
Por Paulo Lindesay.
Primeiramente, precisamos analisar algumas alterações pouco exploradas na PEC 32 – Contrarreforma Administrativa, em sua versão aprovada pela Comissão Especial da Câmara dos Deputados. Se aprovadas, haverá profundas alterações na estrutura da administração pública federal. Levando os serviços públicos à privatização quase completa e ao loteamento enfrentado nas décadas de 70, 80 e 90.
Aqui os motivos:
Motivo 1 – O artigo 10 da PEC 32 propõe o acréscimo de novo inciso (XXX) no artigo 22 da Constituição Federal, prevendo que compete privativamente à União legislar sobre:
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Normas gerais sobre criação e extinção de cargos públicos – Concurso público – Critérios de seleção e requisitos para investidura em cargos em comissão – Estruturação de carreiras – Política remuneratória – Concessão de benefícios – Gestão de desempenho – Regime disciplinar – Processo disciplinar; e – Cessão e requisição de pessoal”
Esse artigo contém pontos importantes da estrutura dos serviços públicos. Mudanças essas que poderão levar a profundas alterações na estrutura da gestão pública federal. Possibilitando a quebra do Regime Jurídico Único (RJU). Não podemos nos esquecer de que o resultado do julgamento da ADI 2135, o STF, desobrigou os três entes federativos (Município, Estado e União) a admitir servidores públicos pelo Regime Jurídico Único. O que poderá reduzir drasticamente os concursos públicos para cargos de provimento efetivo no RJU. Levando à redução da base previdenciária do Regime Próprio de Previdência Social. Criando problemas financeiros e atuariais para as atuais e futuras aposentadorias e pensões do RPPS. Atacando principalmente os servidores (as) públicos aposentados e pensionistas. Que equivocadamente pensam ter direitos adquiridos irrevogáveis.
Os nossos direitos só prevalecerão se existirem novos servidores (as) públicos concursados, no mesmo regime jurídico, na mesma carreira e cargo.
A redução da sua base previdenciária obriga o cumprimento das alterações do artigo 149 da Constituição Federal, realizada pela emenda constitucional n0 103/2019, § 1º-B (é facultada a instituição de contribuição extraordinária, no âmbito da União, dos servidores públicos ativos, dos aposentados e dos pensionistas). Isso significa que, além da alíquota ordinária, os servidores (as) ativos, aposentados e pensionistas poderão ter que pagar uma alíquota previdenciária extraordinária. O que já acontece em alguns entes subnacionais. O decreto nº 65.021/20 do
ex-governador João Dória de São Paulo. Dispõe sobre a declaração de déficit atuarial do Regime Próprio de Previdência do Estado e providências correlatas. O que possibilitou a criação de alíquota extraordinária de 8%.
Além de colocar a maioria dos futuros servidores públicos no Regime Geral de Previdência Social (RGPS) ou em cargos temporários por tempo determinado, cada vez mais precarizados. Levando os atuais servidores públicos de provimentos efetivos ativos, aposentados e pensionistas a perderem referências nas atuais carreiras, com o fim dos concursos públicos. Possibilitando a extinção de grande parte das atuais carreiras e cargos dos serviços públicos federais.
Será o início do fim dos serviços públicos estatutários, para maiorias das carreiras e a volta do Estado loteado das décadas de 70, 80 e 90.
Portanto, as alterações propostas no item XXX, do artigo 22, da Constituição Federal, serão o balizador central para todas as mudanças na gestão pública. Será o principal elo de desmonte da maioria das carreiras estatutárias nos servidores públicos. Não para por aí!
Motivo 2 – Amplia a contratação de servidores públicos temporários, em substituição aos servidores públicos regidos pelo RJU.
A PEC propõe a inclusão do inciso XXXI, criando normas gerais para contratação de trabalhadores temporários por tempo determinado em regime de direito administrativo.
O regime jurídico-administrativo: é expressão que designa o conjunto de regras e princípios que instituem prerrogativas (privilégios) e sujeições (restrições) à Administração Pública.
Elevando-a a uma posição vertical nas relações entabuladas com particulares.
O trabalho temporário hoje está regido pela lei n° 8745/1993, com suas limitações. Mas ao trazermos essa precarização para a Constituição Federal, a contratação temporária nos serviços públicos. Acabará com as limitações legais encontradas na lei n0 8745/1993 e ampliará o mecanismo de contratação temporária na sua face mais precária para os trabalhadores. Fragilizando, o principal elo de garantia de isenção do direito legal entre o Estado e a Sociedade, o servidor público. Será o fim da maior parte dos concursos públicos estatutários e a efetivação do trabalho precarizado e indecente nos serviços públicos nas três esferas de governo.
Motivo 3 – Com a alteração do inciso IX do artigo 37 da Constituição Federal, a contratação temporária não mais passará pela necessidade da pandemia – COVID-19, mas substituirá as atividades permanentes, revestida de natureza transitória.
