Por Patricia Zaidan.
Nunca tinha ouvido falar em casamento infantil no Brasil até 2013. Fiquei estarrecida. Como podia ser verdade? Supunha que fosse uma realidade da África Subsaariana ou do Sul da Ásia, onde fome ou tradições e ritos se impõem. Quem deu a informação foi a assistente social Neilza Buarque Costa, da ong Visão Mundial, ao debater o documentário Girl Rising (Richard Robbins), segundo o qual 66 milhões de meninas estão fora da escola, em todo o Planeta, e uma das razões é o matrimônio precoce. Mas eu imaginei: se tem aqui, deve ser uma situação isolada num rincão profundo.
Por dois anos não me saiu da cabeça um caso da Paraíba, que Neilza contou à plateia: um homem queixou-se à sogra, porque sua mulher, de 12 anos, nunca estava em casa quando ele chegava. Passava as tardes brincando de boneca com a filha da vizinha, deixava a roupa sem lavar, a cozinha suja… Comecei a pesquisar. Tive notícias de tantas adolescentes se submetendo a um marido violento, com dois ou três filhos nos braços. E de homens – alguns com mais de 40 anos – que adoram casar com menininhas firmes de carne e a quem eles podem moldar o caráter.
O tema passou a me doer. A reportagem “Noivas Meninas” está nas bancas, na edição de janeiro, de Claudia – um fôlego que juntou o fotógrafo Victor Moriyama, a estagiária Gabriela Abreu e eu. A primeira descoberta: não se trata apenas de casos em um grotão perdido. O casamento infantil ocorre na maior economia brasileira – a cidade de São Paulo -, na região metropolitana de Curitiba, no Tocantins, em Minas, nas capitais do Pará e Maranhão… Difícil descobrir onde não tem. Hoje, 554 mil garotas de 10 a 17 anos são casadas, calcula um estudo do Instituto Promundo, com base no IBGE, publicado em setembro passado. Como a lei considera crime o sexo com menores de 14, mesmo que consensual, a maioria das uniões é informal. Ainda assim, em 2013, Campo Grande casou no cartório o maior número de brasileirinhas. Partimos atrás de uma amostra nacional. O texto começa assim:
“Catingueiras magricelas e peladas, sol forte, uma cabrita, um bode e algumas galinhas são quase tudo que Ivonete Santos da Silva, 14 anos, vê ao longo do dia e por semanas a fio. Mãe de Rayslani, 1 ano, ela dorme cedo. A casa de taipa onde vive, no sítio Lagoa Nova, em Inhapi (AL), a 289 quilômetros da capital, Maceió, não tem lâmpadas nem TV. Ivonete juntou-se aos 12 anos com Sislânio Silvério, 21, seu primo. Deixou a escola sem aprender a unir as letras: “Era aperreio demais, tudo acontecia na hora do almoço, tinha que fazer comida, me arrumar, sair para estudar”. Não se arrepende. “Só quando estou bem estressada, limpando a casa, e a menina acorda chorando, penso: ‘Meu Deus, o que eu fiz?’ ” Ainda assim, considera que está melhor do que no tempo em que vivia na casa materna. “Um dia, saí calada, o povo estava todo lá pra dentro. Fui embora com Sislânio.” Ele trabalha na roça. Quando tem roça. Há cinco anos, o sertão enfrenta uma seca bruta; a terra está tão dura que é impossível plantar. Na única panela, no fogãozinho de barro, há feijão. Ivonete não faz planos, não pronuncia desejos – pelo menos a estranhos que invadem sua rotina -, mas responde como se sente: “Não sei direito. Sou um pouco mulher, pequena demais, meio criança também”. Quando fecha os olhos, do que se lembra? “De mim desenhando pé de maçã, árvore de morango.” Mesmo que morangos amadureçam a não mais que 30 centímetros do chão, era esse seu deleite na sala de aula. Queria ser professora, acha que não dá mais tempo. “Espero que minha filha case bem tarde, só com 17 anos, e não engane a escola para aprender tudo bem direitinho”, diz.
Depois de Inhapi, percorremos Canapi (AL), Colombo (PR), e uma das maiores favelas do país, Heliópolis – não haveria nenhuma dificuldade de encontrar meninas casadas nessa comunidade paulistana. Enquanto Victor fotografava, ali, Thainá Darri, 17 anos, casada desde os 15, dezenas de meninas iam se juntando para saber o que fazíamos. Dei a pauta e elas quiseram saber porque tanta curiosidade sobre algo tão comum. Várias, entre 14 e 16, carregavam um filho.
