Por Kaique Pimentel.
Durante a primeira década do presente século, as ocupações de fábricas e a produção sob controle operário pareciam estar limitadas principalmente à América do Sul, com algumas exceções na Ásia. Fora da imaginação da maioria dos trabalhadores e acadêmicos dos países industrializados que poderiam ou gostariam de ocupar as empresas onde trabalham. No entanto, a crise iniciada em 2008 voltou a colocar o controle operário na agenda do hemisfério norte. No curso da atual crise, as ocupações de fábricas ocorreram em toda a Europa, especialmente na França, Itália e Espanha, mas também em outros países, incluindo a Suíça e Alemanha, e nos EUA e Canadá. No entanto, na maioria dos casos, a ocupação era um meio de luta e não um passo em direção ao controle dos trabalhadores. Em alguns casos melhor organizados, os trabalhadores alcançam suas demandas, em outras, as ocupações resultaram de indignação espontânea em relação ao fechamento de fabricas ou demissões em massa e as lutas se dissolveram sem resultados.
Em comparação com outros momentos históricos em que as aquisições de fábricas e o controle dos trabalhadores faziam parte de lutas ofensivas, as novas ocupações e recuperações se desenvolveram em situações defensivas. No entanto, isso tem sido real desde o ataque neoliberal contra os trabalhadores no inicio dos anos 1980. Como consequência da crise, as ocupações e recuperações são realizadas pelos trabalhadores como reação ao fechamento do local de produção ou da empresa, ou então da realocação da produção para um país diferente. Os trabalhadores tentam defender seus locais de trabalho porque tem poucas esperanças de um novo emprego. Nessa situação defensiva, os trabalhadores não só protestam ou se demitem; eles tomam a iniciativa e se tornam protagonistas. Na luta e no local de produção eles constroem relações horizontais e adotam mecanismos de democracia direta e de tomada de decisão coletiva. Os locais de trabalho recuperados muitas vezes se reinventam. Eles também constroem laços com comunidades próximas e outros movimentos.
Essas empresas contemporâneas controladas pelos trabalhadores quase sempre têm a forma jurídica de cooperativas porque é a única forma legal existente de propriedade coletiva e de administração dos locais de trabalho. Entretanto, geralmente, são baseadas na propriedade coletiva sem nenhuma opção de propriedade individual; todos os trabalhadores tem partes iguais e voz igual. É uma característica importante e distintiva que questiona a propriedade privada dos meios de produção. Proporcionam uma alternativa ao capitalismo, baseada essencialmente na ideia de uma forma coletiva ou social de propriedade. As empresas não são vistas como pertencentes a particulares ou grupos de acionistas, mas como propriedade social ou “propriedade comum”, gerida direta e democraticamente pelos mais afetados por elas. Em circunstâncias diferentes, isso pode incluir, a participação, junto com os trabalhadores, de consumidores, outros locais de trabalho ou mesmo alguma instância estatal.Os trabalhadores que controlam o processo de produção e são decisivos no processo de tomada de decisão, geralmente se convertem em agentes sociais e políticos, além do processo produtivo e da empresa.
1-Pilpa/La Fabrique du Sud(Carcassone, sul da França)
A Pilpa era uma fabrica de sorvetes com 40 anos de história situada em Carcassone, no sul da França. Pertencia à 3A, uma grande cooperativa agrícola, que produzia sorvetes para diferentes marcas famosas, inclusive para a grande redes de supermercados Carrefour. Em setembro de 2011 a fabrica foi vendida pela 3A por causa de dificuldades financeiras. A empresa compradora, R&R, pertencente ao fundo de investimentos Oaktree Capital Management, anunciou em 2012 que a Pilpa seria fechada e a sua produção realocada, gerando a demissão de 113 trabalhadores. Esses trabalhadores ocuparam a fábrica e iniciaram um movimento de solidariedade com o objetivo de salvar seu local de trabalho.
Os operários mantiveram vigilância de 24 horas para evitar que o proprietário entrasse na fabrica e removesse o equipamento. Em dezembro de 2012 os trabalhadores da Pilpa ganharam um processo declarando os planos de proteção ao trabalho e aos salários dos trabalhadores eram inadequados. Enquanto a R&R formulava uma nova proposta, 27 trabalhadores decidiram transformar a antiga Pilpa em uma cooperativa controlada e de propriedade dos trabalhadores chamada “Fabrique du Sud”(fabrica do sul).
No fim da primavera de 2013, a R&R finalmente foi forçada a pagar a todos os trabalhadores os salários devidos , entre outros valores, sob a condição da Fabrique du Sud não operar no mesmo mercado que a R&R.
