Por Mohamed Habib, Presidente do Instituto da Cultura Árabe.
O que houve?
Tanto durante a campanha eleitoral, quanto após assumir a Presidência da República do Brasil, o senhor Jair Bolsonaro expressa o seu compromisso de transferir a Embaixada Brasileira de Tel Aviv para Jerusalém, numa posição quase idêntica à do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump. Em ambos os casos, a questão é muito mais grave do que simplesmente transferência de endereço de uma embaixada. Se os dois ilustres presidentes estiverem sabendo o que está por trás disso, seria uma decisão política gravemente errada e, se não souberem dos motivos, seria bem pior. As embaixadas só podem ser instaladas em capitais dos países hospedeiros. Portanto, a transferência, no caso em tese, seria um pronunciamento formal do Brasil e dos EUA, de reconhecimento da cidade de Jerusalém como capital de Israel. É neste sentido que apresento esta reflexão, com a intenção de convidar as instituições brasileiras e a sociedade civil a participarem nesta discussão, devido à importância do tema para o nosso país e para o mundo.
Origem histórica do problema
Todo cidadão com nível razoável de escolaridade conhece a história da perseguição que comunidades judaicas sofriam em alguns países da Europa e, consequentemente, muitos entenderam o papel histórico e importante do escritor e líder judeu, Theodor Herzl. Com bastante habilidade, ele produziu duas grandes obras intelectuais em 1896 como fundamentais para salvar as comunidades judaicas pobres de atrocidades cometidas na Europa. Porém, será que este seria o único objetivo? Ou, seu projeto tinha, e continua tendo, um plano de transformar a sua organização em uma potência global? Neste plano, um estado judeu seria o “endereço institucional”, como sede desta pretendida potência? Para podermos pensar nestas hipóteses, temos que recuperar algumas informações sobre o movimento sionista.
Embora o termo “sionismo” tenha sido criado em 1892 por Nathan Birnbaum, fundador da revista “Selbstemanzipation!” (Autodeterminação), os judeus consideram o escritor austríaco Theodor Herzl como o “Pai do Sionismo”, devido ao seu trabalho político, a partir de 1896.
O movimento sionista desenvolveu-se fortemente a partir da segunda metade do século XIX, entre lideranças judaicas do Leste europeu e da Europa Central, tendo como possível causa o sofrimento de suas comunidades, que viviam sendo perseguidas naquelas regiões. O sionismo também pode ser entendido como um projeto de resgate à identidade judaica, a qual se perdia, principalmente entre os seus jovens, a partir da assimilação da cultura cristã, dominante no continente europeu. A evolução dos acontecimentos, de fato, confirma essas duas missões, além de outras, que provavelmente teriam surgido a posteriori.
Os sionistas socialistas europeus formaram o principal núcleo político dos fundadores do Estado de Israel, gerando, a posteriori, líderes como David Bem-Gurion, Moshe Dayan, Golda Meir, Isac Rabin e Shimon Peres. Todos migraram da Europa para Palestina na iminência da criação do Estado de Israel. Embora os socialistas defendessem a criação de um estado judaico, a partir de lutas de classe na Palestina, eles acabaram endossando o projeto Herzl de conquistar a Palestina através de apoio das grandes potências, usando instrumentos vestidos de legalidade, porém, carentes de legitimidade, como detalharemos a seguir. A resistência palestina, neste projeto, seria enfrentada com violência e atrocidades; é o que, de fato, continua acontecendo até hoje.
De volta a Herzl, enquanto que sua primeira obra tratava-se do livro “O Estado Judeu”, no qual o autor apresenta a ideia da criação de um estado judeu na Palestina, sua segunda é a institucionalização da organização sionista mundial. Tal organização seria instrumento fundamental, não apenas para coordenar as estratégias políticas para a criação do estado judeu, mas também para ser o interlocutor e o estrategista permanente, com tentáculos de influência, praticamente, no mundo inteiro, para um estado poderoso, a ser chamado “Israel”.
