Morre Manuel Contreras, general responsável por órgãos de tortura no Chile de Pinochet

Por Victor Farinelli.

Morreu na noite desta sexta-feira (7/8), por conta do avanço de um quadro de câncer colorretal, o ex-militar Manuel Contreras, o conhecido no Chile por ter sido o braço direito do ditador Augusto Pinochet (1973-1990) e principal responsável pelos organismos de inteligência, tortura e eliminação de opositores durante o regime.

Segundo o porta-voz do Palácio de La Moneda, Marcelo Díaz, Contreras não terá direito um funeral com honras militares, como supõe o fato de ter se aposentado do Exército como general, já que o Estado não reconhecerá honras a um condenado por delitos de direitos humanos. Entre os diversos processos que enfrentou no Chile, Contreras acumulou 529 anos de prisão e duas condenações perpétuas. Até o momento, o Exército do Chile não se pronunciou a respeito.

Agência Efe
MAnuel ContrerasManuel Contreras era braço-direito de Pinochet e responsável por órgãos de tortura na ditadura

Minutos depois do seu falecimento, três pequenos grupos, com alguns milhares de manifestantes cada, foram às ruas em Santiago para celebrar a morte do torturador: uma delas em frente ao Hospital Militar (onde ele estava internado), outro na praça Itália (tradicional ponto de celebrações futebolísticas) e um terceiro em frente ao Palácio de La Moneda. Os grupos traziam bandeiras chilenas e do Partido Comunista do Chile, além de fotos de pessoas desaparecidas durante a ditadura, vítimas dos serviços secretos chefiados por ele.

Conhecido como “El Mamo” Contreras, foi o coronel designado pelo ditador chileno, em novembro de 1973, para organizar, estruturar e comandar primeiramente a DINA (Departamento de Inteligência Nacional), que funcionou entre 1973 e 1977.

Depois, também trabalhou na criação da CNI (Central Nacional de Informações, que funcionou entre 1977 e 1990), e também foi o primeiro diretor do órgão, mas permaneceu poucos meses, sucumbindo às mesmas pressões de organizações de direitos humanos que levaram ao fim da DINA. Cedeu o cargo a Odlanier Mena, mas, segundo relatos de jornalistas e historiadores chilenos, continuou sendo a eminência parda dentro das estruturas da repressão até o fim da ditadura, e principal articulador de todas as mais importantes operações de caça a opositores – com exceção da Caravana da Morte, ocorrida dias depois do golpe de Estado contra Salvador Allende, em setembro e outubro de 1973, que foi liderada pelo general Sergio Arellano Stark.

Formação no Brasil e na Escola das Américas

Antes da ditadura, El Mamo já era conhecido dentro das filas do Exército chileno por seu perfil claramente anticomunista, que teria se consolidado após dois cursos realizados por ele nos anos 60: em 1966, no Forte Gulick (um edifício da Escola das Américas no antigo território estadunidense da Zona do Canal do Panamá), e em 1967, na brasileira ESEFEX (Escola de Educação Física do Exército), quando o Brasil já era governado pelos militares.

Segundo alguns historiadores chilenos, o general Carlos Prats, comandante-chefe das Forças Armadas durante o governo de Salvador Allende (1970-1973), sabia dessa condição, e por isso tentou evitar uma rápida ascensão de Contreras – que, até então, era major.

Em 1972, o major Contreras ensaiou o que seriam seus anos mais sanguinários, ao planejar secretamente a transformação do quartel de Tejas Verdes (localizado num setor rural, 100 km a oeste de Santiago) num centro de tortura, antes mesmo do golpe de Estado contra Allende.

Posteriormente, com a renúncia de Prats e a nomeação de Pinochet como comandante-chefe das Forças Armadas, Contreras recebe a patente de coronel, e passa, ainda antes do golpe de Estado, a ser a figura mais próxima de quem logo seria o ditador do país.

Ligação com a CIA

Durante seus tempos como chefe da DINA e da CNI, Contreras acumulou muitos inimigos dentro das forças armadas, por ser o assessor mais próximo de Pinochet durante os primeiros cinco anos da ditadura – a imprensa da época relata que o ditador reservava a ele a primeira reunião de cada dia, o que lhe valeu a alcunha de “o coronel por cima dos generais”.

