Por Hylda Cavalcanti.
O Congresso Nacional, que começa efetivamente seus trabalhos em 2018 a partir de terça-feira (20), tem expectativa de ser marcado por um recesso branco, a partir do segundo semestre, em função das eleições, com uma produção mais baixa no plenário e nas comissões. Mas o resultado dos trabalhos do Legislativo federal em 2017 já foi visto como negativo por parte de analistas e cientistas políticos que avaliaram o balanço recente divulgado pelas mesas diretoras da Câmara e do Senado. No ano passado, a produção observada teve poucas diferenças em relação à de 2016, considerada de pouca qualidade em comparação a anos anteriores.
No total, foram incorporadas ao ordenamento jurídico brasileiro 169 normas, sendo 162 leis ordinárias, quatro emendas à Constituição e três leis complementares. “A sessão legislativa de 2017 foi uma das piores de todos os tempos por que, além de ineficaz do ponto de vista de aprovar proposições voltadas para o atendimento das necessidades do país, viciou os parlamentares numa prática descarada de fisiologismo”, afirma o analista político Antônio Augusto de Queiroz, diretor do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap).
Ninguém nega, porém, que o fato de 2017 ter sido um período turbulento, marcado por crises políticas, discussões, articulações e votações polêmicas contribuiu para esta performance. Principalmente depois de abril, quando os trabalhos da Câmara e do Senado passaram a ter discussões em paralelo sobre a delação premiada do empresário Joesley Batista – que gravou conversa tida com o presidente Michel Temer nos porões do Palácio do Jaburu.
O caso levou ao pedido, por parte do então procurador-geral da República, Rodrigo Janot, de abertura de duas denúncias contra Temer. “De julho a setembro o tema (denúncias) praticamente monopolizou as discussões e demais votações”, reconheceu o cientista político Alexandre Ramalho, da Universidade de Brasília (UnB). Ramalho lembrou que a votação da primeira denúncia aconteceu em 3 de agosto e a da segunda em 25 de outubro, o que serve como parâmetro do clima tumultuado com que trabalhou o Congresso ao longo período.
Destacaram-se, em função disso, tramitações de matérias seguidas de críticas, trocas de relatores em comissões e modificações de vários itens de propostas que vinham sendo discutidas mas tiveram seu teor alterado em função de negociações do governo com segmentos do empresariado, do agronegócio e de outras bancadas que pudessem ajudar a reverter a situação do presidente.
Propostas retrógradas
Também chamaram a atenção as votações polêmicas consideradas retrógradas para sindicalistas e movimentos da sociedade civil, como a da lei de terceirização (Lei 13.429/17), aprovada em 22 de março, que permitiu a terceirização em todos os ramos de atividades; a “reforma” trabalhista, em 11 de julho, que tem como base a prevalência do negociado sobre o legislado, entre outros pontos (Lei 13.467); e a reformulação do ensino médio, em 8 de fevereiro, que não foi bem acolhida pelo setor educacional.
Foi ainda objeto de críticas e considerada um dos pontos fortes da negociação do governo para blindar o presidente a aprovação do novo regime fiscal dos estados, em 24 de maio. O texto passou a permitir, nos acordos de renegociação das dívidas destas unidades da federação, autorização para privatização de empresas estatais dos setores de financeiro, de energia, de saneamento e outros, bem como adoção do regime próprio de previdência nos moldes do governo federal e redução de incentivos fiscais que causem renúncia de receita de, no mínimo, 10%.
Outro item ressaltado como negativo para o ano legislativo de 2017, conforme os analistas, foi a reforma política. Depois de muitas emendas, a proposta foi aprovada com muitos pontos fatiados, sendo que o principal escopo do texto, salvo exceções, vai valer apenas para as eleições de 2020.
De acordo com Antônio Augusto de Queiroz, os parlamentares terminaram o ano sem concluir a tramitação de propostas referentes à agenda fiscal, tão falada pelo governo. Em especial, a reoneração da folha, a tributação aos fundos fechados de investimento, e o aumento da contribuição previdenciária dos servidores – além da já mencionada reforma da Previdência.
