Por. Praveen S.
A taxa de incidência do novo coronavírus entre trabalhadores da mineração na África do Sul é de 330 casos a cada 100 mil pessoas, mais que o dobro da média registrada no conjunto da população do país – 160 infectados a cada 100 mil habitantes. Dos 1.474 testes positivos obtidos nas minas sul-africanas, 907 casos continuam ativos, 563 pacientes estão recuperados e quatro morreram.
As informações foram fornecidas nesta segunda-feira (22) pelo Conselho Minerário da África do Sul, que representa 90% das empresas do setor que operam no país. O índice de testagem dos trabalhadores da mineração, segundo o mesmo relatório, é de 3,4%.
A África do Sul é rica em carvão, ouro, platina e diamante, explorados por multinacionais com sede em países como Canadá, Reino Unido e Austrália. A mineração corresponde a cerca de 10% do Produto Interno Bruto (PIB) e emprega 12% da força de trabalho sul-africana. Também atuam no setor trabalhadores migrantes de países vizinhos, como Moçambique, Suazilândia, Botsuana e Lesoto.
As províncias Guateng e Noroeste concentram 1.237 mineiros infectados com o novo coronavírus. Em Gauteng, estão localizadas as duas cidades mais importantes do país, Joanesburgo e Pretória. Entre a população geral, a província mais afetada pela pandemia é Cabo Ocidental, no extremo sul do país, com 47,6 mil casos.
Contexto
O governo da África do Sul decretou lockdown – bloqueio total das atividades – em 27 de março para conter o avanço da covid-19. Por 40 dias, apenas os setores considerados essenciais continuaram em funcionamento.
As minas reduziram as operações, mas não interromperam suas atividades. Durante o bloqueio, o setor manteve entre 30% e 50% da capacidade.
De acordo com o Sindicato Nacional dos Metalúrgicos da África do Sul (NUMSA, na sigla em inglês), os auxílios oferecidos pelo governo sul-africano foram insuficientes para manter os trabalhadores em casa durante a pandemia.
“Os trabalhadores têm noção de que são espaços extremamente perigosos, mas decidem se arriscar simplesmente porque não têm condições de se manter isolados, alimentar seus filhos, se sustentar, sem a devida compensação”, afirma a porta-voz da entidade, Phakamile Hlubi-Majola.
Saúde versus lucro
A sindicalista ressalta que não só os locais de extração dos minérios, mas também as condições de moradia representam um risco aos trabalhadores, porque não garantem o distanciamento social exigido pela Organização Mundial da Saúde (OMS).
“Os trabalhadores das minas sul-africanas não vivem em acomodações apropriadas, dentro dos padrões determinados. E já era assim antes do coronavírus”, alerta. “No local de trabalho, é ainda mais difícil cumprir as exigências sanitárias. Quando eles entram nas gaiolas, para descer até o subsolo, as companhias geralmente usam a capacidade máxima. Elas não tomaram a decisão de reduzir drasticamente o número de pessoas nas gaiolas. A lotação deveria cair pelo menos 50%”, lembra a porta-voz do NUMSA.
A entidade se vê obrigada a assumir uma responsabilidade que deveria ser dos empregadores e do governo. “Como sindicato, precisamos ser muito vigilantes e cumprir o papel de inspetores. Não podemos depender do capitalismo, ou dos capitalistas, para garantir saúde e segurança. Na cabeça deles, adotar medidas sanitárias significa gastar mais dinheiro”, analisa.
Mais de 89% dos infectados na mineração trabalham na extração de ouro e platina, que estão entre os metais mais valiosos do mundo. Só em tributos, o setor gerou o equivalente a R$ 110 bilhões para os cofres do país em 2019. Para este ano, devido à pandemia, a perspectiva é de uma queda significativa na arrecadação.
Para Hlubi-Majola, o governo não deveria hesitar na escolha entre saúde e economia: “Mesmo se a economia derrapar agora, ela vai se recuperar com o tempo. É possível tomar medidas para isso. Mas, quando pessoas morrem, não há plano B. Não podemos ressuscitá-las”.
O Conselho Minerário da África do Sul afirma que fez recomendações sanitárias a todos os empregadores do setor antes mesmo do primeiro caso de covid-19 no país.
“Logo no começo [da pandemia], elaboramos o que foi chamado de ‘Plano dos 10 pontos’, listando as medidas que deveriam ser tomadas pelas minas que continuassem operando”, enfatiza Alan Fine, porta-voz do Conselho. “Prezamos pela transparência e mantemos informações e gráficos atualizados diariamente, em nossa página, com o número de infectados no setor”.
A entidade também difundiu orientações sanitárias e de segurança nas minas e nas comunidades onde vivem os trabalhadores, por meio de cartilhas e pôsteres.
“Cada um dos mineiros, quando chega ao trabalho pela manhã, é rastreado. Ele é perguntado se teve tosse ou outros sintomas, e todos têm a temperatura corporal aferida, para garantir que ninguém está com febre. Sempre que há algum sintoma, a pessoa é encaminhada para teste”, acrescenta Fine.
O porta-voz lembra que o Conselho Minerário não tem a responsabilidade nem a estrutura necessária para realizar inspeções e garantir o cumprimento das medidas sanitárias nas minas.
O Brasil de Fato entrou em contato com o Departamento de Recursos Minerais, órgão público que tem essa incumbência, para confirmar possíveis violações relacionadas à saúde e à segurança dos trabalhadores durante a pandemia. Não houve retorno até o fechamento desta reportagem.
Perspectivas
A taxa de mortes entre aqueles que contraíram covid-19 é menor no setor de mineração – 0,27%, contra 1,98% no restante do país. Uma das hipóteses para esse resultado seria a eficácia do isolamento dos trabalhadores logo após a comprovação da doença. Outro aspecto relevante é que o índice de testagem entre os mineiros é 45% maior que no conjunto da população sul-africana.
Por outro lado, a taxa de recuperação de pacientes no setor de mineração é de 38,5%, enquanto a média nacional é superior a 53%. Segundo a interpretação do NUMSA, o trabalho nas minas está associada a uma série de doenças pulmonares, devido à inalação de poeira e substâncias tóxicas, e esse histórico dificulta a superação de doenças que se manifestam no sistema respiratório, como a covid-19.
A porta-voz do sindicato lembra que o fim do lockdown coincide com o início do inverno na África do Sul, o que tende a alavancar o número de infectados e dificultar a prevenção e o controle da doença. Além das medidas de distanciamento social, ela propõe que sejam testados todos os trabalhadores. Sem essa medida, não haveria como garantir um retorno seguro às atividades.
Alan Fine concorda que esse seria o cenário ideal, mas lembra que o acesso a testes é restrito – devido ao preço e à disponibilidade global dos kits – e que caberia ao Estado determinar quais grupos devem ser testados com prioridade.
A África do Sul é o 19º país no ranking global de infectados, com 98 mil casos e 2 mil mortes em decorrência do novo coronavírus.