Por Débora Mabaires, de Buenos Aires, para Desacato.info.
Em 24 de março completam 40 anos do último golpe de Estado na Argentina. Essa fatídica noite de 1976, em que o chumbo e o sangue suplantaram as leis; submergiu nosso país nas profundidades do inferno mais tenebroso, esse em que não existem advogados, nem testemunhas. Os desaparecimentos forçados, os campos de concentração, as torturas, os assassinatos, o roubo de bebês, o roubo de bens, tudo acontecia com a cumplicidade dos meios de comunicação e do poder judicial.
Toda a maquinaria macabra desse Estado fraudulento foi posto à serviço das grandes corporações econômicas. Enquanto o povo perdia direitos ou a vida um grupo de empresários se enriquecia. O clã Macri, por exemplo, em 1976 possuía 6 empresas. Em 1982, ao término da ditadura, possuía 47 e todas poderosas.
Quem hoje é presidente, Maurício Macri, era então um jovem diretor da empresa Sevel, criada da fusão das automotivas Fiat e Peugeot. Foi esta empresa que triangulava a compra de armas que a ditadura usaria em 1982 para a Guerra das Malvinas, essa em que os militares profissionais se esconderam em suas casas e mandaram às ilhas os jovens recrutas de 18 anos com 3 meses de instrução militar e sem apetrechos, para lutar com uma potência bélica mundial.
Documentos desclassificados do Departamento de Estado dos Estados Unidos mostraram ao mundo que o presidente desse país, Henry Kissinger, colaborou ativamente com as ditaduras da região. E o Fundo Monetário Internacional proveu a ditadura argentina com 127 milhões de dólares apenas 3 dias depois que derrotaram o governo constitucional.
Antes de deixar o poder, o governo militar, estatizou as dívidas privadas destes empresários escravizando várias gerações de argentinos para pagar uma monumental dívida externa. Entre os beneficiários, se encontravam as empresas do Grupo Macri. E alguns dos funcionários da ditadura, hoje são parte do governo.
Da dor pessoal, somando suas individualidades, mães e avós das vítimas do terrorismo de Estado, conseguiram construir um caminho, reconhecido em todo o mundo por sua luta pela busca legal de justiça.
Elas foram à Praça de Maio, em 1977, pela primeira vez, sozinhas, e pararam frente à Casa Rosada, com uma fralda de seus filhos atado como lenço, sobre a cabeça. Estávamos em estado de sítio, e qualquer reunião com mais de 3 pessoas deveria ser desfeita. A polícia lhes disse: “Circulem, circulem”. E para não saírem, mães e avós começaram a marchar em círculos ao redor da pirâmide que adorna a Praça. Cumpriam a ordem e, ao mesmo tempo, manifestavam sua queixa. Nunca mais detiveram sua marcha.
Acumulam 40 anos marchando cada quinta-feira, pedindo respostas. Buscam seus filhos, buscam seus netos. Exigem justiça a cada um dos governos que passam. Todos os presidentes as receberam para escutar suas súplicas.
Maurício Macri disse, literalmente, que não as receberia por que não teria tempo. Estava ocupado recebendo Rafael Nadal e os Rollings Stones. Mas alguém o fez mudar de opinião: o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, que avisou que visitaria a Argentina nos dias 23 e 24 de março.
A operação de imprensa para informar isso ao povo argentino começou um dia antes do anúncio da visita, quando sem que estivesse na agenda presidencial, e sem aviso prévio, Maurício Macri se apresentou no Espaço da Memória, ex-ESMA (Escola Superior de Mecânica da Armada), lugar emblemático, que havia sido um centro clandestino de detenção, torturas e nascimentos.
Essa surpreendente mudança de atitude, trata de suavizar a situação, por que a cada 24 de março, o povo argentino acompanha às mães e avós, às vítimas e aos organismos de Diretos Humanos em uma multitudinária manifestação na Praça de Maio.
E para ir forjando a ideia a nível mundial; o presidente dos Estados Unidos disse que vem felicitar Maurício Macri por “suas contribuições na defesa dos direitos humanos na região”.
Estas declarações são uma afronta aos argentinos, já que em nosso país, faz dois meses, voltaram a haver presos políticos: a dirigente social Milagro Sala, presa há 37 dias; 7 mulheres que manifestavam contra suas demissões em Salta; e dois homens presos por manifestarem-se em Mendoza. Todos foram detidos e logo foi inventada uma causa penal.
A polícia foi habilitada a disparar nos manifestantes com o novo Protocolo de Segurança que viola as leis vigentes e os tratados internacionais.
A censura exercida a meios de comunicação e as políticas econômicas que está levando a cabo retiram dos argentinos vários dos Direitos Humanos.
E na quinta-feira passada, as forças de segurança, por ordem do Presidente Macri, cercaram a Praça de Maio, e tentaram impedir, pela primeira vez, a marcha das Mães da Praça de Maio.
Como aquelas mulheres, os argentinos também caminham em círculos pela história.
Os herdeiros e beneficiários da Ditadura de 1976 ocupam hoje, democraticamente, a Casa Rosada.
Pela primeira vez, em 24 de março, o povo unido, marchará para exigir justiça, aos culpados do genocídio, o verdadeiro poder por trás dos militares de 1976 e o povo virará a cara aos responsáveis de tanto horror, tanta morte e tanta fome.
Davi solitário, enfrentará ao Golias das corporações, que vestido com retalhos de mentiras, esfomeado e armado até os dentes, alimentado desde o estrangeiro, tenta impor, novamente, sua ditadura econômica na região.
O povo argentino, sem imprensa, sem armas, e com todas as apostas contra, acompanhará uma vez mais as mães e avós, e marchará o 24 de março na Praça de Maio para manter viva a memória, para buscar a verdade e para exigir a justiça.
Os argentinos seguirão caminhando.
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Tradução: Thiago Iessim, para Desacato.info.