Por Moara Crivelente.*
Ahed Tamimi, 17, foi liberada do cárcere israelense neste domingo (29), após oito meses presa por ter esbofeteado um soldado que invadira o quintal da sua casa, provavelmente ainda mais revoltada porque seu primo, de 15 anos de idade, havia sido alvejado na cabeça. Desde criança, como outras crianças palestinas, Ahed vive a resistência cotidiana. Sua família é engajada sobretudo na documentação da repressão aos protestos contra a colonização em torno de sua vila, Nabi Saleh, na Palestina ocupada.
O caso de Ahed já é considerado um dos maiores vexames do regime israelense na atualidade. A mídia de Israel cobriu seu caso com grande ênfase, destacando discursos extremistas e agressivos que revelam a profundidade de uma ideologia racista, opressora e fundamentalista entranhada no governo. Mas também foram veiculados inúmeros artigos de grande empatia à atitude da jovem, com significativo rechaço à ocupação e tudo o que ela acarreta, e não apenas na mídia alternativa israelense.
Mais de 8 mil crianças palestinas foram detidas e julgadas em tribunais militares israelenses desde 2000. Ahed Tamimi diz: “Devemos estender nossas lutas uns aos outros para acabar com todas as injustiças do mundo (…). Encorajo todos [os que são oprimidos] a continuar na resistência.”
Ahed tinha apenas 16 anos quando foi detida, pela madrugada, por vários soldados que invadiram e revistaram sua casa. Sua força e determinação inspiraram o movimento de solidariedade em todo o mundo e obrigaram aqueles que preferiam ignorar a situação da ocupação israelense na Palestina a se pronunciar.
Mas ao sair da prisão, Ahed transmite a mensagem mais importante da sua luta: enquanto os restantes palestinos e palestinas presos não forem libertos também, sua própria liberdade continuará incompleta. A jovem de Nabi Saleh já é considerada um ícone da resistência, uma alvissareira mensagem de reforço da luta nacional após tantas décadas de um impasse desolador, em que a colonização da Palestina por Israel impõe-se como fato consumado, com o patrocínio ou a conivência das grandes potências mundiais, sobretudo os Estados Unidos.
De acordo com a Addameer, organização nacional de apoio aos prisioneiros, há 5.900 palestinos e palestinas encarcerados/as, 449 deles/as em “detenção administrativa”, a modalidade de detenção herdada da colonização britânica da região e dos seus “regulamentos de emergência”. Nesta modalidade, as autoridades podem deter “suspeitos” sem apresentar acusação ou evidências, sem julgamento e com contato limitado à defesa, por períodos renováveis de seis meses.
Há casos de pessoas que passaram mais de cinco anos detidas assim. Aqueles que têm audiências ou julgamentos passam em geral por cortes militares, a menos que sejam cidadãos de Israel, o que não garante mais direitos.
Daquele total, hoje, há 291 menores de idade presos, sendo 49 deles/as menores de 16 anos. Há crianças tão jovens quanto Shadi Farrah, que foi detido aos 12 anos de idade, ainda encarceradas. Para revelar matizes importantes do plano de colonização, dados relevantes incluem o fato de 29% das crianças presas serem de Jerusalém, onde uma política de expulsão da população palestina é multidimensional.
No documentário “Infância Precária: Detenções de Crianças de Jerusalém” da Addameer, jovens contam sobre a invasão dos seus lares pelas forças de segurança israelenses, frequentemente pela madrugada, sua detenção, seu interrogatório e sua prisão. Ao todo, segundo Visualizing Palestine, mais de oito mil crianças foram detidas e julgadas em tribunais militares israelenses desde 2000.
O encarceramento da resistência é tática colonial conhecida, prática empregue com sistematicidade pelas potências coloniais ou ocupantes, como Israel. A esta estão aliadas a repressão brutal dos protestos, a perseguição e intimidação que envolvem a censura, a invasão de residências durante a madrugada, os confrontos nas vilas que protestam contra a colonização, a demolição dos lares de famílias inteiras como medida punitiva, a deportação, o bloqueio da Faixa de Gaza, as reiteradas ofensivas militares, enfim, a matriz opressiva em que sustenta a ocupação da Palestina por Israel ao longo das últimas cinco décadas.
E é por receio de ver tal estrutura abalada que as autoridades israelenses detêm Ahed Tamimi e tantos outras/os que ousam desafiá-las. Ahed já afirmou que sua resistência é irredutível e, em mensagem de solidariedade internacionalista, convocou as forças da paz e todos os povos oprimidos a reforçarem suas lutas.
*Diretora do Centro Brasileiro de Solidariedade aos Povos e Luta pela Paz (Cebrapaz)