2-Maflow/Ri-Maflow (Trezzano sul Naviglio, Itália)
A fábrica da Maflow, na periferia de Milão, pertencia à produtora de peças de automóveis Maflow. Como consequência da crise de 2008, foi submetida pela justiça à administração externa por causa da manipulação das finanças e falência fraudulenta. Os 330 empregados da fábrica de Milão, principal instalação da Maflow, iniciaram o processo para reabrir a fábrica e manter seus empregos
Em outubro de 2010, as fábricas do grupo Maflow foram vendidas ao grupo de investimentos polonês Boryszew. O novo proprietário reduziu a equipe para 80 trabalhadores. Mesmo sob essas condições ,a produção não foi retomada, e, em dezembro de 2012, o grupo Boryszew fechou a unidade da Maflow de Milão, e antes de fechá-la removeu a maioria das máquinas.
No verão de 2012, os operários já tinham feito estudos de mercado e decidiram pela criação de uma cooperativa para reciclagem de computadores, maquinas industriais e utensílios domésticos.
“Quando a fábrica foi fechada, em dezembro de 2012, os trabalhadores ocuparam a praça na frente da fábrica e em fevereiro de 2013, entraram e a ocuparam, junto com ex-funcionários e trabalhadores de uma empresa próxima, também fechada após um processo falimentar fraudulento
Em março de 2013, a cooperativa Ri-Maflow foi oficialmente constituída. A propriedade do imóvel da fábrica passou para o banco Unicredit, e após a ocupação o Unicredit foi impelido a concordar em não solicitar o despejo e permitir o uso livre do edifício aos trabalhadores.
3-Vio.me (Tessalônica-Grécia)
A Vio.me produzia cola industrial, isolantes e outros produtos químicos.
Após uma redução não negociada nos salários em 2011, feita baseada no argumento que os lucros tinham diminuído de 15 a 20%, os trabalhadores entraram em greve, e como resposta a essa mobilização, os proprietários simplesmente abandonaram a fábrica, deixando cerca de 70 trabalhadores sem pagamento. Em junho de 2011, os operários tomaram a decisão de ocupar a fábrica.
Em fevereiro de 2013 os trabalhadores da Vio.me retomaram a produção, e agora produzem produtos de limpeza orgânicos, mantendo uma rede informal de distribuição.
4-IMPA-Industria de Metal e Plásticos da Argentina (Buenos Aires-Argentina)
Fundada em 1910 por industriais alemães, foi nacionalizada durante o governo de Arturo Frondizi, e foi transformada em cooperativa ainda em 1961, quando estava prestes a fechar as portas. Naquela época a empresa era uma cooperativa formal e verticalizada e, no fim das contas, funcionava como sociedade anônima.
Em 1997 a situação era insustentável, os trabalhadores não recebiam os salários de forma adequada e ainda eram constantemente ameaçados de demissão.
Em maio de 1998, os funcionários ocuparam a fábrica, nomeando uma nova comissão diretiva. A partir de 1999 se iniciou o planejamento do centro cultural “La Fábrica Ciudad Cultural”.
Em 2001, foi declarada “bem de interesse cultural” pela prefeitura de Buenos Aires.
Hoje, a IMPA produz embalagens, bandejas descartáveis e outros produtos de alumínio, além de funcionar como centro cultural.
5 Flasko (Sumaré-SP-Brasil)
Até 2003, a Flaskô era propriedade da Holding Brasil, ligada ao grupo Tigre. A partir dos anos 1990, a HB acumulou dívidas e aumentou as demissões, até a falência em 2003.
Em 12 de junho desse mesmo ano, operários ocupam a Flaskô com apoio de trabalhadores das outras fábricas da Holding Brasil (Cipla e Interfibra).
Em 2005, os trabalhadores ocupam o terreno vago pertencente á fabrica, e criam a vila operaria e popular, uma ocupação de moradia, onde vivem 300 famílias, além de iniciarem o uso de dois galpões da fabrica para atividades culturais e artísticas.
A vida dos operários da fábrica não é de todo tranquila: a Flaskô sofre a ameaça de fechar a qualquer momento. Nos últimos 14 anos de ocupação foram diversos pedidos de leilões de máquinas e penhora de bens. A dívida já ultrapassa os 120 milhões de reais.
Os dirigentes da Flaskô acreditam que a dívida deveria ser cobrada de quem a gerou: a antiga gestão da HB.
A situação provoca indignação dos novos administradores da Flaskô. Eles alegam que a gestão patronal ficou 20 anos sem pagar esses tributos e o sistema tributário não conseguiu cumprir a função de reaver o dinheiro. “O rendimento mensal da Flaskô fica entre 500 e 600 mil reais.