A conclusão de entidades como o instituto Contas Abertas e o Diap foi que as propostas encampadas pelo Executivo foram conseguidas à base de estratégias como concessões, aprovação de emendas parlamentares e recuos no teor dos textos em apreciação, tais como anistias e renúncias fiscais. “Foi o ano em que imperou no Congresso a cultura do fisiologismo”, criticou Queiroz.
Quanto à origem, levantamento feito pelo Diap apontou que o material aprovado manteve a trajetória de ampliação da participação do Congresso na iniciativa de leis, superando, em termos quantitativos, o Poder Executivo. Das 162 leis ordinárias, 91 foram de iniciativa de parlamentares e comissões, sendo 64 da Câmara e 27 do Senado; 70 do Poder Executivo, sendo 31 oriundas de medidas provisórias, seis de projetos de lei (PLs) e 33 de projetos de lei do Congresso Nacional (matérias encaminhadas ao Executivo, mas que são votadas em sessão conjunta do Congresso por se tratarem de matéria orçamentária); uma, do Poder Judiciário.
Em relação às emendas constitucionais e às leis complementares, prevaleceu a iniciativa do Senado, autor das quatro emendas e de duas leis complementares, tendo uma sido de iniciativa do Poder Executivo. A Câmara não foi autora de nenhuma emenda ou lei complementar na sessão legislativa de 2017.
Como se tudo isso não bastasse, no ano passado, ao contrário dos anteriores, houve redução do número de proposições aprovadas conclusivamente pelas comissões técnicas. Das aproximadamente 100 proposições com possibilidades de aprovação conclusiva, apenas 10 destas não passaram pelo plenário, num claro esvaziamento do trabalho das comissões.
‘Ano difícil’
O presidente do Congresso, senador Eunício Oliveira (PMDB-CE), adotou postura mais otimista ao falar do balanço de 2017. “Chegamos ao final de um ano difícil com as prerrogativas constitucionais do Senado Federal respeitadas e asseguradas, o que foi feito não para garantir privilégios para seus membros, e sim para garantir a autonomia e a capacidade desta Casa em tomar as decisões mais adequadas ao interesse público”, justificou.
“Não me preocupam os números de produção legislativa, e sim a qualidade do que fazemos aqui. Por isso, a despeito de ter sido um ano em que aprovamos muitas matérias, vale que sejam ressaltadas as mais relevantes por seu mérito”, disse Oliveira, ao destacar as reformas política e trabalhista.
Ele também mencionou a aprovação da Medida Provisória (MP) 763/2016, que permitiu a continuidade dos saques das contas inativas do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), sem a carência de três anos exigida pela legislação anterior. E ressaltou a prioridade que foi dada à apreciação de matérias que seriam do interesse da maioria da população. Citou, como exemplo, os projetos de leis orçamentárias, apreciados em sessões conjuntas, que totalizaram mais de R$ 9,2 bilhões em créditos.
No total, foram realizadas no Congresso 11 sessões conjuntas para a apreciação de vetos e matérias orçamentárias e 14 sessões solenes, sendo três para a promulgação de emendas constitucionais. Ainda foram apreciados 46 vetos, totalizando 948 dispositivos vetados. Destes, 928 foram mantidos e 20 rejeitados.
Outra avaliação que chamou a atenção, desta vez feita pela Câmara dos Deputados, diz respeito à grande quantidade de medidas provisórias na pauta das duas Casas. A questão foi tema de discursos de resistência e queixas por parte do presidente da Câmara, deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ), no final de dezembro e que vem sendo foco inclusive por parlamentares da base aliada. O grupo considera o envio deste instrumento legislativo do Executivo ao Congresso um “instrumento autoritário”, conforme disse o próprio Maia.
De acordo com Queiroz, a forma de condução dos trabalhos e as negociações viciaram os parlamentares “numa prática descarada de fisiologismo”. “A ponto de o novo ministro da coordenação do governo estar condicionando a liberação de recursos aos estados ao apoio de suas bancadas à reforma da Previdência”, observou.
“O sentido do republicanismo e da impessoalidade no emprego dos recursos e dos poderes do Estado, na atual sessão legislativa, foi completamente ignorado. Com exceção da queda da inflação e das taxas de juros, é um ano para esquecer, sob todos os demais pontos de vistas”, acrescenta o analista.