A história contada por paredes

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Por Kélen Oliveira. 

A máxima “as paredes têm ouvidos” é ampliada em lugares que preservam o patrimônio histórico, como Laguna, no sul de Santa Catarina. Sendo considerada a terceira cidade catarinense mais antiga, fundada em 1676, lá as paredes também falam. Além de representar estaticamente o passado do local, as 600 casas e prédios tombados contam a história, sob os aspectos sociais, políticos e econômicos por meio de três estilos arquitetônicos: o Luso-brasileiro, o Eclético e o Art Déco. Cada época, desde sua fundação, foi marcada por um destes estilos arquitetônicos, que vão muito além de simples construções guiadas por algum modismo. Elas refletem verdadeiramente o período histórico vivido em cada época.

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Na década de 1980, vendo que as construções antigas da cidade estavam desaparecendo dia após dia, um grupo de moradores uniu-se em prol do processo de tombamento peloIphanGovBr (que antes era chamado SPHAN – Secretaria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional e só depois passou a tornar-se instituto), criado pelo governo federal a fim de proteger preservar as construções oriundas da colonização. Um abaixo assinado angariou o número suficiente de assinaturas para que Laguna entrasse no hall de cidade histórica tombada, garantindo assim que demolições e modificações extremas não poderiam mais ser feitas dentro da área demarcada pelo tombamento.

Nesse e em tantos outros casos, a arquitetura não significa apenas uma produção artística ou de engenharia. Ela é um fator preponderante na construção da identidade cultural de um povo. Cada estilo arquitetônico encontrado revela o modo de vida privado das pessoas da época e nos faz entender o processo ocorrido até chegarmos aos dias de hoje. 

Luso-brasileiro: as primeiras construções

As primeiras casas erguidas na antiga Vila de Santo Antônio dos Anjos da Laguna traziam o estilo luso-brasileiro. Dele, a referência mais antiga que existe ainda hoje na cidade é a Casa de Anita, uma construção datada de 1711. Essa arquitetura se estendeu até meados do século XIX, aproximadamente. Chama-se luso-brasileira, porque se caracteriza pela planta portuguesa, pelo traço português, porém os materiais e a mão-de-obra utilizados na construção eram brasileiros. Os colonizadores recém-chegados da Europa trouxeram este modelo, que pode ser observado num desenho simples, com características muito peculiares, e que são facilmente identificadas em suas janelas e telhados e ainda por serem construções geminadas, em sua maioria. No entanto, a fachada, embora remeta a uma construção primitiva, engana quem vê de fora. Em geral, estas casas possuem um grande comprimento e até pátios internos, que permitem a circulação do ar, uma vez que, aparentemente, as casas vizinhas são “grudadas”. São grandes, espaçosas, com paredes espessas.

Com a riqueza, o Eclético

Já no fim do século XIX iniciou-se o período econômico mais forte na região, marcado pela recente colonização dos italianos e alemães, somado à produção de carvão absorvida pela indústria siderúrgica nacional que surgia. Era a revolução industrial que chegava ao Brasil. Em conseqüência do aumento do poder aquisitivo da população, a arquitetura local também se modificou. Foi então que, inspirado novamente nos modelos europeus, novas construções começaram a surgir e com elas o estilo eclético.
Caracterizado pela riqueza de detalhes, a arquitetura eclética possui os exemplares mais belos da cidade. As casas, geralmente chamadas “palacetes” são bastante altas, com porão e sótão. A combinação de elementos da arquitetura medieval, renascentista, barroca e neoclássica marcam o ecletismo. São as platibandas, balaustras, detalhes e mais detalhes artísticos nas fachadas, que denotam a riqueza e grandiosidade das construções. Ninguém mais, senão famílias abastadas viveriam naquelas casas. Em Laguna, infelizmente, muitos prédios foram derrubados antes do processo de tombamento. Referências materiais importantes, principalmente do estilo eclético, se perderam com a modernização das construções. Conta-se que, no lugar onde hoje está situado o prédio do Banco do Brasil, próximo à Igreja Matriz, existia o palacete mais bonito da cidade. 

Industrialização e abertura de estradas: surge o Art Déco

Já em meados do século XX, entre as décadas de 1940 e 1950, começa uma nova modificação na economia local. Até então, Laguna estava no auge de sua importância regional. Com a abertura de estradas o porto perde um pouco de sua importância, o que gera uma decadência econômica local. É nesse período que surge a arquitetura art-déco na região, com seus traços simples e linhas retas, imitando o que já estava sendo praticado na Europa desde a década de 1920. Alguns exemplos são o Cine Teatro Mussi, recém restaurado, e o Mercado Público (o antigo, em estilo eclético, foi completamente destruído num incêndio na década de 30) que atualmente passa por reformas. A partir de então, o cenário da cidade começou a sofrer uma drástica modificação. Surgiram novas construções e a substituição de outras já existentes. Muitas edificações foram demolidas para dar lugar a algo mais “moderno”. Assim, a arquitetura art-déco foi a última a representar um período histórico de fato.

Fonte: Enredo Conteúdo Criativo  

Fotos: Kélen Oliveira

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