Thainá é um caso diferente, tem uma consciência política clara, é feminista, está no conselho do meio ambiente da região e é a única das entrevistadas que concluiu o segundo grau. Acabava de receber o resultado do laboratório – positivo para gravidez – e decidiu adiar os planos de fazer uma faculdade. No seu discurso, me chamou a atenção a explicação para seu casamento aos 15: queria privacidade com o namorado e, de certa forma, proteção. “Aqui, as meninas se jogam no funk, bebem e nem sabe quem é o pai do filho delas. O casamento me poupou disso.”
Mãe de Michel Júnior, casada em Canapi desde os 14, Ana Clara dos Santos, 16, fugiu de casa para ficar com seu amado, Jaílson de Oliveira, na época com 16. Duro para ambos é deixar o bebê aos cuidados da mãe de Ana, porque eles não têm condição financeira de criá-lo. A alagoana Jamille Henrique ganhou, aos 14, uma aliança e se viu livre da lida pesada com seus oito irmãos, além do jugo do pai alcoólatra. Embora tenha em Marcelo um parceiro divertido, e com quem gosta “de brincar e de fazer sexo”, seu semblante é triste e sua concepção sobre a vida de mulher, medonha: “Todas apanham. Não acho bom, mas é o que acontece”.
Monique Barbosa, aos 15, parece uma madonna, de Michelangelo, com sua Maria Clara sempre a tiracolo. Essa Pietá de Colombo (PR), queria ser policial, mas desistiu, está fora da escola, cansada dos afazeres domésticos e do ciúme do marido. Na mesma cidade, Joyce Pinheiro, mãe de gêmeas aos 15, teme as estrias e que o marido a troque por uma menina mais magrinha. Ela conta: “Das 20 colegas que estudavam comigo, 16 estão casadas ou são mães solteiras”. Ouvimos vários especialistas para entender o fenômeno.
Saio das reportagens carregando as personagens em mim. Demoro a tirá-las do pensamento. Ivonete, a sertaneja do sítio sem luz, me abraçou longamente quando nos despedimos. Prometi enviar uma revista para alguém ler para ela. E também uma fotografia ampliada. Essa menina-mãe nunca teve uma foto sua. De todas as personagens, foi a que mais interagiu com a câmera. Tem uma força no olhar inexplicável. Encarava as lentes de Victor com muita naturalidade e firmeza. Fico imaginando como Ivonete fará para desamarrar o nó, desbancar seu destino e vencer as agruras todas que enfrenta desde o nascimento. Algo me diz que ela vai conseguir.
Fonte: Os bastidores da reportagem que foi buscar as crianças casadas no Brasil (M de Mulher, 11/01/2016) e
na decada de 30 as meninas se casavam com 13 a 14 anos.
invetigaando o fenomeno sabe se a causa disso qual e?
Essas regioes vivem em Estado pre-capitalista.
Ora foi a revolucao indsutrial e o capitalismo moderno o fenomeno mais importante, foi ele q com melhor perpectiva de vida, e demanda por profissionais, q elevou a idade d emulheres, pra se casar e ter filhos, focando a vida profissional e adiando outros objetivos q podem esperar. e tabem pra a familia e melhor uma pessoa formada, ou adolescente gravida? claro q e prmeira opcao …
a eu pergunto Se os professores no Brasil (os lindinhos), explicam como sao os paises desenvolvidos, e a importantcia de EConomia livre, pq so ela foi um fenomeno social, q quebrou essa logica!
olha q nao fiz faculdade nessa area, se fosse me guiar pelo senso comun , eu estaria perdido, Eu prefiro ler obras basicas e de referencia!
Comecei a namorar meu marido com 14 anos, ele tinha 16, quando eu tinha 17 e ele 19 anos, nos casamos, no cartório, com almoço de comemoração com a família, mas nem por isso deixei de estudar e realizar meus sonhos, terminei o ensino médio no ano que me casei, e dois anos depois tive minha primeira filha, com 19 anos, no mesmo ano do nascimento dela, comecei a fazer meu curso de graduação, e até hoje sei que foi a escolha certa, não foi errado e nem roubou ou matou meus sonhos. Tudo depende da educação que essas meninas tiveram em casa, depende da vida que levavam nos lares em que cresceram. Tenho uma amiga que os pais a obrigaram casar com um rapaz muito mais velho do que ela por que eles tinham relações sexuais, ela na época com 12 anos, isso mesmo, 12 anos, estávamos na 7° série. Por isso sei, que a estrutura familiar é o que manda.
Chocante mas é a realidade que elas estão inseridas ou se casam ou são mãe solteiras ou se jogam nas drogas da vida infelizmente queria que não existisse desigualdade social ! Mas desejo toda a felicidade dessa mundo a essas meninas ??
Chocante mas é a realidade que elas estão inseridas ou se casam ou são mãe solteiras ou se jogam nas drogas da vida infelizmente queria que não existisse desigualdade social ! Mas desejo toda a felicidade dessa mundo a essas meninas ??
