“Eu senti que estava em extinção. Estar tão perto da morte me fez sentir assim”. A frase foi dita há cinco meses, em junho de 2018, pelo músico Marcelo Yuka, ex-baterista e fundador do grupo “O Rappa”, que morreu no final da noite desta sexta-feira (18), no Rio de Janeiro, aos 53 anos. A fala antiga ilustra a saúde frágil do artista que vivia em hospitais e estava internado em estado grave em decorrência de um acidente vascular cerebral (AVC) que sofreu no dia 2 de janeiro.
Carioca nascido em 31 de dezembro de 1965, Yuka quase foi jornalista, mas largou o último semestre do curso com 20 anos e se lançou na música com canções de protesto, que faziam uma reflexão política e crítica da sociedade. Não só no som, mas também na pintura, Yuka denunciava a violência que, ironicamente, o atingiu. Em uma das telas, por exemplo, pintou um menino segurando uma metralhadora na mão com a frase: “Poderia ser vingança, mas é arte”.
Autor de sucessos como ‘Minha Alma (A Paz que Eu Não Quero)’, ‘Pescador de Ilusões’ e ‘Me Deixa’, Yuka ficou paraplégico desde que levou nove tiros durante um assalto, em 2000. O músico chegou a ficar internado por mais de um ano, em 2017, sendo oito meses sem sair da cama. Os momentos difíceis o fizeram considerar desistir da carreira e da vida, mas Yuka decidiu não pensar na dor que sentia 24 horas por dia, nem guardar rancor do que o destino reservou para ele.
Internado em estado grave desde o início de janeiro, o músico, após sofrer um AVC, foi atendido no hospital Quinta D´Or, na zona norte do Rio de Janeiro. No meio da tarde de sexta-feira (18), alguns portais de internet chegaram a divulgar a morte do baterista e compositor, o que foi desmentido em seguida.
Marcelo Yuka nunca parou de se movimentar. Na política, já pleiteou o cargo de vice-prefeito do Rio de Janeiro (RJ) pelo PSOL, ao lado de Marcelo Freixo, experiência que não queria repetir. “Nem se estivessem matando minha mãe”, é o que dizia.
Ficou n’O Rappa até 2001, assinando músicas que ditavam o rumo ideológico do grupo. Sua saída aconteceu após uma série de divergências entre ele e outros integrantes. O grupo F.UR.T.O foi idealizado pouco tempo depois e, segundo o que dizia em suas entrevistas, se tratava de um projeto ainda maior, com intenções sociais.
Militante de direitos e políticas sociais, especialmente sobre a violência, sua vida e sua recuperação após a tentativa de assalto que lhe deixou paraplégico foram retratadas no documentário “Marcelo Yuka no Caminho das Setas”. Seus retratos da vida urbana eram duros, mas às vezes tinham sinais de esperança e resistência.
Releia a baixo suas músicas mais conhecidas:
“Todo Camburão tem um Pouco de Navio Negreiro” (1994)
“É mole de ver que em qualquer dura o tempo passa mais lento pro negão. Quem segurava com força a chibata agora usa farda. Engatilha a macaca. Escolhe sempre o primeiro negro pra passar na revista”
“A feira” (1996)
“Quem me fornece é que ganha mais. A clientela é vasta, eu sei. Porque os remédios normais nem sempre amenizam a pressão.”
“Pescador de ilusões” (1996)
“Estarei pronto pra comemorar se eu me tornar menos faminto que curioso. O mar escuro trará o medo lado a lado com os corais mais coloridos. Valeu a pena, sou pescador de ilusões”
“Tribunal de rua” (1999)
“Era só mais uma dura, resquício da ditadura, mostrando a mentalidade de quem se sente autoridade neste tribunal de rua”
“Me deixa” (1999)
“Podem os homens vir que não vão me abalar. Os cães farejam o medo, logo não vão nos encontrar. Não se trata de coragem, mas meus olhos estão distantes, me camuflam na paisagem, dando um tempo pra cantar”
“O que sobrou do céu” (1999)
“Faltou luz mas era dia… O som das crianças brincando nas ruas como se fosse um quintal, a cerveja gelada na esquina como se espantasse o mal”
“Minha alma (a paz que eu não quero)”
“Me abrace e me dê um beijo, faça um filho comigo, mas não me deixe sentar na poltrona no dia de domingo. Procurando novas drogas de aluguel nesse vídeo coagido é pela paz que eu não quero seguir admitindo”.