3a. geração de palestino-israelenses reinventa ativismo antiocupação e por direitos civis em Israel

Mais de 3.000 palestino-israelenses protestam contra a investida de Israel contra Gaza em julho de 2014
Mais de 3.000 palestino-israelenses protestam contra a investida de Israel contra Gaza em julho de 2014

Por Henriette Chacar.

Para a maioria dos judeus israelenses, estes ativistas não têm nomes. Na pior das hipóteses, são agitadores e arremessadores de pedras que empunham a bandeira palestina. Na melhor, são uma minoria discriminada.

Seu novo ativismo é, por um lado, resultado de divisões geracionais e novas tecnologias que os conectaram ao restante do mundo árabe, que permaneceu interditado à população palestina desde a criação do Estado de Israel. Por outro lado, é também resultado dos recentes ataques israelenses contra seus parentes na Cisjordânia e em Gaza, da violência policial discriminatória e de um longo histórico de repressão política.

Muitos fatores ajudaram a dar forma a esta nova geração de ativistas palestinos em Israel. Eles usam nomes variados, definem suas identidades de maneira diversa e têm táticas e objetivos políticos também variados. Lutam pela libertação nacional palestina e por direitos civis em Israel, priorizando cada um dos tópicos de acordo com considerações estratégicas e táticas, e têm várias abordagens quanto à macropolítica.

A maioria destes jovens ativistas, quando vai às ruas, levanta a bandeira palestina, algo pouco visto entre as gerações anteriores de palestinos vivendo em Israel. Sua identidade nacional e expressividade, no entanto, foram amplamente influenciadas pela vida no Estado judeu.

“A primeira vez em que meu pai me viu carregando uma bandeira palestina, ele ficou louco”, diz Abed Abu Shhadeh, 26 anos, de Jaffa. “Antes de Oslo, era ilegal fazer isso, e os palestinos morriam de medo da bandeira. Hoje, vemos muitas delas”.

Esta é a terceira geração de cidadãos palestinos em Israel. A primeira geração experimentou o Nakba, deslocamento e expulsão da maioria dos palestinos da atual região fronteiriça de Israel, em 1948, bem como a destruição de quase todos os seus vilarejos. A segunda geração cresceu com medo: foram criados pelos sobreviventes do Nakba, viveram sob o governo militar de Israel e eram constantemente ameaçados e controlados pelo Estado, explica Rawan Bisharat.

“A terceira geração, especificamente desde a Intifada de 2000, é aquela que está se rebelando hoje. São caracterizados por sua força”, continua. Mas frequentemente seus pais tentam impedi-los. Por causa da opressão sofrida pelas gerações anteriores, eles têm medo da expressividade política de seus filhos, bem como de suas consequências. “Eles não querem discutir a identidade nacional palestina com seus filhos, pois têm medo”.

Rawan, 32 anos, originalmente de Nazaré, vive em Jaffa há cinco anos, onde é ativa em movimentos políticos e sociais. Ela é a coordenadora palestina do programa juvenil da Sedaka-Reut, uma ONG focada na educação da juventude palestina e judia, para que sejam mais ativos política e socialmente na criação de parcerias binacionais em prol da mudança social. Ela foi voluntária em uma organização chamada “Mulheres contra a Violência”, em Nazaré, por mais de uma década, e trabalha com um grupo que prepara estudantes árabes do ensino médio para a educação superior. “Como minoria palestina, a educação é nossa arma”, declara.

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Enquanto todos os ativistas com quem conversei se definiam como árabes, também colocavam grande importância em sua identidade palestina.

“Palestinos em Ramallah podem se dizer palestinos – ninguém questionará. Mas para os palestinos de Israel, é preciso destacar isso”, diz Rawan, adicionando que quando conversa com israelenses, “gosto de dizer que sou uma palestina de 48, ou seja, uma palestina com cidadania israelense, para deixar claro que há palestinos aqui [em Israel]. Nunca houve um Estado palestino, mas os palestinos viviam aqui. Minha avó era palestina, portanto sou palestina”.

A identidade palestina é o cerne da luta desta geração, explica Hanin Majadli, 25, de Baqa al-Gharbiyye, que constituiu um séquito de fãs judeu-israelenses no Facebook, onde publica lições diárias de árabe. “Nós somos palestinos; somos palestinos a quem se impediu essa autoidentificação. É importante para mim que os israelenses saibam que eu não sou apenas uma ‘israelense árabe’, mas uma árabe palestina. Esta é uma nacionalidade que estão tentando esconder”.