Fiquei pensando o quão dura a vida foi e está sendo, pra uma menina de apenas 14 anos dizer que acredita não haver mais tempo para realizar seu sonho de ser professora. Inacreditável!!!!
Vai virar livro essa reportagem? É muito boa e forte
Pedem para ajudar pause como a África … Ajudem o BRASIL pois estamos atolados na pobreza .. Na ignorância .. ESTAMOS SEM GOVERNO .. Vamos tratar melhor nossos filhos ! O BRASIL CLAMA POR SAÚDE! EDUCAÇÃO!
Me vejo nessa historia e muito dificil pra uma adolecente ou crianca ser Mãe muito sedo e uma crianca cuidado de outra mais consegui vencer hoje faco de tudo pra minha filha nao passa pela mesma situacao tenho um bom dialago com ela coisa que eu nao tinha amei a repostagem deveria ser mais abordado pra ter divugacao
Temos a ideia vaga de que concepção familiar é uma questão de escolha! Sim foi uma escolha para mim, que me casei aos 21 anos após terminado o 2° grau. E só vim a conceber umas criança aos quase 27 anos por espontânea vontade.O nível educacional nos leva a escolhas diferenciadas, por que trasam? Por que isso é instintivo já diria Freud é a libido que comanda o ser humano, é como animal, aumentar o nível educacional é a solução legalizar ou não o aborto essa não deveria ser o foco do mundo agora. A informação deve ser clara, é estatístico que mulheres que realizaram abortos posteriormente tornam-se estereis. O fato é que nos paulistanos, cariocas enfim, temos mais acesso a informação e conhecimento para cobrar de nossos governantes, como lutar pelo que querem se apenas deixam a vida seguir sem orientação. Acorda país.
Fui mãe solteira aos 17 hoje com 23 anos estou cursando o 3ano do ensino médio faço vários cursos , mas o apoio da minha família que é fundamental para que eu hoje possa dar um futuro para os meus filhos…
Muito boa a reportagem. Mostra um Brasil que muitos não vêem, não querem ver e/ou se recusam a aceitar que existe. Ainda temos muito a melhorar como sociedade…
Parabéns pela reportagem e pela humanidade ao tratar o assunto. É muito triste a realidade imposta a estas meninas. Sua sensibilidade me tocou muito ao fim do texto. Torço pela Ivonete e por todas as garotas. Parabéns a você e a todos os envolvidos.
Gostaria de ler esse livro, pois me identifiquei bastante. Engravidei quando tinha 16 anos o pai sumiu, tive q me submeter a um casamento com um homem mais velho q eu 10 anos, pra poder ñ ficar falada no interior da Bahia. No início foi tranquilo mudei pra Minas Gerais e fiquei com ele cinco anos. Mas tinha um porém eu queria trabalhar e estudar mas ele ñ deixava. Decidi fazer isso assim mesmo, foi aí q começaram as brigas. Separei pois já tinha estudo, trabalho e uma filha de 7 anos pra criar. Casei de novo e meu marido atual abriu várias portas pra mim. Hj temos mais uma filha e somos muito felizes.
Sônia, não é um livro, está escrito na matéria que é uma reportagem para a revista Cláudia de jan/2016.
Parabéns Sônia! De verdade! Essa realidade é completamente diferente da que eu vivo. Eu sinto que muitas meninas tem medo de sonhar mais alto e se dedicar para obter seus objetivos, e o fato de apesar das adversidades vc ter tido força interior para seguir com um plano de vida melhor é realmente inspirador! Me da até vontade de entrar em projetos que inspirem essas meninas, ajudem, conscientizem e ensinem mais sobre o feminismo! Força meninas, vcs podem!!
Parabéns pelo excelente trabalho, e que um dia consigamos mudar essa realidade.
Antes dos casamentos temos algo muito mais grave que éa prostituição infantil, inclusive em maior número.
554 mil garotas de 10 a 17 anos que são esposas, cuidam de filhos, marido, casa ” e estão perdendo direitos e oportunidades”. Se essas meninas estivessem direitos e ALGUMA oportunidade talvez a história fosse outra, certo? É preciso mais empatia com essas meninas e menos sentimento de dó, só quem vive dessa realidade é capaz de julgar qual o melhor caminho a se seguir.
Nossa que reportagem! Parabéns pelo trabalho, que com este trabalho as pessoas tenham um olhar mas crítico sobre esses casos que hoje parece ser algo tão natural. Me identifico muito com as histórias de vida dessas jovens mães, pois também sou uma.
Muito forte essas histórias gostaria de saber mais. Tenho uma filha adolescente 16 anos gosto de passar pra ela
Muito boa essa reportagem, gostaria de ver as fotos de todas as meninas e também saber mais sobre elas, sobretudo a respeito das garotas colegas de classe de Monique Barbosa. Obrigada 🙂
forte
Que pena que só falou da Ivonete, não a mostrou na matéria