Por Luís Fernando Silva, advogado e assessor jurídico do Sindprevs/SC.
O Projeto de Lei do Senado (PLS) nº 204/2016 objetiva legalizar uma forma disfarçada de antecipação de receita para os entes públicos (vedada pela lei de Responsabilidade Fiscal), às custas do crescimento vertiginoso da dívida pública e do repasse ainda mais grave de recursos financeiros ao capital financeiro nacional e internacional, sendo imperioso lembrar que este esquema não está submetido ao limite de aumento dos gastos públicos de que trata a PEC nº 241/2016, o que dá bem a dimensão dos reais interesses representados pelo Governo Temer e pelos congressistas que lhe dão sustentação política.
Se o PLS nº 204 regulamentar a cessão de direitos creditórios originados de créditos tributários e não tributários dos entes da Federação, será legalizado o esquema que já vem funcionando há algum tempo, e que consiste na criação de Sociedades Anônimas (SA) pela União Federal, Estados, Distrito Federal e Municípios, como já ocorreu com a INVESTPOA (Prefeitura de Porto Alegre), a PBH Ativos (Prefeitura de Belo Horizonte), e a CPSEC (Prefeitura de São Paulo), para ficarmos apenas em alguns exemplos.
Complicado de entender, fácil para lucrar
As Prefeituras, os governos estaduais e a União têm uma grande quantidade de recursos financeiros a receber (em especial frutos de tributos não recolhidos), inscritos nas respectivas “dívidas ativas”, e como estas possíveis receitas gozam de um elevado grau de incerteza quanto ao efetivo recebimento, estes entes públicos repassariam seus “créditos” para as “empresas estatais não dependentes”, concedendo-lhes o direito de usar esses futuros créditos como garantia na emissão de debêntures, que nada mais são que contratos de empréstimo que a empresa lança no mercado, com o fim de atrair investidores.
Ocorre que em razão destes debêntures estarem lastreados na “dívida ativa”, cuja eficácia na cobrança não goza de bom conceito no mercado, como afirmado antes, é evidente que sua atratividade para o mercado dependerá da oferta de um bom “desconto”, que poderá chegar a algo em torno de 60% do seu valor original, enquanto os juros pagos permanecerão incidindo sobre o seu valor global inicial.
Para exemplificar melhor, tomemos em conta que um debênture tenha o valor de R$ 100,00, mas que em razão da sua origem seja necessário conferir-lhe um desconto de 50% para torná-lo atrativo aos investidores, que por ele pagarão, neste caso, módicos R$ 50,00. Este valor, então, constituirá forma de antecipação de receita para o ente público titular do crédito tributário.
A dívida fica para o povo e o lucro para o capital financeiro
Os juros que o ente público pagará por este “adiantamento de receita”, entretanto, incidirá sobre R$ 100,00 (e não sobre os R$ 50,00 que o investidor efetivamente dispendeu), podendo chegar a 23% ao ano, o que lhe assegurará ao “mercado”, num curto espaço de 2 a 3 anos, o retorno de todo o capital investido, sendo que a partir dali o investidor aguardará o final do contrato, para então receber os outros R$ 50,00 do valor do debênture que adquiriu.
A dívida ativa, contudo, continua na Prefeitura, no Estado ou na União, que permanecem responsáveis pela sua cobrança, de modo que os recursos que eventualmente venham a ser cobrados permanecem destinados ao ente público, já que o crédito não está sendo vendido, nem podem ser alteradas as condições de pagamento já estabelecidas para o crédito em questão. Ou seja, outro mecanismo para aumentar a dívida pública que já consome 47% do Orçamento da União.