casas dos moradores da cidade de São Miguel do Oeste, as pessoas perguntavam sobre a sua origem, sentiam a dificuldade para respirar, muitas hipóteses eram levantadas, ao mesmo tempo, poucas certezas eram destacadas, a não ser o fato que era difícil respirar.

Inaiê caminhava com a sua sobrinha pelas ruas da cidade de São Miguel do Oeste, foi quando as duas sentiram dificuldades para respirar, devido a fumaça, Perséfone não aguentou, desmaiou sobre a cadeira de rodas. O pavor tomou conta do espírito de Inaiê, seus gritos despertaram a atenção das pessoas, que foram imbuídas por um sentimento de solidariedade, capaz de impulsionar ações para ajudar Inaiê e a sobrinha, um dos moradores chamou uma ambulância. No entanto, era necessário avisar os demais irmãos de Inaiê que estavam em uma oficina da cidade, o problema estava no fato em que ela não tinha smartphone, foi quando um senhor se prontificou e fez a ligação.

Quando Deméter recebeu a ligação ficou pálida, trêmula, em sua mente veio a imagem de todo o tempo que a filha ficou doente. O seu impulso era de ir imediatamente até o hospital, não importava se tivesse que ir caminhando, mesmo que demorasse mais, o raciocínio estava suspenso devido a angústia da notícia. Ulisses segurou a irmã e a conformou dizendo que o conserto da combi iria demorar apenas mais dez minutos, o mesmo tempo que levaria se chamasse um carro por aplicativo ou um táxi.

Ao chegar no hospital, Deméter correu na frente de Roberto e de seu irmão para procurar a filha, o que foi em vão, pois tinha uma fila de espera enorme, a sensação para ela era horrível, já que era uma mãe que já havia experimentado várias vezes o tremor, no seu ser, em relação ao medo de não ver mais sua filha, de ter uma luta perdida para uma doença. Por esse motivo, o período de espera parecia ser maior, devido ao sentimento de angústia que invadiu toda a sua alma. Para Roberto e Ulisses, restou apenas buscar consolar até que o atendente da portaria do hospital os chamou e liberou a entrada da mãe.

Deméter entrou na enfermaria, viu a sua filha deitada na cama, Inaiê abraçou a irmã e a tranquilizou, descreveu que ela estava melhor, que o médico tinha solicitado vários exames e que tudo aparentemente estava bem, o motivo do desmaio fora o fato da menina estar ainda em recuperação da cirurgia, aconselhou para que providenciassem um cilindro de oxigênio para a viagem, ainda mais em vista da fumaça que não saía da região. Porém, por precaução, o médico decidiu deixar a menina, ao menos por um dia, em observação. Deméter e Inaiê olhavam para Perséfone com grande zelo, até que chegou uma enfermeira comunicando que somente uma delas poderia ficar. Diante disso, Inaiê tentou convencer a irmã para ir descansar, no entanto, não teve êxito.

Inaiê avistou, ao sair da enfermaria, Ulisses e Roberto, os dois estavam conversando com um jovem com aproximadamente 30 anos, que falava alto e carregava consigo um sotaque, característico da região Oeste de Santa Catarina. Quando ela se aproximou, Roberto disse para Inaiê:

Esse Jovem pode ser o irmão de vocês, o nome dele é Kauê!

Inaiê – Não brinquem comigo agora, já contei do meu sonho para vocês!  Aliás, como pode ser? Vocês sabem muito bem que não existe meio termo para isso!

Roberto – Não estamos brincando! Enquanto estávamos na oficina, fui procurar por ele em uma casa daqui de São Miguel do Oeste!

Inaiê – Como você descobriu essa casa?

Roberto – Eu e seu irmão Ulisses procuramos por registros de crianças em casas de apoio ao menor, da cidade de Carazinho, do Rio Grande do Sul, onde seus pais moravam, pois seria uma das possibilidades para ter informações, descobrimos que ele viveu por um período com uma família daquela cidade, conseguimos o nome e o número, tivemos a sorte de conversarmos com um dos seus pais adotivos. Esses passaram o endereço e o número de telefone, para a nossa surpresa ele estava morando em São Miguel do Oeste.  Enquanto vocês estavam lá dentro, liguei e ele veio rapidamente para o hospital, chegou fazem uns cinco minutos!

Inaiê – Agora não estou sonhando?

Ulisses – Você quer um beliscão? Só para ter certeza!

Inaiê – Claro que não!

Inaiê – Você Kauê, fez faculdade de história?

Kauê – Não, qual o motivo de você achar isso? Eu concluí meu ensino médio, mas não consegui entrar para uma universidade, confesso que adoro história, mas nunca tive condições de pagar ou fazer um concurso em uma federal, ainda sonho com isso!

Inaiê – Você é Kauê Whamurai?