Visando, então, a criação do estado judeu na Palestina, Herzl, desde os anos 1890, trabalhava arduamente, negociando direta ou indiretamente com governos dos campos geopolíticos opostos, como o então império Turco-Otomano, Alemanha, Grã-Bretanha, Rússia e outros. Ou seja, negociava com os países envolvidos na grande guerra, que estava por vir. Em troca de apoio e de contribuições financeiras, ele pedia a aceitação e o apoio político ao projeto da criação do estado judeu na Palestina. Obviamente, os árabes, na época, dominados pelos turcos e, vários deles invadidos e ocupados militarmente pelos britânicos e franceses, não sabiam de nada destas articulações e negociações feitas por Herzl.
O primeiro fruto de seu trabalho, sigiloso e bem articulado, foi colhido no dia 02 de novembro de 1917, ao início da Primeira Guerra Mundial, quando o ministro do exterior da Inglaterra enviava uma carta compromisso, conhecida posteriormente como “A Declaração Balfour”, ao líder da federação sionista no Reino Unido, como iniciativa do governo britânico, apoiando a ideia da criação do estado judeu na Palestina. A carta dizia:
____________________________
“Caro Lord Rothschild,
“Tenho o grande prazer de endereçar a V. Sa., em nome do governo de sua Majestade a seguinte declaração de simpatia quanto às aspirações sionistas, declaração submetida ao gabinete e por ele aprovada:
O governo de Sua Majestade encara favoravelmente o estabelecimento, na Palestina, de um Lar Nacional para o Povo Judeu, e empregará todos os seus esforços no sentido de facilitar a realização desse objetivo, entendendo-se claramente que nada será feito que possa atentar contra os direitos civis e religiosos das coletividades não-judaicas existentes na Palestina, nem contra os direitos e o estatuto político de que gozam os judeus em qualquer outro país.
Desde já, declaro-me extremamente grato a V. Sa. pela gentileza de encaminhar esta declaração ao conhecimento da Federação Sionista.”
Arthur James Balfour
____________________________
A carta tornou-se pública uma semana depois, quando começou a ser divulgada pela imprensa, e foi incorporada no acordo de paz entre ingleses e turcos e no documento que instituiu o mandato britânico na Palestina. França, Itália e Estados Unidos ratificaram o conteúdo da declaração, poucos meses após a sua divulgação. O documento original se encontra, hoje, na Biblioteca Britânica, em Londres. Detalhes podem ser conhecidos neste link
Merece destaque, aqui, o compromisso da Inglaterra e dos países ratificadores da declaração, que disse: “nada será feito que possa atentar contra os direitos civis e religiosos das coletividades não judaicas existentes na Palestina”. A história mostrou que a Inglaterra e os ratificadores não foram capazes de honrar este compromisso com os palestinos.
Os aliados ganham a Primeira Guerra Mundial, derrotando o Império Otomano. Porém, por três acordos isolados, os britânicos fizeram promessas conflitantes, resultando em confusão política com o mundo árabe. O primeiro foi com os árabes, garantindo sua independência em troca de seu apoio durante a Guerra contra o Império Otomano. O segundo é com a França (acordo Sykes-Picot) e o terceiro, com o movimento sionista (Declaração Balfour). Os ingleses cumpriram os acordos com a França e com o movimento sionista e desrespeitaram o acordo com o mundo árabe. Assim, os aliados ocuparam militarmente todo o mundo árabe, incluindo aquelas partes que até então não eram por eles ocupadas. E mais, Inglaterra e França criaram um novo mapa, com novos estados para o Oriente Médio.
Ainda, os mesmos aliados criam a Liga das Nações e a Inglaterra, a grande vitoriosa, induz este organismo a aprovar o mandato britânico sobre a Palestina, a partir de 1922, com a promessa de garantir sua independência na década dos anos 40. De fato, em 1948 a independência foi declarada, mas não da Palestina, e sim de Israel. Como?
