Maio avança e o povo francês segue mobilizado

nuit debout

Por Carmen Susana Fava Tornquist, Paris, para Desacato.info.

 A considerar pela mídia burguesa francesa os problemas do país atualmente envolvem a permanência do frio e as chuvas torrenciais, que retardam a tão esperada primavera, e, ainda, a alguns pequenos problemas de “bloqueio” causado por sindicalistas radicais, impedindo a compra de gasolina e dificultando a circulação de pessoas e mercadorias pela França.

Estes últimos problemas, todavia, tem ganhado cada vez mais espaço na vida concreta do país, pois a luta pela retirada da Lei do Trabalho simplesmente não pára de crescer. Articulando vários setores de subalternizados/as e indignados/as da sociedade francesa esta pauta tem galvanizado uma série de outros problemas sociais, e contado com a adesão de trabalhadores e trabalhadoras – assim como de jovens, desempregados, migrantes e aposentados/as. O que começou como protesto contra o desemprego e pela modificação desta lei, nos últimos dias passou a ser uma Greve Ilimitada, que não pára de crescer.

A chamada Lei do Trabalho, é também conhecida como Lei Gattaz-El Khomri ou Lei Valls- Gattaz, em referência aos seus idealizadores. – e idealizadora, pois (Myriam) El Khomri é uma mulher:  o presidente do MEDEF (Associação patronal) e dos atuais Primeiro Ministro e Ministra do Trabalho do governo socialista. A equipe de Hollande conta ainda com Emannuel Macron, Ministro da Economia e da Indústria, que afirma, em uníssono com os demais, estar atuando em prol do diálogo e da democracia – e contra o desemprego. Eles atribuem as causas da situação de impasse especialmente à CGT (uma das mais antigas e maiores centrais sindicais da França, dizendo que seus dirigentes são radicais, instransigentes e terroristas,além de serem os únicos responsáveis pelo acirramento do conflito. Macron, já em maio, emitiu a emblemática frase: “Sou um homem de esquerda, mas neste momento a esquerda não me agrada mais”. A sincera afirmação certamente cai muito bem ao governo como um todo, no qual, aliás, muitos trabalhadores – e sindicalistas – apostaram, nas últimas eleições. Fala-se que aquilo que Sarkozy disse que iria fazer, mas não teve coragem de fazer- mexer no Código de Trabalho – o governo socialista (que disse que iria defender), está a impor, agora.

A Lei do Trabalho envolve uma série de modificações formais nos direitos trabalhistas, alterando o Código de trabalho, conquista histórica da classe trabalhadora e que tem na França uma das principais referências. Todavia, é preciso considerar que a flexibilização das relações de trabalho –  a precarização das relações de trabalho – já ocorre há muito tempo, com ampliação de horas e dias de trabalho e alteração nas formas de contratação. Os contratos temporários (CDDs) tem crescentemente substituído os Contratos com maior estabilidade (CDIs), gerando maior instabilidade, estresse, adoecimento e competitividade entre colegas, revestido de formas ideológicas poderosas que dificultam a solidariedade e a organização de classe.

Um documentário chamado “Merci, patron” lançado no bojo destes meses quentes de inverno que não insiste em não acabar, mostra, em diferentes dimensões,  e de forma cômica  – pois trágica é a realidade – o quanto a vida dos trabalhadores está, há muito tempo, desgastada pelas políticas neo-liberais.

Na realidade A Lei Gattaz-Komhri/Loi Travail viria, neste contexto, a sacramentar e aprofundar a des-regularização em curso, no plano da lei, envolvendo processos de negociação, pagamento de horas-extra, aposentadoria, entre outros. Aprovada no parlamento, também em maio, com o desacordo de algumas poucos “representantes”do povo, – ela segue para o Senado, onde provavelmente terá o mesmo destino. Mas o governo já avisou que irá recorrer- se preciso- a um artigo da Constituição federal que prevê poderes especiais ao Executivo  no sentido de fazer prevalecer sua vontade face ao parlamente. Assim, o dito diálogo professado pelo Governo, no atual momento, revela-se pura retórica, mesmo do ponto de vista democrático-liberal, sustentado pelo PS.

Praticamente todas as centrais sindicais (além da CGT, são várias, hoje na França) discordam do processo e do  conteúdo da Lei, pois as críticas que foram feitas não foram contempladas no projeto. Hoje, entre as centrais, parece haver consenso pela retirada global da lei, embora no inicio do processo houvessem um ou outro que aceitasse mudanças pontuais. Retirada da lei era uma das palavras de ordem mais escutadas e lidas na ultima grande  manifestação , quinta passada,  em Paris.

 Em maio cresceram outros movimentos, especialmente protagonizados pela juventude – mas não só- como o NUIT DEBOUT, que tem reunido em praças, escolas e locais públicos, também em varias cidades do país, e de forma horizontal, para debater situações e relatar experiências de trabalho e do desemprego, feministas, LGBT, migrantes, de habitação alojamento, ecologistas, antinucleares, de educação popular. Em maio também, ocorreu a repressão aos ocupantes do Liceu Jean Jaurès, por ordem da Prefeitura de Paris, expressão de um serie de conflitos que envolvem moradia, xenofobia, fascismo, “airbnbização” e “uberização”, outros pontos que se relacionam aos novos movimentos do capital, e que começa a ser discutido com maior amplitude. Movimentos de migrantes refugiados e “sem-documentos” se somam às lutas e a um calendário comum, de grandes manifestações públicas, como as do primeiro de maio, e a do dia 26 de maio, este já com a greve já em curso.

O simbólico Maio francês, que alimenta memórias e esperanças, ainda hoje é, de fato, uma queda da braço entre sindicalistas e estudantes de organizações de esquerda real(anti-capitalista) e o governo socialista, cujos principais líderes – a começar por Hollande –  são hoje gestores e entusiastas do capital.

 A repressão das forças da ordem aos movimentos tem sido surpreendente, para os  parâmetros europeus, somando-se no mesmo diapasão às medidas de combate ao terrorismo que se espalham pelo país. Uma patética manifestação de policiais, reclamando do desprezo e da raiva de que tem sido também em maio, tendo tido, obviamente, amplo e entusiástico apoio dos setores de direita explícita, que, por seu lado, reclamam do governo, achando ser ele “mole” demais. A ideologia da modernização – tecnológica e legal – se manifesta junto à necessidade de ordem, e, portanto, da repressão.

 Mas se as movimentações de maio já preocupavam as forças da ordem- como se viu através da forte repressão ao Nuit debout, aos migrantes e aos sindicalistas – o que está atingindo, em cheio, o governo, é a greve., cujos principais pontos são as refinarias de petróleo, as centrais nucleares e as empresas de transporte (aérea e ferroviária), que envolvem uma séries de atividades e categorias, em varias regiões do país. Estes setores tem ampliado admiravelmente sua força, fruto de trabalho de base e de democracia sindical, e possivelmente se estenderão para além do maio que finda.

Foto: http://galliawatch.blogspot.com/2016/04/nuit-debout.html

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