Fim de imposto sobre fortuna reforça Macron como “presidente dos ricos”

Por Lúcia Müzell.

Primeiro, foram as reformas de liberalização do mercado de trabalho, apontadas como favoráveis demais ao patronato. Agora, o presidente francês, Emmanuel Macron, decidiu acabar com um tributo que, durante quase 40 anos, simbolizou uma política de redistribuição de renda mais justa na sociedade francesa: o Imposto sobre Fortuna (ISF) está com os dias contados. A medida fez a imagem de “presidente dos ricos” colar em Macron, que se defende afirmando que o fim do tributo vai representar mais investimentos na economia do país.

O líder avalia que o imposto é nocivo para o clima de negócios na França, como se fosse uma punição para quem enriquece. Ele argumenta que, com mais dinheiro para investir, os ricos contribuirão para a abertura de empregos e a retomada do crescimento econômico.

A medida causa polêmica: não há consenso, entre os economistas, sobre os benefícios do fim do ISF para o restante da população. A França é um dos últimos países europeus a taxar a fortuna; a Suécia abandonou a prática há 10 anos.

François Bourguignon, especialista em redistribuição de renda e ex-vice-presidente do Banco Mundial, considera que o sistema fiscal francês continuará entre os mais igualitários do mundo.

“Certamente somos mais desiguais que os países nórdicos, mas somos mais igualitários que a Alemanha e vários outros países desenvolvidos. Fazemos parte do terço de países menos desiguais”, observa. “É claro que precisamos continuar lutando contra as desigualdades, mas não podemos dizer que estamos em uma situação dramática e terrível, em relação aos nossos vizinhos.”

4 bilhões de euros de “presente para os ricos”

O impacto nos cofres públicos não é banal: o Estado francês vai deixar de arrecadar quase € 4 bilhões com o fim do tributo. Mas Bourguignon ressalta que outras questões devem ser consideradas, na avaliação da eficiência desse imposto na construção de uma sociedade mais justa.

“Se o imposto tem efeitos negativos no investimento e no domicílio fiscal dos ricos, isso é um verdadeiro problema. É uma questão complexa”, reconhece o ex-diretor da Paris School of Economics. “É totalmente óbvio que o fim desse imposto vai beneficiar a classe altíssima da sociedade. Porém, ao longo do tempo, a medida pode trazer de volta empreendedores que tinham ido embora por causa do imposto, ou as start ups de sucesso podem se sentir mais tentadas a ficar na França em vez de partir para os Estados Unidos. É uma questão difícil de responder e não há bons dados disponíveis sobre o assunto.”

Fuga de milionários prejudica toda a economia – mas é contestada

O economista Jean-Marc Daniel, autor de “Les Impôts: histoire d’une folie française” (“Impostos: história de uma loucura francesa”, em tradução livre), é favorável ao fim do ISF para barrar a fuga de milionários da França. Ele explica que a taxação excessiva desestimula os empresários a expandir os negócios.

“Quem vai recuperar esse dinheiro não ganhou esse presente do governo; é dinheiro que eles ganharam, fruto do trabalho deles. E eles vão gastar esse dinheiro, de uma maneira ou de outra”, indica. “Se fosse pego pelo Estado em impostos, seria o Estado que gastaria. A primeira questão é se o Estado seria capaz de gastar melhor do que eles. A resposta não é tão óbvia. Os ricos vão usá-lo ou para o consumo, ou para investir, ou seja, é um dinheiro que será reinjetado na economia com toda a certeza.”

O economista Pierre Madec, do Observatório Francês de Conjuntura Econômica (OFCE), é mais cético sobre os efeitos da medida. Ele lembra que, somada a outras modificações no imposto de renda, Macron lançou um pacote que somará 5 bilhões de euros de vantagens aos ricos. Proporcionalmente, as reformas fiscais trarão menos benefícios às classes baixas.

Uma pesquisa publicada em setembro indicou que 53% dos franceses acham que política econômica atual favorece os ricos. Madec observa que, em troca do Imposto sobre Fortuna, os milionários não terão de dar nenhuma contrapartida.

“O governo não tomou nenhuma garantia sobre a utilização adequada desses 5 bilhões. Até então, o ISF tinha uma regra que era os pequenos e médios empresários poderem deduzir do imposto o montante investido em empresas. Isso vai acabar”, critica. “O governo não disse para os ricos que vai baixar o imposto, mas em contrapartida será preciso investir. Ele simplesmente confia que os ricos vão reinvestir – mas não tem certeza nem de que eles farão isso, nem de que farão na França.”

O famoso economista Thomas Piketty considerou o anúncio de Macron “um erro moral, econômico e histórico”. Ele analisou as estatísticas disponíveis e concluiu que a ideia de que os milionários abandonam a França por causa dos impostos é simplesmente falsa.

Fonte: CartaCapital

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