O desmonte e a derrota do império Otomano, na Primeira Guerra Mundial levaram à ampliação da colonização europeia nos países árabes. Como tal, a Inglaterra e a França acabam ocupando com seus exércitos todos os países árabes ao redor da Palestina, incluindo Egito (que já era ocupado desde 1882), Síria, Líbano e Iraque. Todas as monarquias da região foram criadas e os monarcas foram escolhidos pela Grã-Bretanha. O domínio britânico e francês sobre toda a região permaneceu até o ano 1956, quando começa o movimento de libertação contra o neocolonialismo europeu no Oriente Médio.
Voltando para a história palestina, os movimentos migratórios de judeus europeus para aquele país se intensificaram nos anos 30 e 40, e os palestinos viveram duas décadas sofrendo ataques terroristas e massacres de grupos armados dos judeus europeus imigrantes. Estes eram munidos pelos ingleses e organizados pelo movimento sionista. No dia 24 de julho de 1946, por exemplo, o governo britânico, reconhecendo o desrespeito à declaração Balfour (puramente britânica), denuncia o envolvimento da Agência Judaica, coordenadora do programa migratório de judeus para Palestina, de praticar atos terroristas junto com as gangues “Irgun” e “Stern” contra os civis palestinos.
Com o término, desta vez, da Segunda Guerra Mundial, o grupo dos países aliados vitoriosos, devido à sua nova composição, revoga a Liga das Nações e cria a Organização das Nações Unidas – ONU. Tanto uma quanto a outra são instituições constituídas para assegurar formalmente o direito ao veto por estes países, como forma de controle. Sendo assim, eles passavam a ter o controle, inicialmente, sobre a Liga e, posteriormente, sobre a ONU.
Em novembro de 1947, a ONU, na época controlada pelo império britânico, apesar do voto contrário dos países árabes, aprova a resolução 181, determinando a partilha da Palestina em duas proporções: 53% para a criação de um estado judeu e 47% para o estado palestino. Aquela sessão da ONU foi presidida pelo embaixador brasileiro Oswaldo Aranha.
Em abril de 1948, centenas de palestinos civis foram massacrados na cidade palestina de Dir Yasseen, pelas mesmas duas gangues e milícias judaicas terroristas, Irgun e Stern. Embora esse ato criminoso fosse repudiado por vários países, a comunidade judaica na Palestina, um mês depois, proclamou unilateralmente, a criação do Estado de Israel, no dia 14 de maio de 1948. Apenas os países árabes protestaram. É assim que Israel comemora anualmente aquela data como independência.
Tendo a missão concluída, embora de forma desonrada, a Inglaterra, no dia seguinte, 15 de maio de 1948, declara o término de seu mandato na Palestina, na verdade, de sua ocupação militar, e suas tropas saem daquele país, deixando os palestinos sem nenhuma condição de assegurar seus direitos. Ficou claro que o chamado mandato britânico era apenas para garantir o movimento migratório dos judeus europeus, dar todas as condições para garantir a sua organização e instalação na Palestina e prepará-los para a proclamação do Estado de Israel.
Israel, então, nasce e cresce, num canteiro que vem sendo adubado e preparado, inteligentemente, desde os anos 1890, onde lideranças sionistas negociavam com as grandes forças políticas mundiais, à revelia de todo o mundo árabe, este por sua vez, fragilizado por ocupações militares e domínios de países alheios.
O slogan da campanha sionista para a criação do estado judeu na Palestina foi: “terra sem povo para povo sem terra”. No entanto, os palestinos nativos, em 1931, muçulmanos, cristãos e judeus, representavam, respectivamente, 73%, 17% e 9% da população palestina. O 1% restante representava as demais concepções espirituais.