Este inciso já foi alterado em 2020, pela Emenda Constitucional n0 106, que determinou contratação por tempo determinado para atender à necessidade temporária de excepcional interesse público em função do enfrentamento de calamidade pública nacional– COVID-19.
Caso a PEC 32/2020 seja aprovada, a contratação por tempo determinado será disciplinada em regime de direito administrativo para atender necessidades temporárias, as quais, se relacionadas às atividades permanentes, deverão revestir-se de natureza estritamente transitória, observadas as normas gerais de que trata o inciso XXXI do art. 22. Não mais em função da pandemia da COVID-19, mas para atender necessidades temporárias relacionadas às atividades permanentes dos órgãos. Inclusive substituição de servidores (as) em caso de greve.
Motivo 4 – O inciso XXIV do artigo 37, proposto pela PEC, prevê que será obrigatória a utilização de plataforma eletrônica de serviços públicos, na forma da lei, que permita automação de procedimentos executados pelos órgãos e entidades integrantes da administração pública direta e indireta, que dará acesso aos cidadãos aos serviços que lhes sejam prestados e à avaliação da respectiva qualidade.
Portanto, as plataformas eletrônicas substituirão os servidores públicos federais, de forma gradual, utilizando serviços públicos automatizados, no lugar de servidores públicos de carne e osso concursados. Será a concretização do projeto de inovação tecnológica, que identificará as carreiras, os cargos e funções consideradas desnecessárias e obsoletas na administração pública federal, propondo demissões dos servidores públicos federais de provimento efetivo estável, pertencentes a essas carreiras e cargos.
Motivo 5 – O Estado continuará sendo o subsidiário (financiador) das políticas públicas. Mas a administração ficará a cargo do mercado privado (leia-se OS), o que significa a total privatização dos serviços públicos, nas três esferas de governo.
O artigo 37-A, proposto pela PEC 32, prevê que a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão, na forma da lei federal, firmar instrumentos de cooperação com órgãos e entidades, públicos e privados, para a execução de serviços públicos, inclusive com o compartilhamento de estrutura física e a utilização de recursos humanos de particulares, com ou sem contrapartida financeira.
Será a efetivação da privatização dos serviços públicos e a volta ao Estado loteado das décadas de 70, 80 e 90, na administração pública federal. Onde os principais atores eram os donos dos serviços públicos: políticos, famílias tradicionais, militares, servidores públicos influentes e empresários.
A proposta atual da PEC 32 possibilitará a inclusão de mais alguns atores na divisão desse Estado loteado – os religiosos, milicianos e outros. Além de facilitar a aprovação da nova engenharia aplicada ao IBGE. Criação de fundações de direito público privado. Que poderá captar recursos públicos e privados, em entidades nacionais e internacionais.
Motivo 6 – Retrocesso no reconhecimento do período de estabilidade dos servidores públicos de provimentos efetivos concursados.
A alteração proposta no artigo 41 deixará de reconhecer que o servidor para cargo de provimento efetivo, em virtude de concurso público, após o cumprimento de três anos de efetivo exercício, torna-se estável. Passando a reconhecer a estabilidade, após três anos de ESTÁGIO PROBATÓRIO. Será um grande retrocesso!!!
Já que o artigo 20, § 5º, da Lei nº 8.112/90, estabelece que o estágio probatório será suspenso nas seguintes hipóteses:
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a) licença por motivo de doença do cônjuge ou companheiro, dos pais, dos filhos, do padrasto ou madrasta e enteado, ou dependente que viva à custa do servidor e conste do seu assentamento funcional (art. 83). O que poderá ampliar o tempo de reconhecimento dessa estabilidade é a possibilidade de suspensão do período de estágio probatório.
O efetivo exercício no cargo, função ou emprego público, ainda que descontínuo, na Administração direta, autárquica ou fundacional de qualquer dos entes federativos, não há a possibilidade constitucional de ampliação do tempo de efetivo exercício. Mas se houver a substituição do tempo de 3 anos de efetivo exercício por 3 anos de estágio probatório.
Essa ampliação poderá ocorrer em muitos casos. Com certeza!!!
Motivo 7 – No artigo 41 da Constituição Federal temos duas palavrinhas mágicas, que são de importância para o entendimento dos servidores (as) públicos: ESTABILIDADE e “EFETIVIDADE”.
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Estabilidade – destinado ao servidor detentor de cargo público. Portanto, diz respeito ao servidor.
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Efetividade – é um atributo do cargo público para servidores concursados, após três anos de efetivo exercício em estágio probatório.
O atual texto constitucional recepciona como uma das possibilidades de perda do cargo de provimento efetivo estável. Uma decisão transitada em julgado. Mas a PEC 32 acrescenta algumas outras possibilidades. Uma delas é que uma decisão proferida por um órgão judicial colegiado poderá levar o servidor efetivo estável à demissão. Portanto, um colegiado formado, no seu órgão, por pessoas escolhidas a dedo, poderá te levar à demissão. Preste muita atenção nessa formulação!
