Joelhos

Por Guigo Ribeiro, para Desacato.info.

Os joelhos marcam o chão. Não sangram. Já não sangram e possivelmente algum doutor explicaria o motivo. Os joelhos não sangram. Eles deixem, gentilmente, que a alma faça essa função. Todo dia de alguma hora até alguma outra hora os joelhos descem ao chão. Não se sabe bem se em pedidos ou perdão. Nutrem algo que procura o encontro do alimento. As mãos em posição de oração fazem dos passantes, deuses e deusas. Ou Deuses e Deusas. Certamente senhoras e senhores supremos do acalanto pra a queda livre de uma existência. Sempre, conforme dito, de alguma hora até alguma outra hora. E sempre próximo da escada rolante de umas das mais movimentadas estações da selva.

– Alguma ajuda. Alguma ajuda, por favor. Pelo amor de Deus. – pede.

E lá se vão os passantes que sentem alguma pena, alguma raiva, algum nojo. Fazem algum julgamento. E os joelhos seguem sustentando a fome, o corpo e as pancadas. Que digam que há caminhos. Que apontem o dedo determinante do certo e errado. Há um homem, mas os joelhos têm cascas duras.

– Alguma ajuda. Alguma ajuda, por favor. Pelo amor de Deus. – implora.

De joelhos, pede comida e perdão. Pede comida pra que possa ser pelo menos, por algum momento, um assassino da fome e não só mais um alvo da violência de quem acha que pode ser violento. Talvez possa. Vai saber não dá em nada. Voltando. Ele, de joelhos, quer ser o assassino da própria fome e pede que alguém empreste um 38 pra ele. Quer ser perdoado por alguma coisa e por alguma força maior. Quer que os passantes, antes de seus lares ou compromissos, o perdoem por estar sujo de joelhos pedindo comida numa das estações mais movimentadas da selva. São pequenos desejos. Ou grandes. Vai saber.

– Alguma ajuda. Alguma ajuda, por favor. Pelo amor de Deus. – mais fraco visto o fim do dia.

Pelas tantas, retorna pra a posição “normal”. Está em pé. Abre as mãos e conta quanto conseguiu. Que seja uma janta. Muita gente não dá por achar que vai ser pra pedra. Mas é janta. Talvez tenha sentido pedir comida e perdão o dia todo só pra ser, enfim, o assassino da própria fome. Talvez tenha implorado que só precisava comer. E que não tinha o que comer. Matar a fome, acredite, é o prato mais gostoso que existe. Ele sabe. Recolhe alguns poucos pertences e vai comer algo. Um dia a menos. Garfadas grandes. Comida pouco mastigada. O cérebro processou a informação. Agora, algum canto. Espanta um rato, joga as coisas e apaga. Sonha com um menino rezando da beira da cama antes de dormir.

Imagem tomada de: Plano Informativo

Guigo Ribeiro é ator, músico e escritor, autor do livro “O Dia e o Dia Que o Mundo Acabou”, disponível em Edfross.

 

 

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