Kauê – Sou sim, lembro que você era uma bebê de colo, que chorava nos braços dos nossos pais. Eu adorava o natal, jogar bola com Ulisses, Deméter era quem buscava a bola e o nosso irmão mais velho Isaach achava que ensinava futebol para nós!

            Nesse momento Deméter foi em direção deles, ela havia aproveitado enquanto a filha dormia para conversar com os irmãos, precisava jantar, quando viu Kauê o reconheceu imediatamente, chorando o abraçou. Em seguida combinaram que Ulisses ficaria no hospital com a sobrinha, os demais foram para casa de Kauê jantar. No caminho para casa de Kauê, que ficava em um bairro da cidade, Roberto constatou que a fumaça continuava forte, foi quando disse:

Até quando o ser humano vai continuar com essas práticas?

Deméter – Realmente não sei! Pelo visto, a humanidade não está aprendendo nem mesmo diante da dor, os rios são cada vez mais poluídos, as nascentes destruídas, juntamente com a floresta, o ar é contaminado, respiramos para viver e, ao mesmo tempo, levamos para o pulmão o que irá nos matar, a ambição humana não tem limite, nem mesmo diante da possibilidade de sua aniquilação.

Ao chegar na casa de Kauê, Deméter pediu para o irmão:

– Posso tomar um banho, preciso muito.

Kauê – Claro que sim!

Em seguida, Kauê foi conversar com sua esposa Yara, ela informou que não tinha água para o banho. Diante disso, Deméter ficou decepcionada e exclamou:

– A humanidade não aprende, a natureza apresenta vários sinais, no entanto, continuamos pensando que os acontecimentos não estão relacionados conosco. Pensem, temos fumaça por toda parte, a falta de água é uma constante, para ter água para beber é necessário comprar, ficamos doentes e tudo continua sendo percebido com normalidade!

Kauê – Vejo que pior do que você está dizendo, temos uma atitude constante de negar o problema, como se isso resolvesse alguma coisa!

Inaiê – Talvez o nosso novo normal seja justamente uma mentalidade voltada para a morte; o importante é o crescimento econômico de algumas corporações, não de todas as pessoas. Infelizmente, muitos não se deram conta que não adianta capitalizar para viver sobre cemitérios humanos, não é suficiente melhorar e ter novas tecnologias na medicina se daqui a pouco o veneno entra pelas narinas, se a água necessária para a vida do corpo e, também, aquela que é usada para preparar o alimento  estejam contaminadas, sem contar que na ingestão de alimentos,  as pessoas jogam para seus organismos o mesmo lixo que deixam na natureza, apenas com um retoque estético para acomodar o espírito. Então, o novo normal é apenas um conceito para dizer que o humano já não importa mais!  

Roberto – Minha nossa! Tudo isso é muito complexo, é melhor irmos jantar, não podemos salvar o mundo, mas ao menos podemos cuidar de Perséfone!

Inaiê – Você tem razão! Mas uma questão está muito forte em minha mente: que mundo teremos e deixaremos para as próximas gerações?

Deméter – Só espero que não seja aniquilação ou grande cemitério humano, pois se pensarmos como Leibniz que a natureza é um todo organizado, talvez o elemento que está destruindo a harmonia seja levado a extinção!

Roberto – Isso que você está dizendo é muito forte! Pense em todas as pessoas inocentes que vão morrer e sofrer com tudo isso!

Inaiê – Porém quando vemos o problema e ignoramos o que acontece?

Roberto – Tende a se tornar maior, pode chegar a um ponto em que não há mais solução!

Deméter – O que estamos fazendo? Quais são as nossas ações?

Diante das perguntas de Deméter ficou o silêncio, interrompido pelo barulho da água que estava chegando na casa; depois do banho, da boa conversa, Inaiê foi descansar, Roberto e Deméter foram para o hospital. No pensamento de todos os viajantes, ficou a certeza que as pessoas do mundo dos estranhos eram privadas de muitas coisas, até mesmo das decisões sobre a preservação da qualidade do ar que respiravam, pois isso não pertencia a eles, na medida que a natureza passou ser uma mercadoria, vendida e sucateada, lamentavelmente a ambição tem um preço para a humanidade: a destruição.

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Carlos WeinmanPossui graduação em Filosofia pela Universidade do Oeste de Santa Catarina (2000) com direito ao magistério em sociologia e mestrado em Filosofia pela Universidade Federal de Santa Maria (2003), pós-graduado Lato Sensu em Gestão da Comunicação pela universidade do Oeste de Santa Catarina. Atualmente é professor da Rede Pública do Estado de Santa Catarina. Tem experiência na área de Filosofia e Sociologia com ênfase em Ética, atuando principalmente nos seguintes temas: estado, política, cidadania, ética, moralidade, religião e direito, moralidade e liberdade.

 

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