Motivo 8 – Uma outra hipótese de demissão é do artigo 41 § 3º, prevendo que o servidor estável perderá o cargo se este for extinto por lei específica em razão do reconhecimento de que se tornou desnecessário ou obsoleto, resguardado o direito à indenização de que trata o
§ 5º do art. 169 da Constituição.
Essa indenização foi aprovada pela emenda constitucional 19/1998 – artigo 21 § 5º, no governo de FHC. O servidor de provimento efetivo estável que perder o cargo em decorrência do excesso de despesa com pessoal fará jus à indenização correspondente a um mês de remuneração por ano de serviço.
Motivo 9 – Artigo 41, § 4º – O estágio probatório é regulado pela
Lei n0 8.112/1990. Essa legislação estabelece diversos aspectos da vida do servidor público e, por isso, ela é considerada muito importante. Conhecida como Regime Jurídico Único (RJU).
Na lei n0 8112/90, no artigo 20, § 1º – 4 (quatro) meses antes de findo o período do estágio probatório, será submetida à homologação da autoridade competente a avaliação do desempenho do servidor, realizada por comissão constituída para essa finalidade.
A PEC 32, em seu artigo 41, § 4º, prevê que o servidor em cumprimento do estágio probatório de que trata o caput terá o desempenho avaliado em ciclos semestrais, observado o disposto no art. 39-A é admitida sua exoneração no caso de resultado insatisfatório em dois ciclos de avaliação”. Portanto, mais um retrocesso, já que 12 meses ou duas avaliações de desempenho insatisfatórias consecutivas ou não, poderão levar à demissão do servidor de provimento efetivo, antes do final do estágio probatório.
Motivo 10 – Fim da estabilidade dos empregados públicos, empregados de sociedade de economia mista e suas subsidiárias, conquistadas por muita luta nos acordos coletivos.
A PEC 32 propõe alteração no artigo 173 (incluindo §6º) da Constituição Federal – É nula a concessão de estabilidade no emprego ou de proteção contra a despedida para empregados de empresas públicas, sociedades de economia mista e das subsidiárias dessas empresas e sociedades por meio de negociação, coletiva ou individual, ou de ato normativo que não seja aplicável aos trabalhadores da iniciativa privada. Aqui reside o fim da estabilidade dos empregados públicos e estatais, conquistada pela luta dos trabalhadores(as).
Motivo 11 – A PEC 32 propõe alterações no artigo 247 da Constituição Federal –
A lei prevista no § 7º do art. 169 (demissão por excesso de gasto com pessoal) tratará de forma diferenciada servidores públicos investidos em cargo exclusivo de Estado, assim compreendidos os que exerçam diretamente atividades finalísticas afetas:
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à segurança pública – à manutenção da ordem tributária e financeira – à regulação –
à fiscalização – à gestão governamental – à elaboração orçamentária – ao controle –
à inteligência de Estado – ao serviço exterior brasileiro – à advocacia pública –
à defensoria pública – à atuação institucional do Poder Legislativo – do Poder Judiciário, incluídas as exercidas pelos oficiais de justiça; e do Ministério Público. Incluído por emenda, o setor de Segurança Pública.
Portanto, aqui residem os status dos setores finalísticos que executam atividades inerentes ao Estado, sem correlação com o mercado privado. Definida pela Lei n0 6185/1974, do governo militar, general Ernesto Geisel. São esses que poderão fazer parte da constituição federal, se aprovada. Serão tratados de forma diferenciada, pelo governo de plantão, cujos ocupantes dos seus cargos de provimento efetivo estável exerçam atividades finalísticas exclusivas de Estado. Mais ninguém!
As carreiras e cargos, mesmo dentro dos órgãos, cujas atividades são inerentes ao Estado.
Mas não exercem atividades consideradas exclusivas de Estado, na visão do governo de plantão. Portanto, não exclusivas de Estado, não poderão ter tratamento, critérios e garantias especiais. Não poderão entrar no mundo seleto das atividades típicas ou exclusivas de Estado.
Motivo 12 – Com a revogação do parágrafo único do artigo 247 da Constituição Federal, fica extinta a possibilidade de defesa da perda do cargo por hipótese de insuficiência de desempenho para cargos que tenham critérios e garantias especiais.
A PEC está propondo a revogação do Parágrafo Único: “Na hipótese de insuficiência de desempenho, a perda do cargo somente ocorrerá mediante processo administrativo em que lhe sejam assegurados o contraditório e a ampla defesa. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)”
Portanto, os servidores (as) ativos, aposentados e pensionistas e suas representações sindicais, além de ficarem preocupados com uma reforma administrativa infraconstitucional. Devem ficar de olhos abertos para a possibilidade de a PEC 32 retornar à discussão no Congresso Nacional. Após aprovação na comissão especial, o governo Lula não tem mais nenhuma ingerência sobre tramitação da PEC 32. O máximo que poderá fazer é indicar a sua base de apoio à rejeição da matéria em plenário ou arquivamento. Cabe a nós servidores (as) lutar para revogação total dessa matéria.

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