Retrospectiva: A gente se acostuma e para de sentir dor

Imagem: Pixabay.
Um texto desses

Por James Ratiere, para Desacato. info.

Algo me engoliu mãe,  uma sensação estranha de estar bem,  de que há calmaria,  e qualquer conflito antigo agora é apenas passado.

Sinto-me errado, de uma prosa que agora tem fim, d’antes tempestade, agora inclinado a calmaria. Calmaria do tédio, do nada, de coisas que nem existem. Vão me perguntar porque não agradeço por isso. Por que estou na inércia, e nada inerte evolui.

O tédio que engole, a inspiração que pira, o mundo se acabando e a gente se acostumando com o caos. A gente se acostuma mãe, com a dor, que nem chora mais.

Mesmo com o irmão assassinado,

Mesmo com a irmã presa sem motivo,

Mesmo com as mentiras da televisão,

Mesmo com a arma apontada na nossa cara.

A gente se acostuma e para de sentir dor, para de sonhar, para de querer, fica ali, adoecendo, apodrecendo igual água parada.

A gente amarga mãe, e não sai mais  pra nada, nem praquilo que nos é de direito.

A gente se esquece mãe, e diz que nada vai mudar, o vento bate levando pra lá e pra cá, tudo fica morno coisa e tal, não há mais indignação e o escambau.

Não mandamos mais nada para a casa do caralho, nem dá mais vontade de falar palavrão. Nada mais faz bater o coração. E morremos.

James Ratiere é estudante de Jornalismo e escritor nas horas vagas desde os 14 anos.

 

 

A opinião do/a autor/a não necessariamente representa a opinião de Desacato.info.

#AOutraReflexão

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