Por Victor José Caglioni, para Desacato.info.
Uma das premissas de filosofar está na comunicação do pensar, usualmente dividida pela forma interna (pensamos sozinhos) e externa (conversamos com os outros). É bem provável que o filosofar seja algo como a interseção entre essas possibilidades (deixamos em aberto essa possibilidade, afinal trata-se da premissa filosófica o questionamento, e dele já surgiu e haverá de surgir novidades sobre “O que é filosofar?”).
Quando nos é trazido à tona o tema, filosofar no contexto escolar, nos deparamos com alguns fatores institucionais e estruturais (da forma com que o nosso mundo tomou corpo) que inevitavelmente, torna essa tarefa o que podemos chamar de “Desafio”.
Tomando como base pensadores como Susan Gardner, David Bohm e contribuições diversas de vertentes do pensar da psicanálise e da filosofia referencialmente densa (Nietzsche/ Foucault/Deleuze e o semiólogo Fabbri), consideramos que a fala – o diálogo – pode desencadear ou representar muito do pensar e claro da possibilidade de filosofar.
A filosofia, com sua premissa reflexiva, inevitavelmente deve ser “aberta” a ouvir, ainda que seja necessário dar um sentido de “caminho” ou de “processo”, quando pensamos em filosofia investigativa na educação, aquela não meramente historicista-teórica. Afinal o filósofo que assume um posicionamento fechado em si mesmo deixa de praticar a filosofia.
Emerge então um filósofo que cria um processo de estruturas dialógicas, onde aquele que coordena – professor, coordenador – assume um papel de contínua busca pela verdade, segundo Susan Gardner (1997), para não tornarmos as aulas de filosofia apenas conversas aleatórias.
No entanto, ponderamos que a verdade pode ser entendida como algo construído e com três possibilidades plausíveis em um diálogo: “Verdade do Eu”, “Verdade do Outro” e a “Verdade Real”. Assumimos assim a postura de Jiddu Krishnamurti e Steve Hawking de que o pensamento é limitado e inevitavelmente gera conflito.
Assim é preciso identificar o tipo de pensamento que é recorrente em um espaço e tempo, o que o termo alemão Zeitgeist consegue contemplar como “espírito do tempo”.
Essa limitação nos conduz ao fato de que a filosofia deve funcionar como uma possibilidade de expansão do Ser Humano, enquanto portador de Inteligência. O mestre, coordenador, professor assume o papel de abrir caminhos para que a investigação possa ser de fato algo real, e o faz através de processos dialógicos e investigativos.
A intervenção por parte do mestre-coordenador-professor, não visa torná-lo portador de um conhecimento fechado em si mesmo, mas sim, defensor dessa possibilidade de expansão, não com a postura de autoridade tradicional, mas com a postura de uma autoridade construída pelo reconhecimento do grupo de que o mesmo é portador de uma pulsão-vontade-desejo (vide “n” teorias que a nomeiam de diferentes formas) emanado por esse que impulsiona o investigar, ou seja, tornar o cotidiano estranho aos olhos do outro para que haja reflexão.
Esse estranhamento, esse diálogo interno e externo, segundo nossas bases referenciais gerará conflito, no sentido daquilo que é comumente nomeado “Mal estar na Educação”. Que embora assuste, porque implica a todos os envolvidos, é gerador de reflexão. A humildade que essa visão solicita daquele que designa o processo aberto às possibilidades “fora do script” torna a filosofia uma espécie de Deusa Vênus entre as formas de conhecimento, vaidosa e voluntariosa, que simboliza o lado do ser humano que anseia pela beleza e pela admiração-reflexão, mas também pelo amor.
A investigação como mola precursora de um mal estar, de um conflito, de uma relação dialógica, faz da filosofia com crianças e adolescentes mais que mera conversa. O desafio está em estruturar essa possibilidade dentro das instituições de ensino, espaço e tempo da sala de aula (um limite físico resultado do atual Zeitgeist). Assim a audácia em filosofar, especialmente com crianças e adolescentes, torna a possibilidade do Ser Inteligente, minimamente mais próxima da realidade.
Considere referências para o texto:
FOUCAULT, Michel. Arqueologia do Saber. Tradução: Luiz Felipe Baeta Neves. Florense Universitária. 2008. 7ª Edição.
NIETZSCHE, Friedrich. Ecce Homo: Como se chega a ser o que se é. Tradução Arthur Morão. Coleção textos Clássicos da Filosofia. LusoSofia. 2008.
GARDNER, Susan. Investigação não é mera conversa. IN: A filosofia e o Incentivo a Investigação Filosófica. Coleção para o Pensar. Centro Brasileiro de Filosofia. 1997. Volume IV.
SALES, Alessandro. Gilles Deleuze: breve prelúdio a uma filosofia. Revista Ciências Humanas. EDUFSC. 2004. Nº 36. P.289-298.
J.Krishnamurti e David Bohm – O Pensamento é Limitado – 1º Diálogo https://www.youtube.com/watch?