Por Luis Barrucho.
De um lado, a medida foi comemorada por produtores do Centro-Sul e, de outro, irritou os do Norte e do Nordeste, que se mantêm apreensivos com suas consequências.
Mas por quê?
No sábado (31/08), o Ministério da Economia decidiu não só prorrogar por mais um ano a importação de etanol isenta da alíquota de 20%, como elevou a cota dos 600 milhões de litros para 750 milhões de litros – a taxa passa a ser cobrada quando o volume negociado supera a cota.
Naquele dia, expirava o prazo de dois anos da tarifa aplicada pelo Brasil sobre o biocombustível adquirido no exterior para um volume acima de uma cota trimestral de 150 milhões de litros.
A nova cota foi discutida pela pasta, em conjunto com os Ministérios da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) e das Relações Exteriores.
Havia também a possibilidade de o governo brasileiro zerar as tarifas para todo o etanol importado, o que preocupava a indústria e não aconteceu.
Favorável aos EUA
A medida atendeu principalmente aos interesses dos americanos, os maiores exportadores ao Brasil de etanol, produzido a partir do milho – segundo dados oficiais, 99,7% do etanol importado pelo Brasil vem dos EUA.
Desde 2016, o Brasil é o país que mais compra etanol americano.
A expectativa dos produtores brasileiros era de que o governo americano liberasse seu mercado de açúcar, um dos mais protegidos do mundo, mas não houve essa contrapartida por enquanto.
O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, chegou a comemorar no Twitter a facilitação da entrada do produto americano no mercado brasileiro. Depois, apagou o tuíte.
Em nota, a União da Indústria de Cana-de-Açúcar (Unica), que representa as usinas do centro-sul do Brasil, disse que a medida foi uma “grande vitória”.
“Embora fosse importante para o Brasil realizar um gesto em favor da abertura comercial com os EUA, com quem buscamos um amplo acordo de livre comércio, isso não poderia ser feito sem uma contrapartida para o açúcar brasileiro”, afirmou.
Segundo a entidade, o governo brasileiro “foi capaz de conciliar a liberdade econômica e a garantia da competitividade brasileira na produção sucroenergética”.
Insatisfeitos
Mas os produtores do Nordeste brasileiro não reagiram da mesma forma.
“Foi uma decisão muito descoordenada. Não houve reciprocidade dos americanos. Ou seja, foi uma promessa no campo virtual, e não no real. Não acho que os americanos vão ceder”, diz à BBC News Brasil Renato Cunha, presidente do Sindicato da Indústria do Açúcar e do Álcool no Estado de Pernambuco (Sindaçúcar-PE).
“O governo brasileiro deveria regular para onde este etanol (importado dos Estados Unidos) vai ser destinado. Não dá para vendê-lo no Nordeste. Isso teria efeitos desastrosos na nossa indústria”, acrescenta.
O misto de irritação e apreensão se deve ao fato de que a maior parte do etanol americano se destina ao Nordeste brasileiro, por uma combinação de questões econômicas (preços mais competitivos) e logísticas (proximidade geográfica). Ali, a produção é bem menor que no Centro-Sul, principal polo canavieiro mundial.
Cunha argumenta, no entanto, que a região responde por “35% da força de trabalho na indústria sucroalcooleira”.
Para se ter uma ideia, na safra 2018/2019, segundo a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), o Brasil produziu um recorde de 33,1 bilhões de litros de etanol. Desse total, 31 bilhões de litros (93%) foram produzidos no Centro-Sul.
Além disso, o Nordeste também sofreu com a queda no preço internacional do açúcar, por conta dos subsídios da Índia, que desbancou o Brasil como o maior produtor mundial.
Isso levou as usinas brasileiras a alocarem maior parcela de cana de açúcar para a produção do combustível – 65% dessa matéria-prima foi destinada à fabricação de etanol e na próxima safra não deve ser diferente.
Ainda de acordo com dados da Conab, a produção de açúcar no Brasil na safra passada registrou o menor nível em mais de 10 anos, com 29 milhões de toneladas, sendo 26,5 milhões no Centro-Sul. Em 2017/18, o país havia produzido quase 38 milhões de toneladas.
“Ou seja, essa nova cota (de 750 milhões) responde por mais de 30% da produção de etanol do Nordeste”, lembra Cunha.
Segundo disse ele à BBC News Brasil, após reunião em Brasília na manhã desta quarta-feira (04/09) com a ministra da Agricultura, Tereza Cristina, o governo se comprometeu a “estudar formas de regular o suprimento do etanol importado”.
“Nosso pleito é que este etanol chegue durante a entressafra do Nordeste (de março a setembro) e que seu destino seja determinado de acordo com a produção de cada região. Se produzimos bem menos do que o Centro-Sul, por que vamos receber proporcionalmente mais? Não é justo”, argumenta Cunha.
Para Marcos Jank, professor sênior de agronegócio global do Insper e ex-presidente da União da Indústria de Cana-de-Açúcar (Unica), é preciso reduzir o protecionismo.
“Continuo dizendo que não faz sentido propor biocombustíveis como alternativa ao petróleo se as tarifas praticadas continuarem altas. Por isso, vejo com bons olhos a redução do protecionismo ao etanol”, diz ele à BBC News Brasil.
Novos mercados para etanol
O etanol de milho – parte majoritária da produção americana – e o da cana de açúcar têm o mesmo potencial energético, mas diferem na intensidade de carbono – a produção do etanol a partir do milho é mais “suja”.
“Basicamente, a cana tem o bagaço. Ou seja, quando se fabrica o etanol, se usa a própria energia dessa matéria-prima. Já o milho requer uma fonte energética adicional. Sendo assim, o etanol da cana gera uma economia maior de gases de efeito estufa, causadores do aquecimento global. É mais limpo”, disse Plinio Nastari, presidente e CEO da Datagro Consultoria, em entrevista recente à BBC News Brasil.
Além disso, a produtividade do etanol de cana de açúcar é maior do que o milho. “A cada hectare plantado, geramos 4 mil litros de etanol a partir do milho e de 6 mil a 7 mil a partir da cana.”
Além de cobrar maior reciprocidade dos Estados Unidos, produtores estão de olho em novos mercados.
A indústria nacional vem se empolgando com a possibilidade de que China, Índia e Filipinas passem a adotar a chamada E10, a gasolina com 10% de álcool. Já a Tailândia, outro consumidor em potencial, poderia acrescentar uma fatia 20% de álcool à gasolina.
Caso esses quatro países realmente adotem as fórmulas E10 e E20, haveria uma demanda adicional de 19,4 bilhões de litros de etanol por ano, o equivalente a mais da metade da produção brasileira.
Os produtores brasileiros também estão esperançosos com o RenovaBio, como é chamada a Política Nacional de Biocombustíveis, que passará a vigorar a partir de janeiro de 2020.
O objetivo é reduzir as emissões de CO2 em 11% até 2029 em comparação com 2018. Para isso, será preciso estimular aumento da produção e do consumo de combustíveis renováveis.
Na prática, a produção nacional deve crescer para 48 bilhões de litros (contra os atuais 33 bilhões), exigindo um investimento de R$ 60 bilhões a R$ 70 bilhões na próxima década.