Por Elissandro Santana.
Em meu último artigo científico publicado na Revista Letrando “Sugestão de pesquisa em torno das ações insustentáveis e déficits socioambientais no turismo de Porto Seguro–Bahia”, para além de contribuir para a formação de futuros pesquisadores na área ambiental, apresento as principais ações insustentáveis e déficits socioambientais originados a partir do Turismo predatório na cidade.
Começo a discussão, mencionando que a tríade turismo, sustentabilidade e meio ambiente ocorre a partir de tensões frutos de contradições e convergências e que para a compreensão desses três elementos, é importante entender a complexidade da atividade turística praticada em um determinado meio ambiente, com seus capitais naturais e como tais recursos podem ser usados de forma sustentável.
Para fundamentar a discussão, prossigo externando que o turismo é uma atividade que possibilita o trânsito de pessoas, de cultura, de saberes e de geração de riquezas, por isso, conforme Coriolano, Leitão e Vasconcelos (2009, p. 29): “é um campo afeito a tensões e antinomias.” Essas tensões e antinomias, segundo os autores mencionados, encontram explicação no fato de que as imagens do turismo consolidadas ao longo do século XX produziram signos e símbolos impregnados de significados simultaneamente criativos e destrutivos. Tais antinomias são frutos, em parte, da própria complexidade das atividades turísticas, pois, segundo Ricco (2012, p. 167) o turismo: “(…) é um fenômeno extremamente complexo, dinâmico, que opera de múltiplas formas e nas mais diversas circunstâncias, sendo difícil apreendê-lo em sua totalidade por meio de uma única perspectiva teórica ou mesmo de uma única ciência.”.
Aprofundo a discussão, pontuando que essas antinomias e tensões aparecem em Porto Seguro, que possui no turismo a principal atividade para geração de riqueza e ancora-se na dinâmica do desenvolvimento econômico sem grandes responsabilidades socioambientais. A cidade alicerça-se em perspectivas exploratórias com a natureza, o que é paradoxal, haja vista que em vez de conservar e preservar os recursos naturais dos quais se serve, apropria-se, de forma inadequada, dos ambientes naturais e culturais. Essas apropriações propiciam insustentabilidades que vão desde a transfiguração dos espaços de lazer, dos espaços de cultura e história, concentração de riquezas, especulação imobiliária, segregações espaciais, degradação de matas ciliares ao longo de rios e riachos, depósito de resíduos sólidos em praias, despejo de esgotos no mar, destruição de expressões culturais e históricas, exploração da mão de obra, distanciamentos sociais e violência.
Continuo a discussão, apresentando o seguinte: Para a compreensão da complexidade das atividades turísticas na cidade, faz-se necessário entender as consequências das ações antrópicas em ambientes diversos, levando-se em consideração que elas ocorrem em áreas marinhas, lacustres e ecossistemas em geral. No que concerne à relação economia e meio ambiente, já que o turismo de Porto Seguro ocorre a partir desses dois pilares, é importante recorrer ao que afirma Braga et al. (2002, p. 226): A Economia ecológica constituiu uma reação àquilo que considera como insuficiência dos princípios-base da economia tradicional, em face da natureza dos processos ecológicos nos ecossistemas e na biosfera, que são determinantes do equilíbrio e da qualidade do ambiente. Na sua visão, a economia deve ser entendida como um subsistema (o subsistema econômico) originado da atividade humana, mas subordinado às leis fundamentais que regem os ecossistemas da biosfera.
Há pontos estratégicos para o turismo na cidade. Começando pelo centro, há a Passarela do Álcool, onde, diariamente, são armadas barracas para vendas de alimentos, bebidas e artesanatos locais, com a circulação de milhares de pessoas. Esse ponto turístico também é o local para a realização das festas mais importantes da cidade, com bandas e circulação de trios elétricos. O problema é que essa parte está localizada às margens do Rio Buranhém, que desagua no mar, e, após as festividades, são visíveis os impactos ambientais com a presença de resíduos sólidos como garrafas plásticas, de vidro e de metal no leito do rio. Na Orla Norte há grandes empreendimentos como barracas e hotéis com festas na praia, em que é possível verificar o acúmulo de resíduos sólidos e líquidos. Além desses problemas, vários rios e riachos desse perímetro estão contaminados com o despejo de esgotos e outros resíduos. Para piorar a situação, novos empreendimentos e condomínios são construídos nessa parte da orla a cada ano. Do centro de Porto Seguro para o Arraial d’Ajuda (outro ponto muito importante para o turismo) há a travessia de balsa pelo Rio Buranhém e tais embarcações são abastecidas às margens do próprio rio, o que demanda cuidado e política sólida de fiscalização ambiental, pois há o risco de contaminação da água com o vazamento de óleo. Do outro lado, há engarrafamentos na Estrada do Arraial até o Centro do Distrito e isso provoca, além dos ruídos que perturbam aves e outros animais da fauna local, poluição com o lançamento de CO2. Saindo do Arraial, há o turismo ainda mais luxuoso no Distrito de Trancoso e, nesse espaço, a natureza passa por um acelerado processo de desgaste, em que grandes hotéis são construídos e o distrito, por conta do sucesso econômico advindo do turismo, atrai um contingente de pessoas de outras partes do município e de outras cidades da região, ocasionando o crescimento urbano e populacional desordenado com o surgimento de bairros sem condições sanitário-ambientais.
Frente às condições socioeconômicas frágeis, os atores sociais envolvidos com o turismo desenvolveram práticas exploratórias do capital natural e essa concepção também aparece no discurso do turista que concebe a região como pacote-objeto a ser consumido. A partir do consumo/exploração, o que deveria ser espaço de troca cultural, histórica e convivência com a natureza, converte-se em relações depredatórias que vão desde a poluição de praias e rios com resíduos sólidos, à depredação de recifes em decorrência da presença não controlada de pessoas nessas áreas de ampla biodiversidade marinha, à irresponsabilidade de gestores públicos em relação a políticas de educação ambiental, além da ausência da aplicação de legislação ambiental, planejamento e zoneamento ambiental para a cidade.
Enfim, no trabalho em baila há material de análise para entender como o turismo tem interferido na dinâmica socioambiental da cidade.
Referências
BRAGA, B. et al. Introdução à engenharia ambiental: o desafio do desenvolvimento sustentável. São Paulo: Pratice Hall, 2002.
CORIOLANO, Luzia Neide M. T., LEITÃO, Cláudia S. e VASCONCELOS, Fábio P. Turismo, cultura e desenvolvimento na escala humana. In: CORRÊA, Maria Laetitia; PIMENTA, Solange Maria;
ARNDT, Jorge Renato Lacerda. Turismo, sustentabilidade e meio ambiente. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2009.
RICCO, Adriana Sartório. O turismo como fenômeno social e antropológico. In: PORTUGUEZ, Anderson Pereira; SEABRA, Giovanni; QUEIROZ, Odaléia Telles M. M. (orgs). Turismo, espaço e estratégias de desenvolvimento local. João Pessoa, PB: Editora Universitária da UFPB, 2012.
Elissandro dos Santos Santana, especialista em sustentabilidade, desenvolvimento e gestão de projetos sociais, especialista em gestão educacional, especialista em linguística e ensino de línguas, especialista em metodologia de ensino de língua espanhola, licenciado em letras, habilitado em línguas estrangeiras modernas, espanhol e membro editorial da Revista Letrando, ISSN 2317-0735
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Foto: Jackeline Gomes
Fonte: EcoDebate.