De acordo com Notestein & Jurkat (1945), a Palestina era uma região densamente habitada, seja pelas suas condições climáticas favoráveis, seja pelos seus recursos naturais, embora quase a metade da sua área fosse desértica. Em 1940, por exemplo, a densidade populacional média palestina era de 56 pessoas por quilómetro quadrado, igual à da Iugoslávia e superior à da Grécia, ambas em 1931. Descontando-se a área deserta, a média aumentará para 108 palestinos por quilómetro quadrado, igual à da Checoslováquia ou Suíça e, superior à da Polônia, Áustria, Dinamarca e Hungria, na mesma época. Pergunto: A campanha “terra sem povo para povo sem terra” foi, no mínimo, enganosa ou não? “Fake news” é um nome novo para mentiras deslavadas, especialidade de políticos desonestos, mas a prática existe há muito tempo.
Jerusalém: vestimenta religiosa ocultando o interesse geopolítico
Sobre a questão de Jerusalém, é bom lembrar que estamos falando da cidade mais sagrada para o mundo monoteísta, principalmente para o Judaísmo, Cristianismo e Islamismo. Nas atrocidades cometidas em 1948, Israel ocupou, ilegalmente, o lado oeste desta cidade e, em 1967, ocupou da mesma forma, o restante da cidade. Um acordo foi firmado em termos de administração entre Israel e os palestinos, no qual Israel cuidaria da parte oeste e os palestinos, da parte oriental, enquanto a ONU tentaria colocar em prática a sua resolução 181 de 1948. Tal resolução determina que a cidade sagrada de Jerusalém é de interesse de todos os povos monoteístas e será administrada por um conselho internacional sob a coordenação da ONU.
Durante estas sete décadas, o tema sempre esteve em discussão: Como a cidade seria governada, levando em consideração a posição da ONU? No entanto, não há como decidir nada sobre esta questão sem discutir o tema principal do conflito entre dois povos disputando a mesma terra. E, cada dia que passa, a situação se agrava, à medida que a população dos nativos palestinos vem crescendo e novos israelenses nascidos no seu novo estado vêm surgindo.
Tanto os países centrais, quanto o próprio estado de Israel, de fato, nunca estiveram interessaos em resolver o conflito entre os dois povos. Mais ainda, a manutenção do conflito interessava a todos eles, para manter toda a região do Oriente Médio neste status quo de instabilidade (política, econômica e social) sob o seu controle. Motivos? Basta olhar hoje, janeiro de 2019, para o Iraque, Líbia, Síria, Egito, Iêmen e outros para achar a resposta. Pelo menos durante as primeiras cinco décadas, as doações e ajudas financeiras eram vitais para o desenvolvimento daquele país recém-nascido. Convencer o mundo de que Israel corria o risco de ser atacado pelos países árabes vizinhos é um grande pretexto para manter a ajuda financeira e as doações, que o país precisava para o seu desenvolvimento.
Ao mesmo tempo, o desenvolvimento das repúblicas árabes recém-formadas não interessava ao Ocidente e ainda não interessa. Assim, e de acordo com as profecias de Richard Nixon (ex-presidente dos EUA), em sua biografia, os conflitos no oriente médio, continuarão até que se esgote o seu petróleo, recurso energético que interessa aos países industrializados do Hemisfério Norte e que os árabes nunca deveriam usá-lo.
Retornando à questão de Jerusalém, percebe-se que a estratégia sionista continua a mesma. Atualmente, a atuação do primeiro ministro israelense, Benjamin Netanyahu, junto ao lobby sionista visa obter o apoio da bancada parlamentar da extrema direita cristã, nos EUA, tanto para manter as doações financeiras anuais, como também para alcançar outros objetivos, como por exemplo, a transferência da embaixada norte-americana de Tel Aviv para Jerusalém. A mesma tática está sendo aplicada no Brasil, através da bancada neopentecostal, a qual mantém relação simbiótica com Israel. Nos dois casos, o interesse político é o reconhecimento de Jerusalém como capital de Israel.
