Por Gabriele Roza.
Sem consultar os profissionais de museus, o presidente Michel Temer assinou medida provisória, no último dia 10 de setembro, que cria a Agência Nacional de Museus (Abram) e extinguir o Instituto Brasileiro de Museus (Ibram), instituto vinculado ao Ministério da Cultura (MinC). Se a MP for aprovada pelo Congresso, a Abram passa a fazer a gestão dos 27 museus federais, hoje geridos pelo Ibram.
Temer também editou outra medida provisória, que permite criar fundos patrimoniais ‘‘com o objetivo de arrecadar, gerir e destinar doações de pessoas físicas e jurídicas privadas para programas, projetos e demais finalidades de interesse público’’. Publicadas oito dias depois do incêndio que consumiu a maior parte do arquivo do Museu Nacional, no Rio, ligado à Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), o objetivo das medidas é claro: caberá à Abram a reconstrução do museu e a constituição de um fundo patrimonial para receber doações. A proposta é que a Abram e a UFRJ definam uma parceria na gestão dos recursos.
Entre outros protestos, o Comitê de Patrimônios e Museus da Associação Brasileira de Antropologia divulgou uma nota em que vê ‘‘com grande temor o perigo de uma Medida Provisória que esvazia as universidades públicas de seus museus, ferindo o princípio da autonomia universitária’’. A Rede Brasileira de Coleções e Museus Universitários considera as medidas provisórias representam um ‘‘atentado à democracia brasileira e às instituições públicas’’. Para a rede, ‘‘esta medida agride frontalmente a continuidade das políticas públicas voltadas ao setor dos museus’’.
A Pública conversou com José Nascimento, presidente do Ibram de 2009 a 2013 e ex-presidente do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) da área de museus. Para ele, a medida é ilegal, porque tomada durante a campanha eleitoral, e os funcionários irão se articular para derrubá-la no Congresso.
O que é o Instituto Brasileiro de Museus?
José Nascimento: O Ibram foi criado para ser uma braço do Ministério da Cultura, para gerenciar e fazer a administração da política pública de museus. Em 2003, o governo do presidente Lula que nomeou o ministro Gilberto Gil, e se deu conta que não existia um política pública para a área de museus. Então o ministério começou a estabelecer diretrizes para uma política pública de museus. E foi se ampliando, com uma participação muito grande do setor. É resultado de uma política, como existem em outros países órgãos que gerenciam as políticas públicas de museus. O trabalho do Ibram é a consolidação dessa política. São 3800 museus no país que precisam de um órgão federal.
Como era seu trabalho lá?
O trabalho nosso foi no sentido de ampliar o máximo os instrumentos de política pública na área da cultura e dos museus, plano setorial de museus, plano de educação dos museus, ações nas áreas estratégicas de segurança, como patrimônios museológicos em risco, concurso público para os funcionários, dialogar com as universidades para abrir curso de museologia – a, tinham dois e agora são 14 no país. Tem um conjunto de ações bem amplas, inclusive internacionais, como a criação do Ibermuseus – programa que visa integrar os países ibero-americanos para o fomento e a articulação de políticas públicas para a área de museu – , uma recomendação da Unesco.
E qual a importância do Ibram hoje?
Ele vai fazer 10 anos, e claro que sempre precisa de mais coisa, mais funcionários, mais museus, precisa de orçamento, valorização dos técnicos, isso tudo. Sempre precisa crescer.
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Qual a sua opinião sobre as medidas provisórias aprovadas?
Uma das questões é a possibilidade de privatização dos museus vias as organizações sociais, as OS, a exemplo do que já tem em São Paulo. Mas a OS também tem problemas. O museu da Língua Portuguesa pegou fogo, o Memorial da América Latina pegou fogo, então não é uma questão de ser público ou privado, é uma questão da gestão e de ter recursos que deem conta das necessidades dessas instituições.
As medidas provisórias são um desastre, primeiro que elas desmontam toda a política pública de museus e desmontam um órgão que cuida disso. Se o argumento do ministro fosse correto – que o Ministério da Cultura deve centralizar todas as políticas culturais – então tem que acabar com todas as [organizações] vinculadas do ministério, como o Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) , a Palmares (Fundação Cultural Palmares), a Funarte (Fundação Nacional de Artes). Todas podem se extinguir pelo argumento que o ministro tem utilizado.
E o argumento que o ministro disse ontem foi que o incêndio do Museu Nacional ”foi uma janela de oportunidades” para fazer essas medidas. É um ato falho.
Ele falou isso no Ibram ontem numa reunião com funcionários. Isso não condiz com ser um ministro da cultura. É uma “janela de oportunidades” para tomar as medidas que eles estão tomando, que é acabar com o Ibram, diminuir a política, privatizar os museus. Porque no fundo a medida provisória é isso.
AF Rodrigues/Agência Pública
Incêndio consumiu a maior parte do arquivo do Museu Nacional
E porquê agora?
Foi por isso, por uma janela de oportunidades e por uma questão que eles queriam privatizar os museus. Agora é um absurdo eles fazerem isso três meses antes de terminar um governo e em pleno período eleitoral onde candidato que ganhar pode ser que não queira isso. O governo tá sendo autoritário desse ponto de vista, não está respeitando o que será o resultado eleitoral.
O que significa acabar com esse órgão?
Nós não temos mais política pública de museus. Não teremos mais os técnicos dando assistência aos museus de todo país, eles vão ser diluídos dentro do Ministério da Cultura, e não terá prioridade mais dentro do ministério sobre a questão do Museu. Isso é gravíssimo num país que tem 3800 museus.
Quais são os caminhos?
Primeiro que o setor está muito mobilizado em derrubar essa medida. A medida precisa ser votada no Congresso, então nesse sentido ainda tem etapas para serem cumpridas. E ao não ser votada, também, ela cai. Então é uma luta que nos próximos três meses. Todos nós vamos trabalhar e mobilizar muito. Aproveitando o momento eleitoral, mobilizar aqueles aos candidatos a deputado, candidato ao Senado, candidato a presidente, no sentido de tomar posição sobre essas questões que são fundamentais. Tem várias irregularidades nas medidas provisórias, várias inconstitucionalidades.
Quais são?
Uma é mexer com funcionário público em período eleitoral. Isso é proibido eleitoralmente. Não pode transferir funcionários durante o período eleitoral. Segundo é que tem vários itens que não levam em conta as leis, os tombamentos pelo Iphan, uma série de questões, porque abre para privatização dos acervos sem levar em conta os órgãos que são de preservação do patrimônio. Não é só o Ibram, vários acervos que eles estão mexendo são acervos federais, tombados pelo Iphan, então não poderia fazer uma coisa dessas, são patrimônios públicos mas de outra ordem. Tem uma série de ações que já foram apontadas para o governo. Tem até projetos de lei no congresso de criação do fundo de desenvolvimento dos museus. Medidas não faltam, mas esse governo não tem sensibilidade para elas.