Por Rui Daher.
O fato de o Brasil ter chegado, neste século, a uma potência agropecuária mundial deveu-se à extensão de seu território, às condições edafoclimáticas de sua posição geográfica e a uma vocação negocial e laboral secular, o que permitiu alta diversificação de culturas para os mercados interno e externo.
Enquanto perduraram os períodos extrativistas e monocultores, a agricultura brasileira era forçada a abrir portas e pernas ao comércio internacional, dominado pelo hemisfério norte que cedo se industrializou e agregou tais valores às suas ações imperialistas. Seus alvos estavam em nações sul e centro-americanas e africanas.
Aqui, exceto em raros períodos, pouco aconteceu através de ações de Estado planejadas e com vocação distributiva. O vetor negocial e empresarial foi realizado na raça e no peito, este, muitas vezes, fardado com a camiseta do Vasco, na faixa e em remelexos de gafieira, que assim são nossas leis quando simpatizam com alguém.
Tenho insistido. Para manter e expandir essa expressividade por mais algumas décadas, pelo menos até a eclosão da III Guerra Mundial, a agropecuária brasileira precisa firmar três posições: coragem para baixar custos com a inclusão de insumos naturais em seus manejos; priorizar a agricultura familiar para mais inseri-la no agronegócio; e defender a biodiversidade com unhas e dentes. De muito importante, nada mais, pois ou está feito ou não depende de nós.
São justamente esses os temas basilares da agropecuária que temos levado como Deus fez a mandioca, de qualquer jeito ou, quando não, dando-lhe formas que atendam interesses políticos paroquiais e geopolíticos externos.
O Aquífero Guarani, por exemplo. Para alguns estudiosos o maior manancial de água doce subterrâneo do planeta. Descoberto em 1996 pelo geólogo uruguaio Danilo Anton, é uma dádiva eminentemente “Mercosulina”, pois localizada em Brasil (69%), Argentina (21%), Paraguai (5%) e Uruguai (5%).
Com área total de 1,2 milhão de km² e capacidade de abastecer 400 milhões de pessoas, os 840 mil km² brasileiros espalham-se por oito estados das regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste. Seria de grande importância para a estratégia futura do País, certo? Não muito.
Há décadas, grandes conglomerados multinacionais se interessam em explorar trechos do manancial que atendem às suas posições logísticas e produtivas. Preocupados, em 2003, a Organização dos Estados Americanos (OEA) e o Banco Mundial criaram um fundo de apoio para Proteção Ambiental e Desenvolvimento Sustentável, e nele incluíram o Aquífero Guarani.
Recentemente, na levada que a política neoliberal sugeria no passado, agora oficializada por um golpe de Estado, alguns departamentos e técnicos da Agência Nacional de Águas (ANA), sob condição de anonimato, têm revelado a presença do aquífero em lista dos bens públicos privatizáveis. Claro que as folhas e telas cotidianas, apoiadoras do impeachment da eleita presidente Dilma Rousseff, não têm tratado do assunto, ocupadas que estão em arrecadar as generosas verbas de publicidade que mereceram pela “mãozinha” dada (sugiro a excelente matéria de Sergio Lírio na mais recente edição impressa de CartaCapital).
Em encontros reservados, o presidente empossado pelo golpe e grandes empresários discutem incluir concessões de até mais de 100 anos para exploração do Aquífero Guarani, dentro do Programa de Parceria e Investimento (PPI) do novo governo da velha camarilha. Nestlé e Coca-Cola estão na parada. Resta conhecer a posição do Ministério do Meio Ambiente, hoje comandado por Sarney Filho (PV-MA).
Governos brasileiros entreguistas agem da mesma forma que clubes de futebol quebrados. Vendem os principais craques ou as promessas do futuro.
Fonte: MST.