Mas, afinal, existiria uma concepção religiosa compartilhada entre os evangélicos brasileiros e a extrema direita cristã dos EUA? Sim, pois ambos os grupos religiosos acreditam em profecias apocalípticas nas quais Jerusalém deve ser habitada só por judeus, como pré-requisito para o retorno de Jesus, para reestabelecer o cristianismo e iniciar o Armagedom, o qual é identificado na Bíblia como “a batalha final de Deus contra a sociedade humana iníqua, em que numerosos exércitos de todas as nações da Terra encontrar-se-ão numa condição ou situação, em oposição a Deus e seu Reino por Jesus Cristo no simbólico (Monte Megido)” (saiba mais aqui)
Embora Israel não acredite na volta de Jesus, como o Messias, a questão da expulsão dos não judeus de Jerusalém é o sonho dos seus governantes, para transformar a cidade em Capital, passo importante para a conquista de todo o território palestino, sem falar do projeto “O Grande Israel”, o qual se estenderia do rio Nilo (Egito) ao rio Eufrates (Iraque). Assim fica fácil entender a base de sustentação da parceria de uma visão religiosa, de um lado, e de um interesse geopolítico, de outro.
Portanto, o significado da iniciativa do presidente Bolsonaro é, no mínimo, perigoso e pode levar a um distúrbio global, num mundo que já está no limiar do caos.
Possíveis impactos negativos da atitude do presidente do Brasil
Quando analisamos as relações do Brasil com o mundo árabe, podemos verificar a harmonia e respeito históricos entre os dois lados. Tal fato confirma e consolida a existência da base sustentadora da diversidade étnica nacional brasileira. A grande diversidade racial, religiosa e cultural, representada pelos povos que compõem este país continental chamado Brasil é uma das suas maiores riquezas. Os árabes, os verdadeiros semitas, sejam árabes cristãos, muçulmanos, e mesmo árabes judeus, fazem parte de toda a história brasileira.
Em raros momentos as relações do Brasil com o mundo árabe sofreram distúrbios. E isso aconteceu quando algumas posições foram tomadas pelo governo brasileiro para atender ao interesse de algum país dominante. É bom destacar que, em momento algum, a sociedade civil brasileira pactuava com essas decisões governamentais. O primeiro momento foi quando o chefe da delegação brasileira, Oswaldo Aranha, abriu e presidiu a sessão da Assembleia Geral das Nações Unidas (ONU) em Nova York, em 1947. Sob sua coordenação, na sessão de 29 de novembro daquele ano, a Assembleia da ONU aprovou o plano para a partilha da Palestina, formalizado na Resolução 181, que abriu caminho para a criação do Estado de Israel.
O segundo momento foi no dia 16 de dezembro de 1991, durante o governo Fernando Collor de Mello, quando o Brasil cedeu às pressões dos EUA e votou a favor da Resolução 46/86, revogando a Resolução 3379, de 1975. Explicando: no dia 10 de novembro de 1975, a ONU considera o sionismo como forma de racismo e discriminação racial. Na ocasião, o Brasil votou favoravelmente. Em 1991, após 16 anos, o Brasil, paradoxalmente, vota a favor da revogação e o sionismo torna-se então, legalmente, um movimento não racista.
Hoje, estamos diante de um possível terceiro momento, que preocupa os povos muçulmanos em geral e os árabes em particular. A posição do presidente Jair Bolsonaro, além de equivocada e desrespeitosa às deliberações da ONU, fere os laços de amizade, ética e solidariedade entre os dois povos, brasileiro e árabe. Além disso, há riscos de prejuízos para a sociedade brasileira, principalmente nos campos a seguir:
- No campo diplomático:
– Com a atitude do Sr. Trump, presidente dos EUA, de transferir a embaixada de seu país para Jerusalém, seu país perde o espaço de ser mediador no conflito entre palestinos e israelenses. O Brasil começou a ser visto como a melhor opção para ocupar este espaço de mediação entre os dois povos, com os quais o país tem relação de respeito, amizade e consideração. Portanto, a declaração do Sr. Bolsonaro, presidente do Brasil, de seguir o mesmo caminho de Trump, pode, também, levar o Brasil a seguir a mesma rota dos EUA, ou seja, não ser mediador de paz entre os dois povos.
