Por Pablo Iglesias.*
Nos parágrafos mais míticos de seus Cadernos do Cárcere, Antonio Gramsci refletia sobre as estratégias de guerra da Iª Guerra Mundial, posição e manobra, para entender a política no ocidente. Na política ocidental, a guerra de manobra (o assalto) perderia a relevância ante uma complexa guerra de posições na qual o Estado já não seria mais que a trincheira avançada do conjunto de fortificações da sociedade civil.
A política da guerra de trincheiras é a luta pela hegemonia. Diferentes do que pensam muitos, Gramsci não criou o conceito de “hegemonia”, que já estava presente nas reflexões de socialistas russos que Gramsci conheceu, inclusive em alguns textos do Komintern. Mas Gramsci foi o primeiro a entender a hegemonia, não como a necessidade das organizações socialistas liderarem setores subalternos diferentes da classe operária ou de se aliarem a setores da burguesia, mas, isso sim, como o conjunto de mecanismos culturais sobre os quais repousa a ordem política nas sociedades avançadas.
Gramsci voltou a Maquiavel, pai da política como ciência do poder, para entender a importância do consentimento. É que o poder, nas sociedades avançadas, não se manifesta só mediante mecanismos coercitivos, mas – e predominantemente – mediante o consentimento e o consenso.
A explicação de por que as reflexões de Gramsci resistiram tão bem ao tempo, convertendo-se em referência para todas as esquerdas, inclusive para algumas direitas letradas, é que a política ocidental, depois que se consolidaram os sistemas democráticos e seus Estados, é, basicamente, a política “de hegemonia”.
Os setores dominantes “têm a hegemonia”, quando têm a capacidade orgânica [têm os meios orgânicos indispensáveis] para convencer as maiorias da sociedade da veracidade dos relatos que justificam e explicam a ordem política vigente.
Os dispositivos de convencimento são basicamente culturais (a escola e a Igreja são os exemplos clássicos; os meios de comunicação são o exemplo do nosso tempo) e servem para implantar as chaves para a interpretação de todos os relatos ditos “hegemônicos”. Obter a vitória na política “de hegemonia” é, basicamente, ser capaz de convencer os demais da veracidade da própria narrativa.
Nos períodos de estabilidade política (geralmente associados à estabilidade econômica), a narrativa hegemônica é quase inexpugnável. Mas quando se produzem crises orgânicas, abre-se a oportunidade de
(I) questionar mediante a guerra de trincheiras, ou de manobra, todos os relatos dominantes; e, por isso, de que
(II) se produzam mudanças políticas.
O movimento 15M mostrou que há uma crise orgânica na Espanha, questionando os relatos políticos oficiais e expondo-se como a melhor expressão social da crise.
O PODEMOS tem sido, até agora, a melhor expressão política dessa crise, conseguindo impor novas interpretações da situação e novas possibilidades de transformação, mediante o protagonismo dos setores subalternos (o povo). Temos conseguido introduzir a palavra “casta” no idioma político espanhol, para designar as elites políticas e econômicas, é bom exemplo da política de PODEMOS, que se dedica a construir uma nova hegemonia; nossa política que visa a construir um novo relato da crise e nova forma para superá-la.
A luta por ocupar o centro do tabuleiro é, precisamente, a luta pela capacidade para determinar onde, exatamente, está o centro do tabuleiro.
Como dissemos em artigo anterior, se conseguirmos situar o centro na necessidade de democratizar a economia, há chances de PODEMOS ser eleito. Ao contrário, se o centro for situado em outros parâmetros (a mera regeneração ou nova troca das elites, dentro das próprias elites) os setores dominantes terão mostrado sua capacidade para resistir.
Nos momentos de crise orgânica, as campanhas eleitorais são uma guerra de trincheiras simplificada. As campanhas representam o momento ou da glória ou do fracasso dos estrategistas políticos que se engalfinham para conseguir impor o próprio relato sobre a base de consensos mutáveis e mutantes, no dificílimo entorno dos meios de comunicação, que são, eles também, operadores políticos não neutros.
