Por Andreia Nobre.
Muito se fala atualmente sobre como podemos criar os nossos filhos a partir de agora para que não reproduzam comportamentos que são sabidamente prejudicais à sociedade, como o racismo, o preconceito de classe e o machismo.
Crianças não nascem com essas atitudes. Elas as aprendem gradativamente no meio social, seja através de maus exemplos perpetuados pela mídia, pela propaganda ou simplesmente por não se comportarem de acordo com os estereótipos de gênero estabelecidos e viver na pele marginalizações ou a agressões contínuas.
Não cabe apenas a nós, pais e mães, cuidar para que nossos filhos aprendam a ter respeito pelo próximo e por si próprios. Toda a sociedade deve ser responsável, e também ser responsabilizada por disseminar comportamentos violentos como se fossem naturais, necessários e formadores de caráter.
Toda a sociedade deve ser responsável por não disseminar comportamentos violentos como se fossem naturais
No âmbito familiar, podemos fazer todo um trabalho de formação que já começa com a chegada dos filhos. A divisão das tarefas domésticas entre os pais, em pé de igualdade, já um ponto de partida. Precisamos explicar aos nossos amigos homens o significado do conceito de “trabalho invisível“: aquelas tarefas do lar que acabam sempre relegadas às mulheres em relacionamentos hétero, mesmo que a mulher tenha um emprego e seja mãe. E também o conceito de tripla jornada: pessoas que trabalham, cuidam da própria casa e dos filhos na maior parte do tempo, enquanto o outro membro da família apenas trabalha fora.
Existem diferenças na criação de meninos e meninas que precisam deixar de existir, como relegar tarefas domésticas apenas para meninas e incentivar apenas os meninos a irem brincar na rua. E existem diferenças na criação de meninas e meninos que devem começar a fazer parte do nosso dia a dia de hoje em diante.
É preciso parar já, agora, neste momento, de impedir que as meninas se expressem de maneira afirmativa e sejam estimuladas intelectualmente, e de impedir os meninos de fazerem tarefas domésticas quando eles nos seguem pela casa querendo ajudar a botar a roupa na máquina de lavar, guardar os próprios brinquedos e usar o aspirador de pó. Toda crianca que passa algum tempo de qualidade com seus pais vai se oferecer para fazer algo, principalmente para terminar o trabalho mais rápido para que os seus cuidadores possam brincar com elas. Deixemos os meninos brincarem com as nossas panelas enquanto fazemos o almoco, ajudar a fazer um bolo. E deixemos as meninas brincarem de blocos de montar e chutar uma bola.
Não podemos mais, em pleno século 21, exigir das meninas que não joguem futebol, ou que meninos não façam balé. É doloroso para as crianças ver o seu próprio potencial se esvaindo porque a sociedade exige um papel específico para cada sexo. É doloroso para os pais também impedirem que seus filhos façam algo que amam para atender a expectativas que são, na verdade, absurdas.
É doloroso para as crianças ver o seu próprio potencial se esvaindo porque a sociedade exige um papel específico para cada sexo.
Ninguém que tenha consciência de como o sistema patriarcal é injusto realmente ensina, com todas as letras, meninos a serem agressivos para se afirmarem como meninos, e meninas a serem dóceis para se afirmarem como meninas. A sociedade já faz isso em todos os setores, portanto precisamos de novas táticas. Precisamos ajudar a formar uma nova leva de pessoas pensantes, ativas, que sejam multiplicadores de respeito mútuo e próprio.
A esperança é que essa geração que está agora nascendo já enxergue que há mais vantagens na justiça social do que o sistema atual em que vivemos. Que há espaço para crescer sem ter que pisar na cabeça do outro. Uma nova ordem mundial. Utópico? Mas é exatamente o que precisamos e é exatamente o que muitos pais já estão fazendo.
Em Nairóbi, no Quênia, escolas estão ministrando classes específicas para lidar com a violência masculina contra as mulheres, chamadas de Classes de Consentimento. As crianças já aprendem, no primário, ações positivas: aulas de defesa pessoal e de empoderamento para as meninas, que repetem para os meninos que “não é não”, ou que eles não podem tocá-las se elas não quiserem, e atividades onde os meninos aprendem a respeitar as meninas, masculinidade positiva e também a defenderem as meninas de agressões. Nos locais onde essas aulas são dadas, o estupro foi reduzido em 50%. E os meninos intervieram pelas meninas em 74% das situações.
Antes do programa de aulas sobre consentimento começar, muitos meninos disseram que era justo abusar de meninas que saíam em encontros caros, ou que usavam minissaias, ou que estavam andando sozinhas à noite. Mas bastou apenas seis sessões para que os meninos começassem a mudar de atitude. As classes fazem parte do programa da Fundação No Means No WorldWide (“Não Significa Não Mundo Afora”, em tradução livre). A iniciativa será levada em breve para todas as escolas de secundário em Nairóbi.
A mudança pode acontecer, e já está acontecendo. Então, se preparem para um mundo onde a intolerância dificilmente será tolerada.
Fonte: Casa da mãe Joanna