Por Dal Marcondes.
Tem muita gente que acredita que o ano de 2014 está decidido, que faltam apenas alguns ajustes para que seus 12 meses se encerrem com missão cumprida. Copa do Mundo no Brasil, pensam, só pode ter título da seleção canarinho, e as eleições, acreditam, são favas contadas, a presidenta Dilma terá referendados outros quatro anos em Brasília. Um ano sem surpresas, gostam de crer alguns. No entanto, o tempo, o suceder dos dias, adora pregar surpresas nos mais incautos ou naqueles que colocam diante de si o desejo ideológico de que tendências sejam inexoráveis. Apenas para reflexão vale lembrar exemplos inefáveis onde a “lógica dos fatos” foi mandada às favas: Maracanã 1950, o Brasil inteiro se preparava para a maior comemoração de todos os tempos quando o pequeno Uruguai arruinou a festa!
Em 1986 eu trabalhava na revista IstoÉ, durante o período em que a publicação pertenceu à Gazeta Mercantil, e corriam as eleições para prefeitos em todo o Brasil. Na disputa em São Paulo duas estrelas em confronto, o brilho ascendente do sociólogo Fernando Henrique Cardoso e o saudosismo arcaico de Jânio da Silva Quadros. Entre os jornalistas, a certeza de que a modernidade venceria e que a cidade viveria um surto de inovações. Chegou-se a preparar uma capa com Fernando Henrique sentado na cadeira do prefeito. Tudo foi feito apenas se esperando que os fatos confirmassem o desejo. O resto já é história!
Jânio ao assumir a prefeitura despejou uma lata de inseticida na cadeira usurpada por Fernando Henrique e São Paulo seguiu sua tradição de gestões equivocadas na prefeitura.
Em rodas de conversas em diversos setores e escalões não se percebe muito otimismo em relação ao novo ano, por conta das duas efemérides, Copa do Mundo e eleições. Serão dois momentos de corte na normalidade da vida das pessoas, das empresas, das escolas e das organizações sociais. A mídia deverá lançar suas lentes e mentes sobre os dois acontecimentos, deixando de lado outros desafios que o Brasil e o mundo deverão encarar a sério. Pior, oportunistas podem aproveitar a distração dos gols e dos votos para mover à sombra os peões dos interesses escusos.
Alguns podem pensar que sou contra a Copa ou as eleições, nada mais incorreto. O que eu realmente gostaria é que o foco das discussões estivesse sobre os legados desses eventos. O que as novas Arenas e as obras de apoio realmente vão deixar de benefícios para as cidades, que visão de urbanismo vai emergir desse grande evento. Muitas cidades ao redor do mundo conseguiram usar grandes eventos esportivos para transformar seu destino e o mesmo poderia ser feito por aqui. Repensar mobilidade, uso de arenas, modelos de desenvolvimento etc.
No caso das eleições a coisa é ainda mais complexa, porque em ano de eleição presidencial muitos se esquecem que estarão em jogo outros cargos eletivos em todo o Brasil, como governadores, senadores, deputados federais e deputados estaduais. Ao todo os brasileiros deverão eleger cerca de 2050 deputados federais, estaduais e distritais, além de 27 governadores e 27 senadores. Mas é grande o risco de a mídia crescer o foco sobre as disputas majoritárias e se esquecer de acompanhar quem são os milhares de candidatos aos cargos de menos expressão na hora do voto, mas determinantes nas manchetes de escândalos. O “mensalão” talvez não fosse possível em um Congresso eleito com critérios. Roda pela internet um frase apócrifa, mas com boa mensagem para 2014: “Não é a política que produz ladrões, é o voto que transforma ladrões em políticos”.
O Brasil que pretende ser relevante no novo século não pode deixar que eventos esportivos ou o exercício da normalidade democrática crie transtornos para a vida cotidiana. É preciso seguir em frente e manter o trabalho em agendas necessárias na saúde, na educação, no saneamento e em outras áreas. Há que se lembrar que apenas 100 municípios dos 5.570 existentes no Brasil já atingiram a universalização do saneamento básico com coleta e tratamento de esgotos.
Há temas que não podem ser abandonados, como a ampliação do número de profissionais de saúde em todas as cidades, questões relevantes para a infância e juventude, o sistema prisional que está entre os mais indigentes do mundo, a melhoria do ensino público com foco na necessidade de profissionais qualificados em todas as áreas etc.
Uma lista de desejos e tarefas para 2014 certamente não teria fim!
*Análise originalmente publicada na Envolverde