Mais que isso, El Mamo Contreras tinha fama de um coronel temido pelos generais, principalmente depois das mortes de dois generais em estranhas circunstâncias: Augusto Lutz, em 1974, por suposta septicemia – suspeita-se de envenenamento –, e Óscar Bonilla, em 1975, vítima de um acidente de helicóptero – caso que se tornou ainda mais controverso depois da morte dos três técnicos franceses enviados para investigar e determinar a causa do acidente com o helicóptero.

Segundo o Informe Hichney, divulgado pelo Departamento de Estado norte-americano em 2000, Manuel Contreras foi colaborador dos serviços de inteligência estadunidenses entre os anos de 1967 – ano seguinte ao curso realizado na Escola das Américas – e 1985. O documento detalha que, entre 1974 e 1977, “Contreras manteve contato regular remunerado com a CIA (Agência Central de Inteligência dos Estados Unidos)”.

Agência Efe
MAnuel Contreras 2Manifestantes foram para frente do Hospital Militar de Santiago para celebrar morte de Contreras

O informe também se refere a ele como “um dos mais participativos articuladores da Operação Condor”, sendo responsável por tratar diretamente com os agentes de CIA que atuaram no continente, como Micheal Townley. A parceria entre e Townley e Contreras foi responsável por atentados dentro e fora do Chile, embora os mais conhecidos tenham sido os assassinatos do general Carlos Prats (em Buenos Aires, 1974) e do ex-embaixador Orlando Letelier (em Washington, 1976).

A relação, contudo, só existiu durante a época da DINA. Quando Pinochet dissolve o primeiro serviço de repressão e cria a CNI, Townley deixa o país e Contreras passa apenas alguns meses como chefe da repressão, mas logo é substituído pelo coronel Odlanier Mena. Para compensar, Pinochet nomeia Contreras general, no ano seguinte.

529 anos de prisão

Após o fim da ditadura, Manuel Contreras continuou sendo uma figura emblemática dos anos Pinochet, dessa vez simbolizando o outro lado da ambiguidade chilena com relação ao tema.

Embora não tenha sido capaz de levar o ditador Augusto Pinochet à prisão, a Justiça aplicou diversas condenações a El Mamo.

Contreras foi, aliás, o primeiro militar chileno a ser preso por uma causa de direitos humanos – em 1993, ele foi responsabilizado pelo assassinato de Letelier. Após sua prisão, o militar rompeu relações com Pinochet, e o acusou por um esquema de vender armas ilegalmente para a Croácia e de possuir ligações com o narcotráfico, além de revelar dados de contas que o ditador possuía em bancos na Suíça e nos Estados Unidos.

Em 2001, depois de oito anos na cadeia, conseguiu o benefício de prisão domiciliar, que duraria apenas dois anos, já que em 2003, ele voltaria a prisão, após sua primeira sentença perpétua, por sua responsabilidade no Caso Villa Grimaldi – o maior centro de tortura da ditadura chilena, que funcionou durante a segunda metade dos Anos 70.

Desde então, vem acumulando condenações na Justiça. Na mesma quarta-feira (29/7) em que foi trasladado ao Hospital Militar, devido à complicações em seu estado de saúde, Contreras recebeu sua última condenação, por 13 anos de prisão, pela sua responsabilidade no Caso Villarroel Ganga, um dos subcasos relacionados à Operação Colombo.

Com essa nova sentença, Contreras passou a acumular 529 anos de prisão, além de duas condenações perpétuas. A professora Carmen Gloria Quintana, sobrevivente do Caso Queimados – cujas responsabilidades foram reveladas na semana passada, com a quebra do pacto de silêncio por parte de um ex-soldado –, se referiu a Contreras em coletiva de imprensa, após protocolar uma queixa formal contra os responsáveis do atentado contra ela. “Ele foi o pior dos assassinos, e sua morte não significa nada. Todos já sabíamos que ele não viveria o suficiente para pagar nem pela metade dos crimes que cometeu, e da dor que provocou”.

Fonte: OperaMundi.

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