De muitas maneiras, a crescente expressividade da identidade nacional palestina entre cidadãos árabes de Israel é uma reação ao sionismo contemporâneo. Enquanto a política e a sociedade israelenses se voltam para a direita, os cidadãos palestinos se apegam a suas nacionalidade e herança palestinas com mais força.

“As leis malucas aprovadas nos últimos anos afetam as pessoas e a maneira como se identificam. É incrível como um grupo muito pequeno dentro da sociedade israelense conseguiu levar todo mundo para a extrema direita”, diz Abed, explicando que, com a expressão “todo mundo”, inclui os palestinos.

Mesmo aqueles que, de outra forma, não seriam atraídos pelo nacionalismo palestino, abraçam-no como uma defesa contra a radicalização e a intensificação do nacionalismo sionista, explica Hanin. “Eu sinto a necessidade de me apegar a quem sou. Os palestinos, hoje em dia, sentem uma grande necessidade de salientar que são palestinos”.

“Assim como o Hamas, os judeus israelenses de extrema-direita realmente acreditam que esta é uma batalha religiosa, e em um período curto de tempo, conseguiram levar todo mundo para a direita”, diz Abed.

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O processo de paz de Oslo da década de 1990 deu às pessoas esperança por um futuro melhor, um futuro de autodeterminação nacional palestina e, para os cidadãos palestinos de Israel, um futuro de direitos iguais e oportunidades.

Mas algo mudou no ano de 2000. No início de outubro daquele ano, coincidindo com o fracasso do processo de paz e o início da Segunda Intifada, a polícia israelense matou 13 cidadãos árabes enquanto continha protestos em Nazaré e na Galileia.

Os assassinatos confirmaram os maiores medos da população palestina: não importa o que fizessem, ou o quanto quisessem se envolver, seriam tratados como cidadãos de segunda categoria, simplesmente por serem árabes.

“A Intifada de 2000 foi quando todo mundo viu uma mudança”, diz Rawan. “A consciência política era muito evidente, e estava claro que nós [palestinos] estávamos todos ligados uns aos outros. Por um lado, vimos um crescimento da consciência política, e, por outro lado, perdemos nossas esperanças nas instituições israelenses”.

“A cada guerra e a cada intifada, quando as pessoas em Jaffa assistem ao noticiário, elas veem são seus parentes da Cisjordânia e de Gaza”, complementa Abed. Estes jovens ativistas se sentem parte inseparável da totalidade do povo palestino, e seus destinos estão entrelaçados.

Shiraz Grinbaum / ActiveStill.org – Reprodução Facebook

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Majd Kayyal: “Nossa identidade é definida de acordo com nossa luta. Nós somos árabes palestinos”

O ano de 2000 também é citado como divisor de águas na história dos palestinos israelenses por outro motivo. Tendo estado separados do restante do mundo árabe até então, o progresso tecnológico permitiu que os palestinos de Israel se reconectassem com os árabes da região.

“Com a introdução da televisão por satélite e da internet como novos canais de comunicação, houve um aumento na conscientização, no conhecimento”, explica Majd Kayyal. “Isto trouxe maiores oportunidades para o compartilhamento de informações, bem como mais ativismo. Algo começou a mudar desde outubro de 2000. As pessoas se tornaram mais ousadas, no melhor sentido da palavra. Vários movimentos se tornaram menos ociosos, menos amedrontados”.

No ano passado, Majd foi preso e mantido incomunicável por cinco dias após retornar de Beirute, onde participou de uma conferência jornalística. Sua visita ao Líbano e sua prisão subsequente foram uma das pautas do movimento pela identidade pan-árabe palestina, defendida por muitos cidadãos palestinos de Israel.

“Nossa identidade é definida de acordo com nossa luta. Nós somos árabes palestinos. Nós queremos ser palestinos livres para que possamos ser árabes. Queremos ser palestinos livres, para que possamos integrar naturalmente o mundo árabe, sem sermos prejudicados de uma maneira ou de outra; para que eu possa ter a oportunidade de deixar minha cidade e ir viver no Cairo, por exemplo, sem dores de cabeça”, continua Majd. “A identidade palestina é crucial para isso, assim como a identidade árabe é necessária para confrontarmos o colonialismo. A identidade árabe, se não cumprisse o papel de resistência contra o colonialismo ocidental e europeu, também se tornaria fascista, assim como no regime de Saddam Hussein”.