No pátio da fábrica, são seis máquinas que realizam a confecção dos tambores plásticos. Na gestão da HB eram mais de 40, que foram sendo retiradas conforme a falência do grupo.
6- Cerámica Olmos (Montevidéu, Uruguai)
A fabrica de cerâmicas Olmos é a única fábrica de pisos, azulejos e cerâmicas sanitárias do Uruguai. Após 75 anos de funcionamento, faliu em 2009.
Já sabendo da grave situação financeira pela qual a empresa passava e cientes da possibilidade do seu fechamento, os trabalhadores se organizaram e se prepararam para resistir. Gerações inteiras da mesma família trabalhavam na empresa, que empregava principalmente os moradores do bairro de Empalme Olmos, que fica no departamento de Canelones, na grande Montevidéu.
Foram vários os passos trilhados desde a ocupação da fábrica até a sua reabertura. Primeiro se fundou, em 2010, a cooperativa dos trabalhadores, como explica Jorge, mas só no final de 2012, o juiz lhes concedeu o uso das instalações.
O segundo passo foi obter os recursos necessários para reativar a fábrica. A luta, neste caso, foi para alterar a carta orgânica do Banco da República do Uruguai e com isso permitir que a instituição pudesse financiar projetos autogestionados por trabalhadores.
A Olmos funciona 24 horas com três turnos de trabalho e mantém as 3 linhas de produtos já existentes (linha de cerâmicas de mesa, linha sanitária e a linha de revestimentos) e ainda agregou uma quarta linha de produtos, com a produção de tijolos para a construção civil.
Atualmente está produzindo aproximadamente 100 mil metros de revestimento por mês. Sua produção abastece o mercado interno e também já começa a retomar os contatos internacionais para a exportação, com clientes na Bolívia, Chile, Argentina e Estados Unidos.
6-Republic Windows and Doors/New Era Windows.(Chicago, Illinois, EUA)
A Republic Windows and Doors foi fundada em 1965 por William Spielman, e declarou falência em dezembro de 2008, e sua propriedade foi entregue a seus maiores credores, os bancos JPMorgan Chase e Bank of America.
Quando o Bank of America cortou a linha de credito da Republic Windows and Doors, trabalhadores do armazém da empresa em Goose Island perceberam que parte do equipamento estava sendo removido pelos credores e recorreram ao United Electrical, Radio and Machine Workers of America, preocupados com o fechamento da fábrica. O sindicato decidiu monitorar as remoções de maquinário, durante essas vigílias de monitoramento, delegados sindicais da Republic Windows and Doors traçaram a estratégia de ocupar a fábrica assim que houvesse o fechamento definitivo.
Em 3 de dezembro de 2008, os executivos da companhia anunciaram o fechamento da fábrica aos trabalhadores, já que no dia 5 de dezembro o Bank Of America cancelaria a linha de crédito da empresa.
Foram descobertos pelo sindicato, em arquivos públicos, documentos que demonstravam que os donos da Republic Windows and Doors teriam comprado uma fábrica não sindicalizada em Iowa, fato que gerou mais um processo contra os proprietários.
Em 2009, a luta dos operários da Republic Windows and Doors foi retratada no documentário “Capitalismo: uma história de amor” de Michael Moore.
Em fevereiro de 2012, após mais uma ameaça de fechamento imediato, os trabalhadores se associaram a organizadores do movimento Occupy em Chicago, e reocuparam a fábrica, mais uma vez, em maio do mesmo ano. Os trabalhadores formaram uma cooperativa e, após conseguir pouco mais de 500 mil dólares, compraram a fábrica. Desde então administram cooperativamente seu local de trabalho sob o nome de New Era Windows.
7-Gráfica Polo (Montevidéu -Uruguai)
A gráfica Polo está ocupada há mais de 70 dias por cerca de 30 trabalhadores que devido à iminente falência da empresa, resolveram ocupá-la e pautarem o pagamento de seus salários. Após diversos dias de luta, os trabalhadores (apoiados por sindicatos classistas e tendências combativas) conseguiram autogestionar a gráfica. Apoiam a luta dos trabalhadores na gráfica, diferentes sindicatos e movimentos. O último ato na fábrica contou com a participação de diferentes movimentos e organizações de classe, como o Sindicato de Artes gráficas de Montevidéu , o Sindicato do Táxi e a Resistência Operária Estudantil (ROE)
Páginas e notícias das fábricas ocupadas ou recuperadas:
Bibliografia:
An Alternative Labour history: Worker Control and Workplace Democracy, organização de Dario Azzelini.
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Fonte: El Coyote.