Essa campanha que começa agora é guerra de trincheiras pela imposição de um relato político. De como se imponha um ou outro, dependerão, em boa medida, os resultados finais, dado que quase a metade dos eleitores ainda não decidiram em quem votar.
Basta examinar o passado próximo, para comprovar que o êxito político e social do regime de 1978 dependia de relato muito parecido a esse, que se traduziu no estrepitoso fracasso do possibilismo eurocomunista e na moderação de um Partido Socialista que, ao chegar o comando do Estado, poderia ter ido muito mais longe.Que devemos fazer? A primeira tarefa, antes de se pôr a perseguir o adversário, é observar seus movimentos. Que narrativa eles estão tentando impor? Dirão que PODEMOS está-se esvaindo nas pesquisas, que basicamente há quatro aspirantes ao [palácio de] Moncloa, que o problema fundamental desses comícios são os pactos pós-eleitoriais num cenário instável de muitos partidos, que a Espanha é país de classes médias e que as maiorias sociais são moderadas.
Hoje, a narrativa dos nossos adversários dirá que PODEMOS foi protagonista da ruptura, mas que não será protagonista da mudança. Alguns cartunistas têm repetido a mesma coisa, com a lucidez própria dos caçadores e inventores de narrativas.
O que, então, temos de dizer nessa campanha? Em primeiro lugar, que PODEMOS nasceu para ganhar as eleições gerais e que nenhuma batalha prévia, por importante que seja, vai-nos distrair da batalha principal. Temos de dizer que não haverá mudança sem ruptura e que, portanto, quem se aliar a nós terá de romper com as políticas que nos levaram ao desastre.
Nessas eleições não há quatro opções, há duas: ou mudar, ou continuar com o de sempre. PODEMOS não está só no projeto de mudança; na cidade de Madrid, a mudança chama-se Manuela Carmena; em Barcelona, Ada Colau. E nossa mão está estendida para todos que sejam pela mudança, que significa defender o que é público e os direitos sociais.
Por isso PODEMOS defende a unidade popular e é instrumento para a unidade popular. É preciso dizer que hoje 13 milhões de espanhóis estão ameaçados pela miséria; que 1/3 dos assalariados recebem apenas 645 euros/mês; que quase a metade dos desempregados não recebe nenhum tipo de serviço público. As maiorias sociais não aspiram a uma segunda moradia, nem a três carros na garagem. Só aspiram a escolas públicas e a hospitais públicos ; a moradia digna ; a não atarem a própria vida a uma hipoteca infindável ; e a um salário decente.
Movimiento 15 M
Temos de explicar que nosso programa é o programa da mudança, precisamente porque se centra em resgatar os cidadãos, em transformar o modelo de produção, em favorecer o emprego de boa qualidade e com direitos, em promover a inovação tecnológica e em criar instituições que protejam a democracia contra a corrupção e o assalto à propriedade pública.Na Espanha não há maioria social moderada, há um povo que se recusa a humilhar-se e tem bem claro quem são seus inimigos: as elites políticas e econômicas que assaltam o povo espanhol e enriqueceram à custa dele.
A guerra de trincheiras está começando. O adversário deseja que nos deixemos guiar pelos movimentos dele. Temos de forçá-lo a seguir os nossos movimentos, fazendo o que melhor sabemos fazer: dizer as verdades que outros não têm coragem para dizer, dizê-las sem meias palavras, por incômodas que sejam para as elites.
Nada temos a ganhar com nos fazer parecidos com o inimigo. Só temos a ganhar nos parecendo cada vez mais conosco mesmos.
* Pablo Iglesias (candidato do PODEMOS – partido espanhol)
Guerra de trincheras y estrategia electoral
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu.
Fonte: RedeCastorPhoto.