Fora todos! O que pensa a “esquerda” que defende a saída de Dilma

Por Camilla Feltrin.

Enquanto o processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff (PT) avança no Congresso e o vice Michel Temer (PMDB) já comemora, movimentos de esquerda que torcem o nariz para o PT se mobilizam pelo fim do establishment. Em comum, esses grupos concordam que a reclamação de um possível “golpe” não passa de uma retórica petista para se manter no poder e que a possível destituição do partido simboliza também o início de uma (utópica) luta anti-capitalista.

O PSTU (Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado) alega ser “totalmente falso” o discurso acerca de um golpe no País já que “a maioria da classe operária e do povo está furiosa com o governo pró-imperialista do PT”, conforme nota emitida pela direção nacional da sigla, em março. O partido até realizou manifestações em 1º de abril clamando “eleições gerais” e “fora todos” em várias cidades do Brasil.

Cartaz com logo do PSTU. Foto: Guilherme Santana/VICE
Cartaz com logo do PSTU. Foto: Guilherme Santana/VICE

Para Ana Luiza de Figueiredo Gomes, candidata duas vezes ao Senado pelo partido em São Paulo, Dilma comanda um “governo indefensável” com cortes em programas sociais, repleto de corrupção e aliança com figurões como o deputado Paulo Maluf (PP) e o senador Fernando Collor de Mello (PTC). “É muito ruim a história de defender esse governo porque eles alegam que o que vem pode ser pior. Esta política de medo que é o que PT mais faz. Ficamos sempre entre o ruim e o pior, temos que construir outra história”, disse ao elencar tesouradas no Fies e Minha, Casa, Minha Vida. Ana Luiza destacou, no entanto, que o impeachment é “trocar seis por meia dúzia”. “Com Temer seria a mesma política aplicada hoje em dia, e seria um governo tão corrupto quanto ou até mais. Por isso pedimos a saída de todos.”

Candidata à presidência da República em 2014 pelo PSOL (Partido Socialismo e Liberdade), Luciana Genro prega que eleições gerais ajudariam a trazer uma calmaria para esta Nação de  ânimos exaltados. “O PSOL não vai votar a favor do impeachment porque é uma manobra da direita para levar o Temer ao poder e garantir que esses ajustes contra o povo, e em favor dos interesses do mercado financeiro, sejam efetivados com mais força. Mas também não fazemos eco ao ‘fica, Dilma!'”, disse em entrevista dada ao jornal Folha de S.Paulo. A visão dela não é consenso dentro da sigla, mas visão do MES (Movimento Esquerda Socialista), tendência interna. A Rede Sustentabilidade, partido recém-criado por Marina Silva que não é assertivo ao se classificar como “esquerda” ou “direita”, chegou a lançar a campanha “Nem Dilma Nem Temer, Nova Eleição é a Solução”, mas cinco dias depois passou a apoiar o impedimento da presidente. Antes de mudar de posição, os marinistas argumentavam que nem Dilma, nem Temer teriam legitimidade para tirar o Brasil do buraco político e econômico.

Uma greve geral seria o sonho de uma das principais lideranças da central sindical Conlutas, Antônio Ferreira de Barros, o Macapá, que preside do Sindicato dos Metalúrgicos de São José dos Campos (SP) para abalar o Sistema. “Defendemos também que a derrubada de Dilma e de todos os parlamentares deve ser pelas mãos da classe trabalhadora, por meio de uma greve geral”, disse ele condicionando que “todos os envolvidos em corrupção sejam proibidos de se candidatar”. A posição de Macapá contrasta com a da maioria das centrais sindicais, sobretudo a maior delas, a CUT (Central Única dos Trabalhadores) que organiza mais de dois mil sindicatos em todo o Brasil.

A realização de novas eleições de forma antecipada, no entanto, pode esbarrar com problemas legais. A Constituição até permite o adianto, segundo juristas, mas para o período de um ano após o determinado. Ou seja, a ideia de eleições gerais para daqui seis meses seria inviável a não ser que uma a cláusula da Carta Magna fosse alterada. E dá-lhe embate jurídico.

