Por Elissandro Santana, Porto Seguro, para Desacato.info.
A Universidade Federal da Integração Latino-americana, criada durante a Gestão do Governo Lula pela Lei nº 12.189 de 12 de janeiro de 2010, atende aos princípios da Constituição Federal de 1988, dado que o Parágrafo Único do Art. 4 da referida Lei traz em seu bojo discursivo que a República Federativa do Brasil buscará a integração econômica, política, social e cultural dos povos da América Latina, visando à formação de uma comunidade latino-americana de nações, está sob o ataque governamental brasileiro, através da Medida Provisória nº 785, de 2017, uma Emenda Aditiva de autoria do Deputado Federal Sérgio Souza (PMDB/PR).
O Art. 2o da Lei nº 12.189, de 12 de janeiro de 2010, em consonância com a Carta Magna, menciona que a Unila terá como objetivo ministrar ensino superior, desenvolver pesquisa nas diversas áreas de conhecimento e promover a extensão universitária, tendo como missão institucional específica formar recursos humanos aptos a contribuir para a integração latino-americana, o desenvolvimento regional e o intercâmbio cultural, científico e educacional da América Latina, especialmente no Mercado Comum do Sul – MERCOSUL. Na contramão desses norteadores constitucionais, a Medida Provisória nº 785 altera esse objetivo, deixando de atender ao pressuposto de integração e criação de uma comunidade latino-americana de nações.
O Art. 2º da Medida Provisória, em baila, no governo temeroso, que busca desmantelar a Unila, desvirtua o objetivo constitucional de integração latino-americana ao mencionar que a nova instituição, UFOPR, terá como objetivo ministrar ensino superior, desenvolver pesquisa nas diversas áreas de conhecimento e promover a extensão universitária, tendo como missão institucional a formação técnica e social de recursos humanos aptos a contribuir para o desenvolvimento regional do Oeste do Paraná integrado com o desenvolvimento nacional. Tudo isso fere totalmente os norteadores constitucionais que deram consubstanciação à criação da Universidade Federal da Integração Latino-americana.
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A Unila, pela estrutura, localização e objetivos educacional-científicos voltados para a integração, desempenha papel constitucional relevante para a construção de uma identidade cultural latino-americana a partir dos trânsitos sócio-histórico-político-econômico-culturais entre os protagonistas de ensino-aprendizagem pertencentes a diversos países da América Latina na Fronteira Trinacional. A formação-construção-constituição dessa identidade na diáspora dialógica de sujeitos pertencentes a pluralidades de nações no caldeirão multicultural fronteiriço é importante para outros olhares e perspectivas sobre a integração regional, bem como sobre o desenvolvimento sócio-político-econômico em todo o Continente Latino-americano. Nessa linha de análise, cabe pontuar que a construção de uma identidade em Continente que dialogue com as identidades de cada povo e nação através de práxis críticas à luz de epistemologias próprias de um ensinar-aprender nos entrelaçamentos pedagógicos brasileiro-latino-americanos, que se distanciem das lógicas de aprendizagem arvoradas em epistemes eurocêntricas ou estadunidenses, é o cerne para uma América Latina UNA e, ao mesmo tempo, DIVERSA, a Pátria Grande.
Sabe-se que a integração cultural é passo importante e imprescindível para outras integrações, por isso, com a medida provisória em questão, caso se concretize, o Brasil que avançava nos processos de integração a partir de um centro acadêmico multicultural retrocederá constitucionalmente, haja vista que a integração com os povos latino-americanos, como mencionado, é um dos pilares basilares em nossas relações internacionais.
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É importante destacar que a Unila se contrapõe ao modus operandi de produção do conhecimento dependente cristalizado em instituições acadêmicas do Brasil e de outras nações do Continente Latino-americano. Ela se distancia da forma como, todavia, se constrói e se construía o conhecimento a partir do pensamento colonial. Dessa forma, por sustentar-se em práticas pedagógicas libertadoras não bancárias, caso a sociedade não desperte para a importância que assume esta universidade para a construção de um pensamento latino-americano, será desmantelada e dará lugar a uma instituição que não pensará a integração continental.
Para uma dimensão mais abrangente de como se dá a construção do conhecimento a partir somente de um design colonial do pensar, é oportuno recorrer ao que afirmam Pontes e Tavares no artigo “A Universidade Federal da Integração Latino Americana (UNILA): um estudo da inclusão da diversidade epistemológica numa perspectiva não hegemônica”: o mundo moderno, ligado à colonização, transformou a produção do conhecimento isenta dos contextos sociais, impondo um modelo epistemológico eurocêntrico e dominante aos países subdesenvolvidos. Deste modo, a cultura dominante e hegemônica, silenciou todas as culturas e formas de conhecimentos subalternos, dos povos colonizados, no processo de imposição de um modelo de racionalidade, além de um conjunto de valores morais, estéticos e religiosos. Resultante desse processo, a América Latina possui uma cultura que foi expropriada pelos colonizadores, determinando, a partir de pressupostos epistemológicos e axiológicos eurocêntricos, a configuração de toda a produção do conhecimento regional e local. Cabe destacar que a luta pela libertação dos povos na fase pós-colonial é um indício de um processo de desprendimento complexo e dependente da emancipação das consciências dos modelos imperiais de racionalidade que silenciaram os sujeitos.
Retomando a discussão acerca dos elementos motivadores que balizam o ataque do governo temeroso à Unila, é necessário externar que os pressupostos e pilares que alicerçam a Universidade Federal da Integração Latino-americana viabilizam a construção de uma epistemologia de pensar o Sul a partir do próprio Sul e isso incomoda governos neoliberais como o que está em curso no Brasil com forte ligação com os ideários e anseios do capitalismo imperialista estadunidense. A Unila como representação simbólico-concreta de que é possível integrar povos e culturas por meio da partilha de conhecimento para a descolonização e decolonização de saberes com vistas à consciência de uma América Latina integrada afronta a concepção político-econômica do governo brasileiro atual.
Na Medida Provisória nº 785 ou medida de desmonte da Unila, altera-se a Lei nº 12.189 para criar a Universidade Federal do Oeste do Paraná (UFOPR), o que, aparentemente, pode atrair o apoio da sociedade que, infelizmente, diante da conjuntura e ausência de visão holítico-histórico-política dos processos no Brasil, afunda em reacionarismos, nacionalismo exacerbado e xenofobia no que concerne aos irmãos do continente. Nesse ínterim, urge mencionar que ao passo em que a aversão aos irmãos latino-americanos existe no imaginário societário paranaense-brasileiro, ao mesmo tempo, parte do Brasil consegue em uma espécie de vira-latismo cultuar, a partir da dependência mental-econômico-cultural, as epistemologias do Norte. Com isso, tem-se que a arquitetura mental de parte do país se arvora em um nacionalismo covarde sob a ótica ingênua ou maldosa de que o Brasil deve crescer somente isoladamente.
Por fim, é imprescindível mencionar que o ataque à Unila, uma instituição que possibilita aos seus atores multiculturais de ensino e aprendizagem o poder do reconhecimento da identidade coletiva que se constrói para a integração e como tal fator opera a mudança na cultura local pela própria linguagem dos sujeitos em ação e atuação em espaços empíricos de transformações do ser local para a consciência do homem pertencente a um Continente, é fruto da dependência político-econômica de governos entreguistas que não sonham com uma América Latina forte e desenvolvida. Ao contrário, trabalham contra o continente a favor das potências imperialistas do Norte.