Um a cada três brasileiros tem medo da violência urbana nas ruas de seu bairro tanto quanto da Polícia Militar, que deveria remediá-la. É o que mostra pesquisa inédita do Datafolha sobre medo e percepção de segurança.
Realizado em 194 municípios do país, o levantamento apontou que 49% dos brasileiros têm medo de ser alvo de violência por parte da Polícia Militar e 60% têm medo de andar nas ruas da vizinhança depois do anoitecer. Um terço (35%), no entanto, tem medo das duas coisas.
A sensação de vulnerabilidade e a ideia de que não há a quem recorrer, dizem especialistas, promove isolamento, enfraquece a coesão social e favorece a busca individual de medidas de segurança, nem sempre lícitas e que não melhoram o quadro geral.
“O brasileiro hoje é refém do medo. Essas pessoas se sentem indefesas”, avalia Arthur Trindade, ex-secretário da Segurança Pública do Distrito Federal e professor da Universidade de Brasília, que estuda o medo do crime.
Segundo ele, o temor da polícia ou do crime não necessariamente estão ligados a uma experiência anterior de violência. Por isso, não necessariamente quem foi vítima de um crime ou de abuso policial tem mais medo que aqueles que nunca passaram por isso.
É o caso da ascensorista Cleide Luci, 49. Ela nunca sofreu furto, assalto ou qualquer outro crime, mas diz ter medo tanto de andar na rua de noite como da Polícia Militar.
“Moro perto de Perus [zona norte], um bairro violento onde acontece muita coisa errada. Fico sempre com receio de sair de noite”, diz.
“Ao mesmo tempo, a polícia me dá medo porque já vi ela agir com muita truculência na periferia. Se você estiver num determinado lugar e tiver certas características, já é suspeito”, avalia. “Os policiais que entram no elevador do meu trabalho, na região central, são sempre gentis. É muito diferente do que vejo perto de casa”, diz ela.
“Com isso, tenho medo de bandido e de polícia. Não sei a quem recorrer”, desabafa.
AMEDRONTADOS
Trindade explica que o medo e a insegurança são maiores entre pessoas de baixa renda –55% têm medo da polícia militar e 62%, de andar nas ruas de noite– porque vivem em bairros menos estruturados e mais vulneráveis.
Pretos e pardos também estão mais sujeitos ao medo pela questão de renda e, portanto, do local de moradia –57% daqueles que têm medo das ruas e da polícia são negros.
Idosos e mulheres completam o perfil dos brasileiros que mais são vítimas da sensação de insegurança.
“Enquanto o homem tem medo de sofrer um assalto na rua, no caso da mulher, soma-se a isso o medo da violência sexual”, explica. Registros oficiais contam 50 mil estupros por ano no Brasil.
É por isso que, enquanto 52% dos homens têm medo de andar na rua após anoitecer, entre mulheres o índice é de 68%. Entre quem tem medo das ruas e da polícia, 56% é do sexo feminino.
Segundo ele, o que diminui a sensação de medo é a confiança no vizinho, também entendida como coesão social, e a confiança nas instituições, caso das polícias –dois fatores distantes da atual realidade do país.
De acordo com pesquisa do Latinobarômetro de 2015, só 7% dos brasileiros confiam em seus pares (o menor índice da América Latina). Estudos brasileiros também apontam índices baixos de confiança nas polícias, em geral em torno de 30%.
POLÍCIA
Para Marcelo Nery, sociólogo do Núcleo de Estudos da Violência da USP, as altas taxas de mortes provocadas por policiais e a percepção de que sua ação é “um tanto aleatória e sem um padrão” aumentam a insegurança.
Nery cita a dramatização da violência feita por certos meios de comunicação aliada à falta de políticas claras de combate ao crime como uma combinação que potencializa a sensação de medo evidenciada pela pesquisa.
Para o coronel Álvaro Camilo, ex-comandante da Polícia Militar de São Paulo, a mídia é um ator muito importante na construção da sensação de insegurança.
Ele avalia que há muito desconhecimento em relação à polícia, o que dificulta sua maior aproximação da população. “A polícia precisa ser conhecida para ser acreditada. Com isso, ela obtém mais informação da população e, portanto, trabalha melhor.”
Renato Sérgio de Lima, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, aponta que os dados sobre o medo das polícias são estáveis pelo menos desde 2012.
“Os padrões de enfrentamento, a baixa capacidade de investigação e a crise do modelo federativo de segurança deixaram a população apavorada. Com isso, essas instituições não podem achar que estão trabalhando corretamente”, afirma.
Camilo admite que a polícia tem seu papel neste resultado. “O próprio policial muitas vezes não interage com a população. A polícia sofre com o estigma do regime militar, sendo que isso acabou e ela mudou há muito tempo”, diz o pesquisador.
Para Lima, a boa notícia é que 51% da população não tem medo da polícia, portanto, a reconhece como instância legítima de ordem e controle e de representação do Estado na detenção do monopólio de uso da força.
GATILHOS E EFEITOS
Trindade cita estudos que indicam que o que mais provoca medo no Brasil é o barulho de tiros, ao vivo ou no noticiário, seguido do assalto de rua e de incivilidades, como brigas e ameaças.
As consequências, diz ele, são múltiplas. Na saúde, o medo gera ansiedade, fobias e pânico. Na economia, atrapalha os negócios e o turismo, e eleva os gastos com segurança privada. Do ponto de vista urbano, isola as pessoas, que passam a usar menos a cidade, tornando-a mais perigosa.
“Quando o Estado não assume o protagonismo e não há política para o medo, as pessoas passam a tomar medidas que vão desde colocar caco de vidro no muro e ter um cachorro bravo até pagar milícias e contratar grupos de extermínio”, alerta.
Para Lima, do Fórum, a segurança precisa finalmente ser tratada como prioridade tanto pelo Executivo federal como pelos governos estaduais. “Vivemos uma crise de implementação. Só com pressão social as coisas serão transformadas e a política de segurança pública pode ser de fato posta em prática.”
Fonte: Compromisso e Atitude.