– Há outro risco no campo diplomático, onde, em assuntos de interesse brasileiro, a totalidade dos países islâmicos, árabes ou não, sempre estiveram ao lado e apoiando as posições do Brasil, diferentemente da situação de Israel, nas votações na ONU, na OMC e em outros organismos internacionais. Assim sendo, tornar o Brasil um apêndice da ideologia dos EUA e de Israel, além de não ganharmos, absolutamente nada, perderemos os aliados dos países em desenvolvimento, em que a maioria é islâmica.
Um mínimo de equilíbrio de forças é que o mundo precisa para sair do caos causado pela hegemonia concentrada nas mãos de poucos países.
- No campo econômico:
Os países muçulmanos representam o maior mercado brasileiro para carne bovina, frango, açúcar e milho. Sem dúvida, a atitude do presidente Bolsonaro prejudicará este mercado. Em 2018, por exemplo, as atividades comerciais entre o Brasil e os países islâmicos alcançaram o valor de US$ 22,9 bilhões, de acordo com dados do Ministério da Indústria e Comércio Exterior (MDIC). A balança é favorável ao Brasil em US$ 8,8 bilhões. Os países islâmicos recebem cerca de 70% de todas as exportações brasileiras de açúcar, 46% do milho em grãos, 37% da carne de frango e 27% da carne bovina.
Como lição histórica, valeria lembrar que até 1991, o Brasil exportava, em grande volume, serviços e tecnologias para Oriente Médio na área de construção civil (Mendes Jr e outras), além de exportação de máquinas e equipamentos pesados. Com a invasão norte-americana ao Iraque e a queda do regime líbio, causando a deterioração econômica de ambos os países, o Brasil perdeu este mercado, como consequência da guerra do Golfo. Um dos grandes prejuízos foi, inclusive, a falência de grandes indústrias bélicas brasileiras, como a Engesa, por exemplo. Tal indústria, que foi fundada em 1958, empregava mais de cinco mil profissionais e vendia seus produtos para mais de 18 países, faliu em 1993. Como a situação continua até hoje, perdemos um grande mercado, levamos prejuízos enormes, fechamos indústrias pesadas e não recebemos absolutamente nada por sermos aliados dos EUA.
Aprender com a História e com as experiências do passado, na busca de caminhos mais seguros para o crescimento do nosso país é obrigação de todos nós. Não podemos mais errar. Erguer um país é um processo árduo e lento; destruí-lo é fácil e rápido. Assim, cautela e precaução são fundamentais na gestão de qualquer país e em sua interação com os demais.
Leituras adicionais relacionadas
Finkelstein, N.G. 2005. Imagens e Realidades do Conflito Israel-Palestina.
Editora Record, RJ & SP. 433 pp.
Habib, M.E.M. 2001 (Coordenador). Os direitos humanos do povo palestino na conjuntura atual. Simpósio Internacional. UNICAMP. Novembro de 2001. 243 pp.
Herzl, T. (Translated by Harry Zohn) 1960. The Diaries of Theodor Herzl. The Complete Diaries of Theodor Herzl (5 Volume Collection). Published by Thomas Yoseloff. 1961 pp.
Hourani, A. 2001. Uma História dos Povoas Árabes. 2ª edição; 7ª reimpressão. Companhia das Letras, editora Schwarcz, São Paulo. 523 pp.
Reichert, R. 1972. História da Palestina – Dos primórdios Aos Nossos Dias. Editora Herder & Editora da USP. 411 pp.
Soussa, A. 1973. Árabes e Judeus na Historia (em língua árabe). 2ª edição. Editora Al-Arabi, Damasco, Síria. 539 pp.
—
A opinião do autor/a não necessariamente representa a opinião de Desacato.info.