Por Luís Eduardo Gomes.
Reunindo apresentações musicais e palestras de professores universitários, o Centro de Professores do Estado do Rio Grande do Sul (Cpers) realizou nesta quinta-feira (26) uma Aula Cidadã e Ato Show na Casa do Gaúcho intitulados “Educação não é mercadoria. Eu defendo a escola pública e os trabalhadores em educação”. A categoria superou a marca dos 50 dias de greve nesta semana sem conseguir avançar nas negociações com o governo do Estado, que até o momento ainda não apresentou nenhuma proposta ao sindicato, segundo a presidente Helenir Aguiar Schürer.
“Nós comunicamos o governo agora que só nos chame se tiver proposta. Nós continuamos firmes na greve”, disse a presidente do Cpers. Ela ainda destacou que o objetivo do evento era “entender um pouquinho do que está acontecendo no Brasil” e mobilizar a categoria, que deve realizar uma nova assembleia sobre a continuidade da greve na próxima terça-feira (31). Helenir ainda saudou a importância de a categoria receber apoio da área cultural.
O ato começou por volta das 10h30, com uma fala do professor de Sociologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs) aposentado Benedito Tadeu César, que fez uma espécie de historiografia da educação pública no Brasil, lembrando que ela surge voltada para a educação das classes média e alta e, durante a ditadura militar, quando é aberto espaço para o ensino privado absorver essas camadas da população, relegando-a à educação das classes média-baixa e dos pobres, acaba iniciando um processo de desvalorização dos professores e sucateamento.
Benedito ainda ponderou que a escola pública vive um momento de ameaça que também é compartilhado pelo ensino superior. Ele destacou que, durante os governos Lula e Dilma, foram criadas 18 universidades federais e mais de 400 institutos federais, o que foi uma reversão das políticas educacionais do governo FHC, quando nenhuma instituição nova foi criada e congelou-se a contratação de professores e a ampliação de vagas. Segundo ele, com os cortes impostos pela emenda constitucional que estabeleceu um teto de gastos ao governo federal, estaríamos vendo um retorno aos anos 90 em termos de políticas de ensino superior.
Professora do Departamento de Astronomia do Instituto de Física da Ufrgs, Daniela Borges Pavani destacou que muito se fala publicamente em defesa da educação, da necessidade de valorização dos professores, mas que isso não é acompanhado de medidas na prática. Pelo contrário, a escola pública e o magistério são cada vezes mais desvalorizados. Daniela cita como exemplo a chamada Reforma do Ensino Médio, que permitirá que profissionais com “notório saber” ministrem aulas sem a necessidade de terem cursado uma licenciatura na graduação.
Ela ainda destacou em sua fala a necessidade de os professores manterem a esperança e acreditarem na mobilização da categoria mesmo em um cenário tão adverso. Ela destacou que foi graças ao crescimento dos movimentos sociais nos anos 1980, citando como exemplo a greve de 96 dias do Cpers durante o governo de Pedro Simon (PMDB), que foram possíveis os avanços sociais dos anos 2000. “Vivemos na esteira da desconstrução das esperanças, de que não existe alternativa para a crise que não seja o desmonte do Estado, mas precisamos resgatar a esperança”, disse.
Professora do Departamento de Letras Estrangeiras Modernas da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), Roseli Gonçalves do Nascimento fez uma apresentação em que elencou quatro ataques que a classe docente vem sofrendo no Brasil atualmente.
O primeiro deles seria um movimento anti-intelectual, de negação da pesquisa e ataques aos méritos da ciência, educação e arte, que teria como exemplo o crescimento de teorias estapafúrdias como o “terraplanismo”, mas também a desvalorização de Paulo Freire simultânea a emergência de Alexandre Frota como porta-voz da discussão sobre educação no País. “Estamos num momento em que opiniões têm mais peso do que anos de trabalho dos docentes”, disse.
O segundo ataque seria o movimento de manipulação que se utiliza do descolamento de palavras de seus sentidos, como seria o caso da Escola Sem Partido. Segundo Roseli, neste caso, utiliza-se uma ideia que pode ser considerada atraente, a de aulas sem pregação partidária, para que seja imposta uma educação que siga um manual de ideias conservadores.
O terceiro ataque seria a desprofissionalização da categoria docente por meio de discursos “aparentemente bem intencionados”, que tratam a carreira como um dom, vocação ou missão, mas utilizados para diminuir a necessidade de valorização dos professores e de que estes sejam tratados como profissionais. Ela citou como exemplo uma fala do jornalista Alexandre Garcia, no Bom Dia Brasil, da Rede Globo, em que defende justamente esta ideia.
O último ataque seria justamente o parcelamento dos salários, o que Roseli considera como uma “afronta à dignidade humana do docente”. “Quem sabe a gente ofereça pacotinhos de sensibilidade aos credores”, diz.
O Ato Show teve apresentações musicais de artistas como a banda Renascentes, Luso Neto, Chris Mitra, Duda Kalvin, Bagre Faundes, Wesley Além dos Muros, Márcio Tavares de Almeida e Iaiá Moraes. A juíza do trabalho Valdete Souto Severo também palestrou no evento. Ao final do ato, a expectativa é que seja realizada uma caminhada até o Palácio Piratini.
Fonte: Sul21