Mas a identidade não é uma ideia simples ou binária, seja no domínio pessoal ou no domínio político. Enquanto estes jovens ativistas se identificam cada vez mais com o movimento nacional palestino, eles também são cidadãos israelenses e lutam por direitos civis dentro do Estado judeu. A ideia e a realidade de não ser judeu no Estado judeu é parte da batalha.

“Nós não somos israelenses”, diz Hanin. “Não o somos em um sentido muito elementar: o israelense é judeu, e o judeu é israelense. Em minha opinião, são sinônimos. Israelense é considerado uma nacionalidade aqui, não apenas uma cidadania. Nossa nacionalidade é palestina, e somos parte do povo palestino. Sim, vivo no Estado judeu, mas não sou judeu, e não sou um cidadão normal. Eu sou um cidadão árabe em um Estado ocupante com identidade nacional judia”.

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O que estes jovens palestinos israelenses estão exigindo, exatamente? Estão liderando um movimento por direitos civis ou são parte da luta nacional palestina?

“Eu não separo as duas coisas, nem vejo como podem diferir uma da outra”, responde Rawan. “Eu vivo aqui, eu quero ser parte destas instituições e também quero igualdade civil, mas isto não significa que tenha esquecido a causa palestina. Eu quero que os judeus reconheçam os crimes que cometeram contra meu povo. Não há contradição: quero que reconheçam seus erros, assumam responsabilidades por suas ações e façam a coisa certa, e também quero que me concedam a igualdade que mereço”.

Hanin elabora: “O objetivo final é a liberação total do sionismo, mas é claro que qualquer passo temporário na melhora de nossos status como cidadãos árabes palestinos de Israel também é bem-vindo. Não devemos nos esquecer de que, a despeito de nosso objetivo de longo prazo, também somos cidadãos deste país, e queremos exigir aquilo que merecemos como cidadãos”.

O sionismo é percebido como o principal obstáculo, tanto para a obtenção de direitos civis, quanto para a obtenção de liberdade para os palestinos cujas terras foram ocupadas e se encontram cercados, explica Majd: “Enquanto a atual estrutura política continuar existindo, nós não obteremos nossos direitos civis, nossa independência nacional ou o Estado com as fronteiras de 1967 – nada. Enquanto houver algo chamado ‘Estado judeu’, construído com base em princípios sionistas e racistas, não haverá perspectiva de qualquer tipo de mudança. Não importa quão ‘modestas’ sejam suas demandas, você não conseguirá qualquer progresso para os palestinos se não lidarmos com essa questão”.

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“Quando as pessoas falam sobre o conflito, é como se estivessem falando sobre um conflito entre duas partes iguais”, diz Abed. “Na realidade, uma das partes é significativamente mais forte do que a outra, sem falar na ocupação e no confinamento, que não nos deixam qualquer espaço para manobras políticas”. Parte de protestar e tomar as ruas, complementa, tem como objetivo levar os judeus israelenses a “repensar seus pontos de vista sobre os cidadãos palestinos, e começar a compreender que mais poder não os levará a lugar algum”.

Enquanto a maioria destes ativistas tem como objetivo mudar completamente o regime, sua luta não apresenta uma visão clara para o futuro. “Nossa ambição é viver em um Estado no qual a cidadania garanta direitos iguais a judeus e árabes, e que não dê preferência a uns sobre outros ou distinga entre um árabe e um judeu. Isso pode soar um pouco louco, mas se o muro de Berlim foi destruído e o Império Otomano caiu após 700 anos, há esperança. Ou não fazemos nada, porque nada vai mudar, ou fazemos algo, e acreditamos que podemos mudar as coisas, ao menos um pouco”, diz Hanin.

Rawan chega a sugerir que a separação étnica estrutural é uma possível solução: “Eu acho que nós, como minoria palestina em Israel, precisamos começar a estabelecer nossas próprias organizações e instituições, que sirvam a nossos interesses. Nós ainda não estamos prontos para começar um projeto assim, e talvez não tenhamos as habilidades ou os recursos, mas temos que começar a pelo menos pensar nessa direção”.

“Há algo que nós, palestinos, tendemos a esquecer: as lutas nacionais tomam centenas de anos. Não vejo uma solução nos próximos dez anos, mas enquanto houver vontade, haverá uma saída”, diz Abed. “Enquanto os refugiados ainda quiserem voltar e lutar, será apenas uma questão de tempo”.

Tradução: Henrique Mendes

Matéria original publicada na +972 Magazine, produzida por blogueiros, jornalistas e fotógrafos israelenses contra a ocupação cujo foco são matérias e análise sobre eventos em Israel e Palestina.

Fonte: ÓperaMundi.

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