Familiares de desaparecidos no México fizeram protesto durante dia das mães.
Por Vanessa Martina Silva.
São Paulo – 13/05/2015 – Reportagem da revista digital ‘The Intercept’ contradiz versão do governo mexicano e aponta que sumiço de jovens teve participação de agentes públicos
Desde que os 43 estudantes da escola normal de Ayotzinapa desapareceram, em setembro do ano passado, o governo do presidente Enrique Peña Nieto deu uma série de explicações e declarações, muitas vezes contraditórias, e que não convenceram os pais, familiares,especialistas forenses estrangeiros e os milhares de mexicanos, que protestaram em diversas localidades do país para pedir que os jovens fossem encontrados com vida. Agora, uma investigação do site The Intercept traz evidências indicando que o sumiço dos jovens, até agora sem respostas, foi caso de desaparecimento forçado.
Para a organização sem fins lucrativos Human Rights Watch, em um informe de 2013, o México vive “a crise mais profunda em matéria de desaparecimentos forçados na América Latina nas últimas décadas”. À diferença do sequestro, “o desaparecimento forçado inclui a participação ativa ou passiva de oficiais estatais e pode constituir crime de lesa humanidade”, diz a investigação realizada pelo site.
Enquanto o crime de sequestro pode levar a uma sentença mais longa de prisão no México do que a de desaparecimento forçado, as consequências para o Estado são mínimas, porque o crime é atribuído só ao acusado e assim o governo mexicano se exime de suas responsabilidades.
Além disso, se os casos de desaparecimento forçados fossem perseguidos, “isso serviria como evidência de abusos sistemáticos, que poderiam configurar crimes de lesa humanidade e possivelmente colocar em perigo os bilhões de dólares que o governo dos Estados Unidos dá ao México como assistência de segurança”, diz a reportagem que pode ser lida aqui (em espanhol).
Assim, ao apresentar o desaparecimento dos estudantes como um fato isolado de sequestro e crime organizado, “o governo federal parece construir um cenário no qual suas obrigações com os pais se encerra, sua reputação internacional e assistência de segurança permanecem preservadas, enquanto os documentos relacionados ao caso se mantêm privados”, diz a reportagem.
O texto investigativo dá conta de que apesar da pouca clareza a respeito dos motivos do desaparecimento dos jovens e o local para onde foram levados, as declarações que constam nos arquivos federais revisados pelo site revelam que “organizações criminosas da região tomaram o controle da zona, expondo assim a corrupção que se impregnou em muitas estruturas do governo em Guerrero”.
De acordo com a Human Rights Watch, no México as investigações sobre desaparecimento forçado se caracterizam por falhas sistemáticas tais quais o manejo das evidências e a negligência em preservar o local do crime. Foi o que ocorreu em Guerrero. A The Intercept visitou o lixão de Cocula onde supostamente morreram os jovens quatro dias após o governo ter declarado a região como lugar provável do massacre, sem nenhum impedimento.
Além disso, a intenção do governo de tentar convencer os familiares de que seus entes queridos estão mortos sem nenhuma prova substancial constitui um dos aspectos de desaparecimento forçado. “Numerosos familiares renunciam a tudo para se dedicar completamente à busca da pessoa desaparecida”, diz a organização internacional.
Informações controversas
Toda a história e as versões apresentadas pela Procuradoria-Geral da República têm gerado um grande ceticismo no país. A autoridade governamental é conhecida pelo histórico “muito bem documentado de autoridades usando coerção ou tortura para extrair confissões falsas”. De acordo com o levantamento realizado com base em notícias publicadas na imprensa mexicana, documentos e depoimento de sobreviventes, “o governo tem apresentado uma seleção de evidências distorcidas com relação ao ocorrido”.
Entre os pontos mais questionados do que fora apresentado pelo governo está a participação do prefeito e da primeira-dama de Iguala, as provas baseadas somente em declarações de supostos envolvidos e, principalmente, a versão de que os jovens foram queimados no lixão de Cocula. De acordo com a investigação da Universidade Autônoma do México, a mais conceituada do país, para que isso fosse possível seriam necessárias 33 toneladas de madeira, ocupando um espaço dez vezes mais amplo do que o tamanho do lixão. Além disso, se a cronologia do governo fosse correta, esses materiais deveriam ser montados e transportados ao local em questão de horas.
Por essa razão, resenha o site, o 27º Batalhão de Infantaria se tornou alvo das suspeitas. Uma das teorias, não comprovadas, é de que os jovens foram queimados nas bases crematórias do Exército na região.
Apesar de o governo ter garantido que não há “sequer uma evidência da participação do Exército no caso”, a investigação do The Intercept indica que “apesar de não ter participado das matanças, militares estavam a par de que algo estava ocorrendo e não intervieram”.
A apuração dá conta ainda de que documentos militares sugerem que oficiais superiores tomaram conhecimento da gravidade da situação antes de que isso fosse reconhecido publicamente.
Histórico de violações
O histórico de violência na região aumenta ainda mais os questionamentos em torno da morte dos jovens. Há 40 anos, Guerrero foi palco da chamada Guerra Suja, empreendida por militares contra guerrilheiros de esquerdam, muitos deles egressos de escolas como a de Ayotzinapa. À época, “tortura e execuções extrajudiciais, incluindo lançar prisioneiros de aviões, foram cometidos com impunidade”, diz a reportagem. Com dezenas de corpos encontrados em fossas comuns após o início da busca pelos jovens, a Guerrero atual se converte em cenário parecido ao dos anos 1970.
Durante o governo do presidente Felipe Calderón, milhares de soldados foram enviados para Michoacán, em Guerrero, após ter sido declarada uma guerra contra organizações do narcotráfico. O resultado foi 100 mil mortos e um amplo histórico de violações de direitos humanos cometidos pelos militares treinados com bilhões de dólares destinados dos Estados Unidos. Além dos mortos, há pelo menos 22 mil pessoas desaparecidas, de acordo com dados oficiais.
Brasil
Para divulgar a situação dos jovens desaparecidos e fortalecer a mobilização para pedir justiça para o caso, uma rede de ativistas está na organização de uma série de eventos com o objetivo arrecadar fundos para receber a caravana que passará por São Paulo (1º a 4 de junho), Porto Alegre (5 a 8 de junho) e Rio de Janeiro (9 a 12 de junho), além de Uruguai e Argentina.
Foto: Agência Efe
Fonte: Opera Mundi