Foto: Guilherme Santana/VICE

Os partidos e grupos de esquerda críticos ao PT negam que estejam se alinhando aos interesses da direita, representada pelo MBL (Movimento Brasil Livre) e outras organizações que participam das manifestações em que a camisa da Seleção brasileira de futebol é traje obrigatório. O argumento é comumente usado pela base governista para criticar os dissidentes.

“Temos a avaliação que o governo do PT é uma representação histórica da traição à classe trabalhadora e não lamentamos o seu possível desaparecimento no cenário político. O PT é mais um partido burguês, assim como PSDB e PMDB, mas com um diferencial: o fortíssimo aparato sindical e de controle dos movimentos sociais”, disse Rodrigo Oliveira Antônio, militante do grupo Território Livre, que cola pasquins com a inscrição “Lula na prisão! Traidor da classe operária” nas ruas de São Paulo. O grupo estudantil MNN (Movimento da Negação da Negação), de orientação marxista, também deseja a saída de “todos os corruptos” e durante as eleições de 2014 espalhou cartazes com “Dilma = Aécio” e “PT = PSDB”.

Cartaz do grupo Território Livre. Foto: Guilherme Santana

Ainda na seara estudantil, manifestos de professores universitários “a favor da democracia” começaram a surgir nas redes sociais desde o ano passado à medida que os pedidos de afastamento de Dilma e renúncia foram intensificados pela oposição. De modo geral, os textos pedem que as instituições sejam preservadas e pedem atenção à atuação do poder Judiciário. Ligada a UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), a psicóloga e professora Vera Rodrigues se negou a assinar um desses documentos dedicado “à comunidade acadêmica internacional”, traduzido para inglês, espanhol, italiano, francês e árabe.

Ela explicou os motivos nas redes sociais em 12 tópicos, entre eles que “não há vítimas nessa história, além da população lesada” e que os eventuais excessos do juiz Sérgio Moro, responsável pela Operação Lava Jato e com ações criticadas até por ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), “não eliminam o conteúdo, nada republicano, do que foi divulgado”. “As denúncias do senador Delcídio Amaral, sobretudo aquelas relativas aos meandros da construção da maior aberração desse governo, a hidrelétrica de Belo Monte, precisariam ser rapidamente investigadas. Se comprovadas, o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) teria elementos suficientes para cassar a chapa (Dilma/ Temer)”, falou ela, em referência a delação premiada do senador afastado do PT a respeito do possível desvio de verba da construção da usina para abastecer campanhas políticas do PT e PMDB. O ex-presidente da empresa Andrade Gutierrez confirmou desvio de R$ 150 milhões, grana enviada para as duas siglas. O governo nega.

Foto: Guilherme Santana/VICE

Vera relata que seu posicionamento foi muito bem aceito pelos pares e que se surpreendeu com os mais de 700 compartilhamentos da resposta na internet. “Isso indica que muita gente não se identifica com nenhum lado da polarização. Muitas pessoas escreveram isso quando divulgaram minha resposta, inclusive. É um sinal de que podemos pensar o país por outros caminhos.”

Até pouco tempo, a psicóloga usava a frase “que se vayan todos”, no perfil do Facebook. A frase em espanhol (“que saiam todos”, na tradução literal) foi grito de guerra durante a crise argentina no começo da década de 2000, que culminou com a renúncia do presidente Fernando de La Rúa, especificamente em dezembro de 2001, após grande pressão popular para resolução de uma violenta crise econômica.

E na ocasião, foram todos embora mesmo.

Sem de La Rúa, os argentinos tiveram cinco presidentes em menos de duas semanas. Ramón Puerta, Adolfo Rodríguez Saá e Eduardo Camaño “governaram” por dias até a escolha de Eduardo Alberto Duhalde, eleito de forma indireta, e que diante dos ânimos exaltados dos hermanos — incluso aí até saques em supermercados —, antecipou as eleições e abriu as portas para o kirchenisrmo ficar 12 anos no poder.

Fonte: Vice

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