Por Guigo Ribeiro, para Desacato.info.
Após um mês se deitando (literalmente em dados momentos) no posto de chefia, o
Chefinho notou sua pouca aproximação com as práticas cotidianas daquela empresa.
Não sabia absolutamente nada, contudo era chefe e usava o “mandar” como norte pra
própria posição. Resolveu que não empregaria grande esforço frente aos desafios, metas
e números postos. Também não perderia tempo abrindo as revista com os empresários
do ano, dicas de investimento ou mesmo os e-mails.
– Não recebi! Me manda de novo? – insistia quase sempre e era atendido sempre.
Nessa toada, bastava chegar no horário, passar as horas que deveria passar e ir embora.
Não aceitou o conselho dos chefes mais velhos que insistiam sobre “sair mais tarde pra
dar exemplo”. O tempo do Chefinho era precioso e dedicado em grandes proporções e
afeto aos blogs com dicas de viagens. Ah… o mar. Tão lindo.
Ao virar o mês, recebeu duas notícias importantes: os resultados, ou seja, como e quanto
os funcionários deram a vida pelo trabalho e, aí sim, o salário. Das duas, abraçou a
última. Não sem antes ter que enfrentar um grave problema. O cartão de ponto.
– Pois é! O seu está bem ruim. Eu sei e não faça disso uma preocupação. É claro o seu
suor colocado aqui diariamente. Mas é que quando chega no RH e não tem nada, eles
passam mal, surtam e, neste caso, cobram pela inclusão de um convênio médico no
contrato. – o gerente um tanto constrangido.
O Chefinho ainda pensava no salário, mas não pode fugir da pauta. O cartão de ponto,
de fato, era um problema. E não por questões quanto ao mesmo. Só pelo fato de não
entender a lógica.
No primeiro dia em que foi apresentado ao mesmo, disse gentilmente e quase sem
querer um “muito prazer”. Enquanto alguém explicava longa e desnecessariamente a
finalidade da máquina, o Chefinho ficou encantado sobre como uma máquina chupa um
papel, grava o horário que a pessoa colocou o papel pra ser chupado e devolve. A
precisão do tempo era incrível. Após, pensou que, se a máquina chupava um papel e
marcava o tempo que a pessoa colocou o papel, ele gravaria a exata hora. Então, certa
vez, o Chefinho achou divertida a ideia de mudar o tempo da máquina e atrasou
consideráveis 45 minutos. No dia seguinte, pasmem, chegou mais cedo só pra ver geral
se fodendo. O Chefinho era levado demais. Gargalhou ao pensar os incontáveis tombos
nos metrôs molhados pelos dias de chuva quando pobres mortais corriam com a vida
pra que o papel fosse chupado no tempo. E seguiu em fascínio e amor com a máquina
até que alguém, sem querer, avisou que ele também tinha que utilizá-la.
– Só pra dar o exemplo. – um constrangido e posteriormente demitido administrador.
As primeiras tentativas resultaram em marcações dos horários de cabeça pra baixo,
rasgos, esquecimento e confusões sobre bater a entrada na saída. Este último foi sem
querer só algumas vezes. Dada a inconstância, o Chefinho reclamou pro pai, para os
demais funcionários e, por fim, contratou um coaching. No entanto, o tal coaching,
responsável por motivá-lo quanto ao objetivo de acertar o papel no buraco, fracassou. O
Chefinho culpou severamente o profissional, o demitindo e pedindo encarecidamente
que seu pai – responsável e idealizador da cagada que era ele ocupar um posto de chefia
– fizesse o esforço necessário pra retirada imediata do sujeito do mercado pra todo o
sempre. Conseguiu.
De tantas e tantas voltas, se lembrou que mandava ali e se concentraria em pautas
maiores.
– Eu mando aqui e vou pensar em coisas mais importantes! – rígido e com um coro
concordando com ele.
Pra encerrar o constrangimento, decidiu que todos seguiriam dentro das normas e
seguindo fielmente o horário estipulado. Menos ele. Estava muito ocupado com
assuntos internacionais e valorizava sua trajetória, esta feitas de altos e baixos, além de
hambúrgueres fritados no estrangeiro num projeto intenso de crescimento pessoal.
– Confio em vocês! – ganhando sorrisos amarelos de retorno.
Problema resolvido, os demais dias foram tranqüilos. Sem a chatice do cartão.
Inclusive, retomou a prática da mudança da hora da máquina. A previsão indicava um
ciclo de chuva.
***
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Não se esqueça que “O Chefinho” aparece por aqui sempre no começo do mês por
aqui. Até a próxima
Guigo Ribeiro é ator, músico e escritor, autor do livro “O Dia e o Dia Que o Mundo Acabou”, disponível em Edfross.
A opinião do/a autor/a não necessariamente representa a opinião de Desacato.info.
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